Da belga, venerável, respeitadíssima Rodenbach, quem diria, o melhor refrigerante do mundo. Fresco, alegre, vibrante, com acidez contida, em parte pelos barris em que a cerveja matura. Do ícone da cerveja sour, uma lambic refrescante com framboesas, amoras, cranberries.
Tem o corpo finíssimo e o aroma das frutas não lembra o de bala, como em grande parte das fruit beers. Mas influencia a espuma, que, rosada, lembra, de fato, um refrigerante.
É o detox definitivo, até pela concentração: míseros quatro por cento. Famos aguardar a reação do público, especialmente o dos radicais que torcem o nariz para pesquisas desse tipo. Falo em pesquisas por conta do estilo, muito antigo, de dar a cerveja o paladar da estação, no caso, o da colheita de frutas silvestres.
Rótulo novo, sabor antigo, equilíbrio eterno e densidade encantadora na fórmula de Leonardo Botto para a cervejaria de Niterói. Aquilo que já confessei na coluna como sendo a melhor cerveja brasileira começa com o nariz, que vende o malte e os lúpulos (summit e galaxy). E prossegue com maciez, mas com consistência; com amargor mas sem esquecer da doçura jamás.
Tem suavidade mas com estrutura, como imaginamos, como exigimos de uma double IPA – ou Imperial, como está no rótulo. Há frutas como a manga doce, há travessuras, como os caramelos, em combinação sutil e refinada. Tudo isso em um manto dourado, profundo, de turvor leve como uma névoa, sinal de que pode haver inverno dramático em nosso inferno climático. This is history. Bela compra.
RÓTULO: Noi Amara
PRODUTOR: Noi Cervejari Artesanal
PAÍS: Brasil
ESTADO: Rio de Janeiro
CIDADE: Niterói
ESTILO: Imperial IPA
ÁLCOOL: 10,5%
IBU:
LÚPULOS:
FORMATO: 600ml
Sal negro do Himalaia? My ass… Fui pesquisar por conta de uma atraente embalagem de cozinhas descoladas. Fucei no site do produtor e o tal do sal não tem nada de índico, e nem sequer asiático, Trata-se de um produto italiano extraído de rochas no Chipre. Essa é pra deixar Alexandre, o Grande, rolando no barril em que foi preservado. No mais, isso aí não é nada além de um mero sal de selfie…
Foi só um grãozinho, o suficiente para justificar a série Chicago Fire. Redondinha, lindissima em seu manto vermelho-ferrari. Chama-se olho-de-peixe, pimenta raríssima. Não tem no mercado. Linda na aparência, the trace of God no paladar. Tem uma vantagem: vc morre e não precisa ser cremado. Você vira uma passa. Made in Bahia, transplantado para Belfort Roxo, de onde foi levado para integrar o kit de pimentas do Esplanada Grill, fazendo do Brasil o primeiro país desse hemisfério a ter a sua bombinha nuclear.
Os cafés especiais estão em alta. As cervejas artesanais estão ainda mais em alta. E se Star Wars sempre esteve na altura máxima das estrelas, basta fazer as pazes entre todos eles: a união faz o lado negro da força, com o lançamento da série Java the Hop, da cervejaria Fort George, no Oregon, Estados Unidos. É um cerveja que une os grãos dos cafés badalados da ilha de Java, na Indonésia, que aromatiza a bebida, além do lúpulo “simcoes”, que os americanos tanto propagaram. E o marketing da bebida e ainda traz o cheirinho do deboche ao brincar com um dos vilões da saga do cinema, Jabba The Hut.
Ingredientes locais, refrescantes, crocantes, um breve estaladiço contra o calor. Mesmo que não soubéssemos do que estamos falando, sabemos que o palco acima é testemunho de uma deliciosa guerra entre franceses e italianos – provençais e genoveses, para ser mais exato. As armas são as mesmas: tomates, cebolas, azeitonas, pepinos, cenouras, vagens (ou favas e pimentões, como nos lembra Prosper Montagné), alcachofras, anchovas e atum em conserva, todos temperados com um alho que é apenas esfregado na borda da tigela. E azeite do bom.
O motivo da briga, a denominação. Afinal, que prato é esse? Salade niçoise ou insalata mediterranea? Até aqui, todos ganharam, e com direito a distinções e medalhas, já que praticamente todas as hortaliças têm seus selos de denominação de origem nos dois lados das fronteiras.
Como se trata de uma receita de tradição oral, o que se tem aqui é uma base, que a modernidade enriqueceu com ovos, batatas e beterrabas, todos cozidos, embora os puristas desprezem qualquer ingrediente que não seja cru – e com rédea bem curta no uso de conservas como as de azeitonas, alcachofras, atuns e anchovas. Mas quando esta rédea se solta, temos artilharia de outras origens, da mozarela da salada capresa ao croûton da Caesar Salad.
Essas anchovas, aliás, seriam a base da salada original, cortada em iscas e servidas com quartos de tomates e generoso azeite de oliva, ao longo de todo o arco que liga Gênova a Mareselha. As variações sobre o tema teriam surgido nos hotéis da Riviera Francesa e da área de Cinque Terre, após a Primeira Guerra. E registrada fartamente em livros como “Hommes bonne”, de 1939, embora uma primeira citação tivesse surgido em 1900, no “Almanach Hachette”. Ponto para os franceses.
Porém, há um compêndio da época que pode dar pistas. O Dictionnaire de la Cuisine Pratique, tão antigo que seu autor, Joseph Favre fala em “empire du Brésil, fala em niçoise como forma de preparo de caças e ovos. O mais próximo da fórmula da salade está na receita à la sicilienne. Ponto para os italianos, que, se não fossem os peixes e os ovos, teriam diante do comensal a igualmente clássica insalata del’orto. Seria ponto para a Itália, mas como, se a Grande Enciclopedia della Arte Culinaria já se refere à insalata nizzarda?
Mas aí chega Paul Bocuse e quebra tudo. Na receita que publicou em seu livrão, nada de peixes ou de conservas, mas sim uma curiosa atenção ao ingrediente pelo qual é apaixonado, a batata. “Três partes iguais de batatas cozidas em água, descascadas e cortadas em tiras finas, tomates bem maduros, sem pele nem sementes, cortados em quartos, vagens cozidas em água e sal ao ponto – tudo misturado em uma saladeira, com uma quarta parte de centros de alfaces desfolhados. Temperar com azeite, vinagre, sal e pimenta, cebola picada fina e uma boa pitada de cerefólio, desfolhado na hora”.
Como sugere a boa conduta na escolha de vinhos, a especialidade da região é a indicação, com vinhos provençais como os rosés de Bandol, os brancos de Bellet, estes ainda mais próximos de Nice, se tomarmos partido dos franceses. Se os vinhos genoveses estão ainda tímidos por aqui, a harmonização será como indica Favre, à la sicilienne. Um branco da uva grillo. Nos dois casos, atende à sugestão do crítico Hugh Johnson, em seu “Wine Pocket Book”, que implora apenas que se evite a derrota dos vinhos, o vinagre. Ponto a mais para a Itália e para a França. E, pelo vinagre, ponto a menos para Bocuse.
Melhorzinha das três cervejas da marca. Todas leves, talvez um pouco demais. Ficou devendo um quê de personalidade, de sabor, de densidade, de identidade. Já soube que teriam um salto de qualidade por conta de uma mudança de mãos e renovações de maquinário. E, ok, sabemos que as helles são leves por definição. Mas sabor, quem conhece a original sabe que tem. Vamos torcer para que, com as mudanças, helles seja reles somente na rima. Ou que o Pavelka, onde tiramos essa foto, preze um pouco mais a sua lista de bebidas.
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Não cozinho como um profissional, mas dou minhas cacetadas. Essa é uma delas. Parece simples, mas o ponto, o olho e o pulso para manter o preparado na distância adequada do foto valem tudo.
Me lembra o Sr. Carlos Perico, do Antiquarius, entrevistando “chefs”. Depois de ler seus currículos, recheados de batatas cortadas no Mugaritz e copos lustrosos no El Bulli, ele lança o desafio que, até agora, derrubou todos eles: “faz aí um ovo mexido”.
Não seria contratado, pois faço outras poucas coisas com esse apuro. E, nesse caso, sempre brinco com os amigos: você nunca ouviu falar em ovo mexido. Depois de provar esse aí da foto, há quem concorde. E lancei a fórmula no instagram, com o hero breakfast e a arte do ovo mexido:
- abrir como ovos fritos sobre manteiga não muito quente
- romper e mexer devagar a gema sobre a clara já ligeiramente branca
- controlar o fogo para garantir a textura cremosa
- servir com flor de sale uma rodada do moinho da pimenta-do-reino
- sentir na mesa o primeiro orgasmo do dia.
Da série “cereais matinais”, que mantenho no Instagram, essa é uma uma cerveja daquelas de rachar a sede e fechar o olho de prazer. Tem acidez, paladar e uma coleção de aromas de frutas várias que devemos a essa conexão California-Nova Zelandia, que foi apresentada em evento no Delirium Café.
Green Flash Green Bullet é uma tripla IPA, que ganha os aromas de lúpulos da Nova Zelândia, como o pacific gem e o green bullet, que batiza o rótulo da cervejaria de San Diego. Tem o manto dourado, carbonatação generosa, persistência para levantar o paladar de qualquer hambúrguer.
Para o Halloween que se aproxima, a criatividade dos rótulos de certos vinhos vai contribuir com a escolha do jantar da festa e manter o estilo dos requerimentos assustadores da data. Um deles é o Subterra, rótulo da americana Treefort Vinyards, de Napa Valley.
Nesse rótulo, o do cabernet sauvignon da vinícola, mais do que um vinho limpo e elegante, o layout premiado com uma imagem de ossada que não pretende ser aterradora, mas arqueológica e próxima da terra, como os produtores sempre desejaram. Por 55 dólares no site da Treefort, na data deste post.
Tem título que não é para todos. Um deles, um dos mais severos da França, é o Brevet Professionel de l’État de Sommellerie. E apenas uma brasileira o detém: Marina Giuberti, dona da Divvino, uma simpática parada para os brasileiros amantes dos vinhos.
Localizada no 11ème Arrondissement, no Boulevard Voltaire, a loja recebe degustações de vinhos naturais, champanhes desconhecidos e rótulos de pequenos produtores, além de aulas para turmas de todos os níveis e assessoria direta da própria Marina, uma capixaba criada em Ipanema.
“Seriam os vinhos portugueses os mais excitantes do planeta, na atualidade?” Quem lançou essa questão foi o crítico americano Matt Kramer, um dos mais antigos colunistas da revista Wine Spectator. Entusiasmado com as degustações que fez recentemente, tomou uma decisão extrema: ele, que tinha ido ao país apenas duas vezes em quatro décadas, como crítico, radicalizou e vai morar no Porto, para ficar mais próximo de um dos motivos de seu interesse especial: os vinhos brancos, que julgou “surprisingly compelling”.
Kramer pretende ficar três meses em Portugal. Pode ser pouco tempo para o número de surpresas que terá, especialmente nos vinhos brancos que o intrigaram, pois em todas as regiões tradicionais, é o tipo que tem brilhado com frescores, texturas e aromas. É o reflexo de calores, da aposta em uvas originais, como o encruzado, das novas denominações como as de Lisboa, da modernidade que ele mesmo citou, especialmente para os brancos do Douro, do Alentejo e dos Vinhos Verdes. Enfim, um leque de opções que, seguindo o roteiro de vinhos brancos modernos abaixo, frescos ou doces, convencerão qualquer Mr. Kramer a ficar em Portugal bem mais do que três meses.
OS BRANCOS DO DOURO
Ou seriam os brincos do Douro? Sim, joias nos aromas, no estalo da língua, na profundidade e na diversidade dos paladares de vinhos de uma região em que mandam os tintos mas brilham cada vez mais os brancos. E não são os portos brancos secos, mas os vinhos de mesa, dito “tranquilos”. Há exemplos bem nítidos dessa evolução, realizada sobre uvas sérias mas de nomes divertidos, como rabigato e viosinho. Um deles é o de Sophia Bergqvist, com seu romântico Quinta de La Rosa. Longo, suave, elegante, com um nariz que, fechando um olho, remete até àquele pão torrado dos champanhes. Outro exemplo vem da Quinta Casa Amarela, com sua estrutura bem nobre de um ingrediente extra, a malvasia fina. Nos rótulos, ambos adoráveis como o conteúdo, as rosas que batizam as vinhas do primeiro e uma simpática joaninha, que protege a plantação contra as pragas, no segundo.
VIBRAÇÃO NO ALENTEJO
São cada vez mais frescos e alegres, mas sem perder a ternura jamais. São a resposta ao calor da região, com reações bem humoradas, fenômenos nem tanto, solo e secas, especialmente. Arinto e o fidalgo antão vaz lembram antigos produtores que já lutavam para que os vinhos brancos do Alentejo fossem além da fama gentil dos “branquinhos da Vidigueira”. A raça daqueles produtores está na vibração dos vinhos de pouca ou nenhuma madeira, reconhecidos pelos aromas cítricos e uma acidez que enche a boca – “coisa de vinho guloso”, como dizem os enólogos, em comparação bem divertida, como as que se ouve em herdades como as do Esporão, do Rocim e do Perdigão. Ou na espetacular Quinta do Quetzal. Tudo isso é resultado de uma experiência que se aplica, agora, em uvas estrangeiras, como a viognier e a riesling dos brancos da Herdade do Arrepiado Velho. Nosso crítico falou em “compelling”? Não perde por esperar. E nem começamos a falar em Pera Manca…
A NOVA BAIRRADA
Se o crítico Matt Kramer conhece bem a sua colega Jancis Robinson, a grande dama do vinho e de sua literatura, saberá o entusiasmo que ele tem pelos vinhos brancos da moderna Bairrada. Algumas das melhores cotações que ela confere no gênero é para os rótulos de Filipa Pato, como o Nossa Calcáreo, que nos chega pela Casa Flora. Elegantes e próprios para experiências além dos peixes – vitelas, plumas de porco -, são produzidos com uvas bical, em terrenos que a própria Filipa chama de “Puligny da Bairrada”, em que a fruta manda mais do que a vinificação. “Fazemos vinhos autênticos, com muito pouca interferência, para que sejam autênticos, sem nenhuma maquiagem”, comenta a produtora.
O DÃO DO ENCRUZADO
É a uva da moda em Portugal e a ponta de lança dos brancos modernos da região do Dão, sempre associados à clássica malvasia fina, sob a liderança de nomes como os de Julia Kemper, uma das mais bem cotadas pela crítica internacional no estilo, pelas flores do nariz e pelos minerais na boca. E já está no Brasil. “É a casta representativa daquele momento na região, mas requer cuidados”, avisa Cristiana Beltrão, uma das primeiras a apostar no tipo, em sua carta, no restaurante Bazzar. “Se for mal vinificada, parece morta, pálida, inexpressiva. Quando nas mãos de um produtor competente, mostra seus aromas de frutas brancas e um toque cítrico e resinoso que remete à linhaça e uma bela acidez, que confere sua estrutura interessantíssima”, cita ela, sem esconder a sua preferência pela Quinta dos Roques.
A DESCOBERTA DE LISBOA
Para os que ainda não sabem, Lisboa é a nova denominação dos antigos vinhos da Estremadura. Ali mesmo, em torno da capital, a minutos da cidade, perto do aeroporto ou ao longo do litoral até o Cabo da Roca, uma série de pequenas denominações ganharam rótulos – e produtos – bem mais modernos. Na área dos brancos, um deles com a marca lusa do frescor, vem de Bucelas, tão próximo deles quanto o Recreio dos Bandeirantes é do Centro. Era uma região de vinhos licorosos. Hoje, de um vinho leve, próprio para o nosso calor. O rótulo Bucellas Caves Velhas, que a Barrinhas traz, é pura uva arinto, que chega a dar aquela suadinha no copo. E é perfeita para aplacar nosso calor e valorizar ostras e mexilhões. Em estilo oposto, com a complexidade de uma uva como a riesling, atenção para rótulos como o Quinta de Santana, da área de Mafra.
ALVARINHOS & CIA.
A boa notícia para quem gosta de vinhos brancos vem da área dos vinhos verdes: aqueles antigões, de garrafão, alguns de pipa, ácidos além da tolerância, ligeiramente frisantes, estão dando lugar a rótulos modernos com uvas como a loureiro ou aquela que o nobre Pedro Silva Reis vê como a grande casta portuguesa, a alvarinho. Rótulos como o Soalheiro, Deu La Deu, Quinta do Regueiro, Muros de Melgaço e Quinta da Brejoeira abriram os caminhos do lado moderno desse vinho que é, por conspiração divina, a guarnição dos leitões do norte de Portugal.
ALGARVE?
Sim, o Algarve, região quentíssima, inesperada, que ainda paga por antigas experiências, mas começa a investir em uma identidade moderna. “Eu moro na região há três décadas, mas há somente 7 anos que eu tomo vinhos daqui”. A declaração não é de nenhum leigo, que descobriu ao acaso o frescor dos novos vinhos desta área do sul de Portugal. É do alemão Erhard Braun, responsável pelo marketing da Quinta dos Vales, próxima de Portimão. Na falta de grandes uvas locais, adotam as do vizinho Alentejo (arinto e antão vaz), a bragã síria ou até a francesa viognier. É outro caso de vinhos de bela sensação mineral, onde proliferam, próximas dali, as ostras da Ria Formosa.
MOSCATÉIS
Nomes grandes e nobres como a Bacalhôa, familiares e veneráveis como a Horácio Simões estão entre as lideranças da modernização dos moscatéis da área de Setúbal. “Produzíamos vinhos doces, sem acidez, muitas vezes para mascarar defeitos, mas mudamos tudo isso”, diz Pedro Simões, o neto, responsável por vinhos gigantescos na boca aveludada, de aromas que vão das nozes aos figos secos, hoje com a acidez tão cobiçada, mas sempre com seu amarelo, brilhante como um topázio. Outra casta espetacular, o moscatel roxo vem dando trabalho a casas como a Quinta da Bacalhoa. O vinho que produzem com a uva é inesquecível, sem o traço de quem batalhou por uma fruta rara, complicada, de baixa produtividade, mas de altíssimo padrão.
MADEIRA
Outro vinho fortificado em que as uvas brancas enfrentam as tintas dos portos em belíssima briga. Falamos aqui de castas como a sercial ou a terrantez, que dão vinhos profundos, produzidos por casas como a Blandys. É a mesma que, hoje, investe em produtos mais modernos, como o Alvada, que chefs como o estrelado José Avillez apresentam com orgulho. Ali, entram uvas como a a bual e a malvasia, para um resultado generoso e rico em damascos secos.
OS ESPUMANTES
Duas palavras para definir os vinhos espumantes que refrescam os portugueses: bons e baratos. Vêm de regiões, preparados com uvas brancas e tintas, como prevêm os métodos clássicos. Mas com aromas bem típicos, como as frutas tropicais e os cítricos, que os tornam ainda mais refrescantes. Em praticamente todos os restaurantes de Lisboa, as refeições são abertas por rótulos como o Vértice, o Raposeira e o Murganheira, todos do Douro. Ou o Duet, de Luis Pato, e o 3B, da filha Filipa, da família da Bairrada. Da Herdade Grande, no Alentejo, tome nota do espumante à base de Arinto, bem fresco, intrigante, diferente, moderno.
Não basta ser aguardente, tem que ter origem para garantir a denominação. Falamos da tiquira, uma aguardente que já estava pronta antes de existir. Explico: antes da chegada dos portugueses, uma bebida alcoólica já era produzida a partir da mandioca brava, que era cozida e, já sem as toxinas, eram mastigadas para fermentação pelas jovens da tribo.
Com a chegada das técnicas de destilação com os europeus, a bebida ganhou seu formato de aguardente, a tiquira, que significa “gotejar”, em dialeto nativo. Séculos depois, quem resgata a bebida, com o rótulo Guajaa e métodos bem modernos, é Margot Stinglwagner, que explica ainda que nem a cachaça é tão brasileira, pois a cana de açúcar não é originária daqui e a mandioca, sim.
No paladar, um travo que, tal como na mais fina tequila – seriam as palavras irmãs? – tem uma nota salina, que a faz própria para coquetéis que valorizem essa característica rara, como o bloody mary ou o bull shot. O próprio ritual da tequila, com sal e limão, seria adequado à bebida, que ainda tem um quê de outro egresso da mandioca brava, o tacacá. É harmonia perfeita com o prato.
Reguengos, Portugal. Em um só almoço, não se esgotam as histórias sobre a Herdade do Esporão. Elas começam na chegada, com as pedras (literalmente) no caminho até a sede contando a saga da propriedade desde as origens medievais. Na própria torre são servidos os pratos da terra, em belíssimas apresentações, logo após a degustação dos azeites permiadíssimos da marca e do início do desfile dos rótulos. Vale a reza para que ainda estejam no cardápio iguarias como a bochecha de porco assada lentamente. E o bacalhau em sous vide e servido com espuma de ovos, alho e alecrim. No fim a sericaia original, com compota de figos e um trago da rara aguardente Magistra. Tradicional, mas nem tanto. www.esporao.com
O primeiro gosto que senti em Londres, já com o foco nas cervejas é esse aí, dessa série da Young’s. O travo típico das ales e seus amargores. Aqui, ganha aquele clássico paladar de chá e uma condimentação que o rótulo já denuncia: frutas cristalizadas. No nariz e na boca um quê e um buquê achocolatado. frescor e boca cheia, mesmo com corpo fino e com fineza. Persistente e suculento, chama pratos idem, em leque largo, que pode ir desde uma sopa de cebolas até uma costela ao forno.
A casinha naquela esquina da Rua Pacheco Leão sempre foi a passagem de uma espécie de “trottoir” de globais, famosos ou não, como no meu caso. Era uma gente errante, em busca de alguma coisa de qualidade para um almoço realmente satisfatório, mesmo se queimasse todo o bloco do antigo ticket refeição. Ticket, até tínhamos. O que não tinha era refeição. O que se engolia no Calamares (extinto, espero eu) ou na padaria Apollo XII, mais conhecida como “apolóxi” não era, tecnicamente, comida.
Pintaram de branco, abriram uma varanda, formaram uma equipe atenta e chegou um Pedro Siqueira, que coordenou duas arquiteturas: a da antiga casa de três andares – com table du chef no segundo andar – em que ainda se reconhecem os cômodos, alguns pequenos e, com trocadilhos, incômodos. Mas abriram-se espaços e cabeças para o lugar das mesas em que se vê sempre alguém conhecido. Nessas mesas, a segunda arquitetura, a dos pratos de um cardápio enxuto e com pequenas riquezas.
Para quem curte as entradinhas, em que os poucos bocados proporcionam muitas experiências, vale a visita. E na varanda, quando a temperatura não derrete o asfalto. Em qualquer dos casos, vale beliscar o bolinho de arroz de carreteiro, a trouxinha de palmito pupunha, o pão de quijo recheado com pernil e, principalmente, a mini carbonara, com o canapé da gema e a barriga de porco para os dedos em pinça. Muito da cara da casa está ali.
Para o paladar mais consistente, as massas, entre elas o tortellini de ricota, de textura delicada, e molho firme com direito ao tomate confit. Entre os peixes, um namorado com farofa de mate, leguminhos e uma abóbora em purê, apresentada no indefectível formato da derrapada. E o matambre assado com farofinha e mais uma abóbora, em mais um confit. Nos dois últimos, mais duas leves derrapadas, dessa vez na execução, quando o peixe e a carne secaram e perderam textura. Fui no primeiro dia, e derrapadas são compreensíveis para quem sair um pouco da curva.
A onda das pipocas gourmets parece que pegou mesmo. Ainda que um pouco exageradas nos sabores, trouxeram uma onda que já fazia sucesso nos Estados Unidos, quando tonaram-se um presente refinado por aqui. É o caso da curitibana Leeds e das paulistanas Pipó e Plus Popcorn, que reproduzem, basicamente, o que é feito lá fora por marcas como a 479 ou a Grahams: latas lindas e bem decoradas. E sabores inesperados como trufas e curry com mostarda. Pelo visto, a dupla salgado ou doce ficou em alguma praia do passado.
Tem potência, aroma floral e trigueiro, casquinhas de limão no nariz e na boca. O paladar tem aquela secura e aquele frescor de uma IPA típica, com final de amargo que alarga a boca. Manto âmbar, carbonatação densa e uma textura que deixa a boca cheia. Petiscos e o hambúrguer de praxe são aos companhias. Mas arriscaria um camarão mais picante ou uma carne seca acebolada. É uma cerveja que viajou bem, e que antecipei assim, na coluna Letras Garrafais para o caderno Rio Show, do Globo, de 17 de julho:
Quem viu o filme “Perfume de Mulher” vai se lembrar da cena em que o Coronel Slade, personagem de Al Pacino, janta com o jovem Charlie no antigo Oak Room, em Nova York. Ao pedir a cerveja, ele brada: “Schlitz! Não tem Schlitz? Blatz! Não tem Blatz? Improvise”. Não dá pra saber que cerveja o pobre garçom trouxe, mas o certo é que o coronel se referia a duas cervejas do Meio Oeste dos Estados Unidos. Amargas como o personagem, que, obviamente, queria mostrar erudição, os dois rótulos eram de uma época em que pouco ou nada se sabia de cervejas artesanais.
Mas sabia-se algo de cervejas familiares, muitas delas de imigrantes alemães, que ajudaram a colonizar aquela área em torno dos Grandes Lagos, no fim do século XIX. Eram nomes como Pabst, Schmidt, e, claro, Schlitz e Blatz, que envolviam cidades como Milwaukee, Detroit e Chicago em uma disputa por um título megalômano, o de “capital mundial da cerveja”. Essas cervejas pingaram por aqui no início dos anos 80, naquela famosa abertura das importações, em que aqueles que se aproveitavam do momento e tinham o acesso às cervejas, trouxeram, mas sem continuidade no fornecimento.
Esse risco pode estar no fim com a chegada oficial de um dos rótulos mais celebrados do momento ao Brasil: a Goose Island, de Chicago. ao Brasil: a constância no abastecimento – as falhas já arruinaram muitas marcas, que acabaram substituídas, no paladar e no coração do cliente, depois de sucessivos clássicos dos bares brasileiros: “tem mas tá em falta”. Foi lançada em evento no Bar do Botto, na Tijuca em junho. E chegam com dois rótulos, o IPA e o Honker, que estão à venda no site da Empório da Cerveja por R$33 a dupla.
A Goose IPA é o que se espera: aquela fruta típica dos lúpulos. Aqui, são cinco, inclusive as clássicas cascade e centennial, usadíssimas no Brasil, e que trazem um maracujá no nariz tão característico quanto o do sauvignon blanc para os vinhos. No copo, uma belíssima cor dourada. Na boca, o malte que dá equilíbrio e bom corpo como, aliás, sempre foram as cervejas de tradição germânica da área, não fosse a cerveja mantida por um sobrenome igualmente alemão, o de Mike Siegel, o mestre-cervejeiro.
Mesa simples, ingredientes tinindo de frescos, cozinha sem grandes fantasias. Todo esse resumo se aplica, em geral, à cozinha suíça. Um dos melhores lugares para tirar isso a limpo está às margens do Lago Léman, na área de Lausanne, na Suíça. É a mesa de jantar do Domaine du Dalay se abre para a varanda de degustações da propriedade, sobre os vinhedos que a cercam e para a paisagem etérea dos Alpes franceses ao fundo. São vinhos leves, de ótimo paladar, que combinam à perfeição com os pratos de alto padrão do jantar da casa e do frescor dos ingredientes, dos peixes do lago à cordorna, passando pelos aspargos da entrada e dos morangos da doce saída. Vale a viagem.