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Vitello tonnato
[5 out 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Vitello tonnato do Cipriani, no Copacabana Palace: simples e fresco (Foto: Pedro Mello e Souza)

Frio, fresco, meio termo entre um petisco de mão ou um carpaccio de garfo e faca, o vitello tonnato é um antipasto toscano. Cortes finíssimos de rosbife de vitela, uma molho emulsionado (são tantas emulsões!) de atum pilado com anchovas, alcaparras e gemas. Está presente em muitos dos restaurantes que apreciam as tradições italianas, sejam os mais finos, como o Satyricon e o Cipriani, ou as do grupo Fasano (Gero, Fasano al Mare). Ou das mais simples, como o Benedictine do Village Mall, na Barra, ou o Borgo del Conte, em Botafogo.


 

Vitello tonnato: clássico toscano no Gero (Foto: Pedro Mello e Souza)

 

 


Picagge
[2 out 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Comendo e aprendendo. Issa daria um bom título, de livro, com direito a trocadilho bem adequado, já que minha rotina estaria mais para vivendo e provando – comidas ótimas, inclusive. Mas essa visita ao Pomodori, em São Paulo, valeram três lições. Na primeira, aprendi o que é picagge, uma variedade de fettuccini preparado com farinha de castanhas.

 

Pesquisando, descobri que é uma especialidade de duas áreas da Liguria: Savona e os arredores de Gênovan onde a expressão picagge (ou piccagge ou picaje) denomina também as fitas de tecido para o acabamento de saias. Descobri também que a massa pode ser clara como a minha. Ou verde, quando ganha ervas como a boragem ou a manjerona.


Picagge de castanhas com alcachofras, speck e favas 01 (Foto Pedro Mello e Souza)

E que uma série de molhos, principalmente os pestos, são seus acompanhamentos, embora outros sejam perfeitamente cabíveis. No prato, chegou com uma guarnição de alcachofras, favas e speck, a nobilíssima contribuição italiana para o universo dos bacons.

 

As outras lições vieram na pesquisa, coma das instruções precisas do preparo do pesto – trinta folhas de manjericão, nbem mais, nem menos, que devem ser limpas com pano, não com água. E que as folhas devem cobrir não o fundo, mas as laterais do almofariz, enquanto os alhos e o sal grosso entram às pitadas de cada vez. A última lição veio no copo, com um Monica di Sardegna cheio, quente, adorável, gracioso.

 

 


Photo culinaire
[30 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Uma das fotos vencedoras: "O beijo vai deixar suas marcas", de Patrick Rouguereau

Luxo e gastronomia nem sempre viajam juntas. Mas o mais provável é que se encontrem mesmo em Paris. Em maio, especialmente, quando começar a seleção para a quinta edição do Concours International de la Photo Culinaire, um evento que movimenta fotógrafos amadores e profissionais, que movimenta vários pontos de Paris com exposições de painéis gigantescos com as primeiras imagens classificadas. Na próxima edição, o tema é sustentabilidade – “alimentando o planeta; energia para a vida”, como os organizadores divulgaram nesse mês.

 

Na edição passada, o evento contou com 34 fotógrafos de todo o mundo, especializados em gastronomia, muitos deles profissionais de publicidade em busca da exposição que o evento, que já está em sua quarta edição, traz ao um dos mercados mais promissores para esses profissionais: a Alimentação.


Chocolate: uma segunda pele, segundo a fotógrafa Margaret Skinner

E os profissionais foram cintilantes, tanto no brilho que o luxo exige quanto na criatividade e na graça de criações. É o caso da série vencedora, as joias com bagas e temperos, ideias do publicitário Francesco Majo, responsável por editoriais em revistas como Elle, Vogue, GQ e Condé Nast, além de campanhas publicitárias de marcas como Perugina e Nespresso. Ele montou colares com dentes de alhos e outro com cebolas. E criou pulseiras bem femininas com bagas de groselha. “Quase sempre nos esquecemos de que o verdadeiro luxo da gastronomia vem das joias criadas pela terra”, disse o fotógrafo, durante a entrega dos prêmios, em evento com a expectativa de um oscar, com direito a black tie e tapete vermelho.

Joias expostas: colar de alhos (Foto: Francesco Majo)

Finíssimo

 

Um dos luxos do evento ficou por conta de alguns resultados supreendentes. Quem diria, o apuro do über-fotógrafo Francesc Guillaumet, reponsável pelos livros de Ferran Adrià, foi batido pela criatividade do francês Patrick Rougereau. Finíssimo ao retratar movimento das imagens, ele retratou os preparativos para a celebração do tema do concurso. E trouxe um pargo de batom, o make-up de uma maçã e a sensualidade do chantilly, que sempre vemos em um aparelho de barba.


Maçã e chocolate: mais um preparativo para a festa, segundo Patrick Rougereau

Patrimônio Culinário

Quem fala em oscar, fala em categorias. Uma delas, a segunda em importância depois do grande prêmio do júri, é o Patrimônio Culinário. Ali, brilharam, untuosas e elegantes, as confeitarias francesas, nas lentes de Thomas Delhemmes. Nesse caso, ele saiu do estúdio e recorreu às criações do chef-pâtissier Eddie Benghanem, do Trianon, em Versailles, para leva-las aos pontos mais doces do luxo francês: a Ópera, a Ponte Alexandre III e a Pirâmide do Louvre. A alguns passos da própria pirâmide, sua obra estaria exposta, em um dos diversos painéis que o evento espalhou pela cidade, para a exposição ao júri popular, que contou com uma audiência de mais de 350 mil pessoas.

 


Uva com coco

Quem viu os selecionados para a decisão final sentiu bem a dificuldade do presidente do júri, o chef Frédéric Anton, do Le Pré-Catelan, o verdadeiro, no Bois de Boulogne. Mas entre milhares de imagens, ele selecionou duas bem emblemáticas: a terrine de foie gras com nozes e queijo comté, que valeu a Dorian Nieto o prêmio da atualíssima categoria Blogueiros. E um vestido de uvas cobrindo o corpo elegante de um coco, que valeu à dupla Esteban Wautier e Clémence Le Rouzic o prêmio Jovens Talentos.

 

Símbolos regionais

Um dos temas–chave da exposição é o Turismo Culinário. O tema, que tem levado novo vigor ao mercado turístico da França, foi abordado com associações diretas por outro fotógrafo de publicidade, Hubert Taillard, que clicou símbolos de áreas como o Périgord, com suas trufas e vieiras, e a Bretanha das lagostas e suas ostras. Nas criações, Taillard também pegou pesado e trouxe os pratos do medalhado Patrick Jeffroy. Foi assim com o homard breton e o diamante, as cenouras e as pérolas – e as vieiras com o que ele chama de “ouro negro”, as trufas.


Patrimônio: o homard breton de Sylvain Meunier-Colin

 

 

 


Balão sobre os vinhedos
[28 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Espumante Benoit Daridan La Marigonnerie: chenin blanc e chardonnay (Foto: Pedro Mello e Souza)

Quando alguém te disser que um espumante pode nos deixar alto, pode ser que ele esteja levando a expressão ao pé da letra. Em altitudes como os mil metros de altitude, por exemplo, no momento em que se degusta um copo de Benoit Daridan, um “méthode traditionnelle” do vinhedo que sobrevávamos naquele momento, de balão, na área de Cour Chéverny. Era o La Marigonnerie, de onde vem esse corte de chardonnay e chenin blanc do Val du Loire.

 

O vôo começou no campo de golfe próximo de Cheverny, na altura de Amboise, a mesma do castelo de François 1er. e onde está enterrado Leonardo da Vinci. A equipe de balonismo do Au Gré-des-Vents nos reservou um balão especial para casais, menor, mas muito mais romântico. De lá, voa-se ao sabor do vento – e da taça de espumante – por mais de 20 quilômetros, para aterrisar no parque do Palácio de Chambord.

 

É uma beleza que a contingência poderia transformar em paraíso, com direito a piquenique e amor na relva, enquanto o piloto sai à procura dos jipes para nosso resgate, já que a adega do balão poderia estar bem fornida.


Sobrevôo do La Marigonnerie, em altitude de mais de mil metros - e o casal com um copo do próprio vinhedo nas mãos (Foto: Pedro Mello e Souza)

Parque de Chambord após o pouso do balão: piquenique na relva com adega bem fornida, logo após a aterrisagem (Foto: Monica Salgado)

 


Louis XIII
[28 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Um comentário ]

Louis XIII:

no conhaque dos reis, o rei no conhaque

Matéria publicada no Caderno ELA, de O Globo

 

Os especialistas sempre discutirão o ranking dos melhores conhaques do mundo. Mas há consenso em torno do mais nobre: o Louis XIII, da Rémy Martin. São dois séculos de profundidade de cor, de vigor de aroma e de intensidade nas histórias. A mais importante delas está no rótulo, com a dupla homenagem da Rémi-Martin, a marca por trás da bebida, ao rei Luís XIII da França, que foi o primeiro a demarcar as regiões de Cognac. E foi o próprio rei um dos protagonistas de uma batalha religiosa, em Jarnac, contra o príncipe de Comté. Dos restos dessa disputa, os cantis em metal trabalhado, que inspiram a belíssima garrafa do Louis XIII.


Louis XIII: até a garrafa vazia vale uma fortuna. Quem toma a última dose, leva.

“Preferimos chamar de decanter” – diz a embaixadora da marca no Brasil, Jessia Lobo. “É um frasco produzido com o mais nobre cristal de baccarat, que a maison Rémi Martin sempre mantinha para serviços à nobreza, à diplomacia, e que traz um valor extra ao conhaque”, explica. E traz mesmo. Até a garrafa vazia tem lances que passam dos mil reais nos sites de leilões pela internet. Cheia, novinha, pode ser encontrada em lojas como a Garrafeiro e a Porto di Vino por preços entre 13 mil e 15 mil reais.

 

Quem se espanta com o preço, dois argumentos. O primeiro deles: Ao ser engarrafada, a bebida é o resultado da combinação de mais de 800 conhaques diferentes, maturados por temporadas entre 40 e 100 anos e desenvolvidos na sede e envelhecidos em barris de carvalho do Limousin. O segundo argumento é mais pragmático: em certos restaurantes cariocas, como o Fasano al Mare e o Antiquarius, a exclusividade pode ser encontrada por mais de mil reais. Por dose. E muitos ficam de olho na última dose de cada decanter, pois quem toma a última dose leva a garrafa.

 

As notas de degustação acusam mais de 20 aromas, do buquê ao retrogosto, e dão consta de uma persistência em boca de até uma hora. Abre com frutas cozidas como as compotas de ameixa e evolui para caramelos e tabacos. É tudo o que Winston Churchill experimentou, no brinde que fez com Louis XIII no fim da Segunda Guerra. E foi tudo o que impressionou o paladar de uma então jovem Rainha Elisabete II da Inglaterra, em seu primeiro banquete oficial em solo francês, em idos dos anos 60.

 

Detalhe do decantador: réplica dos antigos cantis da época de Luis XIII (Foto: Pedro Mello e Souza)

“Todo esse conteúdo histórico faz parte de um espírito de self indulgence, com uma bebida nobre na origem e no preparo”, diz Jessia, sobre o trabalho de reposicionamento que a Rémi Martin vem fazendo no Rio, através da importadora Casa Flora, de olho no bom gosto do brasileiro. O reflexo está no paladar da bebida, mantido sempre pór métodos que lembram aqueles dos vinhos de Jerez, em que, em cada ano, os mesmos produtos são engarrafados. O que fica no barril é completado por combinações que mantêm, com mínimas alterações, os sabores e os aromas do Louis XIII. E, não por coincidência, os vinhos de Jerez usam barris de conhaque.

 

Para quem quer investir, ainda dá tempo para um preciosidade. Há dois anos, o Louis XIII foi lançado em uma edição de colecionador, não nesse normal de 750 mililitros, mas um colosso de 3 litros – ou quatro vezes o original. E com um detalhe: dessa vez, por se tratar de uma série restrita, o cristal baccarat foi substituído pelo de Sèvres, ainda mais nobre. Preço sugerido para lançamento nas lojas européias: 22 mil euros. Com a palavra, os leilões.

 

Remi Martin Louis XIII: o luxo do conhaque no Caderno ELA, de O Globo (Foto: Pedro Mello e Souza)

 


Marlim e o peixe meca
[26 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Posta de marlin (peixe meca) na brasa, do Ponto G, em Florianópolis (Foto: Pedro Mello e Souza)

Sim, marlim, maior dos peixes de bico, espetáculo dos mares, troféu máximo dos pescadores de oceano, na faixa do mar azul. Espécie esplêndida, belíssima, de bico imenso na boca e vela exuberante no dorso. aquele peixe esplêndido, gigantesco, quase três vezes maior de quem o pesca.

 

Mas por que os cardápios preferem o “peixe meca” e não mantêm a denominação marlim? Talvez porque soe mais charmoso o maca – ou meca -, que vem da abreviação do gênero Makaira, que identifica o peixe na comunidade científica. Ou do japonês makajiki, que denomina a espécie do Atlântico.

 

Grande nas águas, enorme nas mesas, com uma carne extraordinária, comparável à do atum e a do peixe-espada, mas de vermelho leve (ou rosado profundo, como queiram), pois é um peixe de velocidade, que exige um tecido sanguíneo, que transmite aquele sabor metálico que só a carne vermelha pode proporcionar.

 

 


Montes Cherub
[24 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

O Rosé de Syrah da vinícola Montes (Foto: Pedro Mello e Souza)

Seco mas cheio, quente e refrescante, tudo ao mesmo tempo, com direito às frutinhas do syrah e uma cor fechada, que traduziria mais um clarete do que o rosé que pretende ser. É como o querubim do rótulo: gordinho, doidão, caliente e cheio de graça. Montes Cherub Rosé de Syrah da seleção de Cecília Aldaz, que já tinha citado esse rótulo na matéria Com que vinho eu vou, produzida por nós para o Caderno ELA Gourmet, de O Globo, ali, ao aceitar o desafio para harmonizar o vinho com uma moqueca. E se falei caliente, não foi à toa. É bem alcoólico, apesar da sensação de leveza que proporciona.

 


 

 


Rolinho de salmão defumado
[22 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Alguns testes são necessários antes de chegar ao nível da apresentação da receita de Roland Villard (Foto: Alexander Landau)

Receita muito simples, toda crua, que Roland Villard, chef do Le Pré Catelan, selecionou para o livro A dieta do chef, de quando emagreceu a ponto de não ser reconhecido. Simples nos ingredientes, um pouco elaborada no preparo, que exige um certo talento – eu não tive – para que os rolinhos ficassem tão perfeitos quanto os da foto. Basta olhar o lado bom: tentar várias vezes, pois é fresco, saboroso e muito leve – apenas 236 calorias. Nada, perto do que ele costuma servir.

 

Rolinho de salmão defumado com legumes crocantes

 

Ingredientes para 4 pessoas.

 

100 g de cenoura descascada e cortada à juliana.

100 g de pepino japonês lavado, sem as pontas, cortado à juliana

30 g de pimentão vermelho pequeno, sem semente, cortado finamente à juliana 50 g de broto de feijão.

Uma colher de sopa de coentro fresco picado.

Uma colher de chá de suco de limão.

Duas colheres de chá de azeite.

Sal e pimenta a gosto.

10 a 12 fatias de salmão defumado.

 

Modo de preparo:

 

Em um recipiente, junto cenoura pepino, o broto de feijão, pelo coentro.

Misture e reserve.

Em outro recipiente, junte o suco de limão, o azeite, o sal e a pimenta.

Junte aos legumes e misture bem.

Em uma superfície lisa, disponha três a quatro fatias de salmão no sentido do comprimento.

Coloquei 1/3 dos legumes sobre a sua extensão.

Enrole com filme plástico bem apertado, de maneira a fechar o recheio

e amarre as extremidades formando três rolinhos.

Leve os enrolados à geladeira para firmar um pouco antes de cortar.

Sempre com plástico, corte cada rolinho em quatro ponto.

Com cuidado, retire totalmente o plástico.

Sirva com azeite de manjericão.

 

 


Carne de onça
[20 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Carne de onça, do Dona Onça, em São Paulo: serviço como o de um canapé (Foto: Pedro Mello e Souza)

Nome ótimo para essa especialidade curitibana, uma versão mais selvagem de steak tartare, em que a apelação “onça” é apenas isso, uma gentil apelação – divertida e sem selvagerias, já que não é inundadda de temperos, como são os steak tartares comuns. Apenas sal e pimenta, a rigor. O serviço é feito sobre uma torrada de pão de miga. No arremate, uma cobertura generosa de cebolas e cebolinhas picadas. Há quem ponha essa camada de picados por baixo. Normalmente, o serviço é feito sobre a tira inteira do pão de miga, mas pode ser cortado em canapés, como fez Janaína Rueda, no Dona Onça, em São Paulo.

 

 


Queixada de volta?
[18 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Queixada: substituto do leitãozinho e prato do ano de 2012, pintando de vez em quando no cardápio de Roberta Sudbrack (Foto Pedro Mello e Souza)

Há dois anos, essa queixada assada entrava no menu da Roberta Sudbrack. Das indas e vindas, de provas em provas, decidi que esse era, para mim, o prato do ano no Rio de Janeiro. E o maior que ela já fez, competindo apenas com o porquinho de fogo lento e o ovo caipira com crumble de aspargos e bacon. Com a virada do cardápio, o prato saiu. Mas andei vendo alguns posts em que a raceita aparecia no menu degustação da chef, mesmo sem relação com a nova onda da jaca. Pode ser apenas uma oportunidade da carne ter aparecido em boas condições. Mas pode ter voltado ao cardápio fixo de Roberta. Tomara.

 

Na época, escrevi o seguinte, no post sobre o menu da época: “O leitãozinho, não veio. Mas a frustração, também não. Veio, aí sim, uma valiosa e (pra mim) inédita variação sobre o tema, a queixada, uma variedade de porco do mato. Antes um ser selvagem e proibido pela histeria preservacionista, foi encontrada em um produtor específico – não entendi qual, na confusão das loas, das despedidas e dos vinhos (interessantes) que regaram o jantar. A suculência do cozimento lento estava toda lá e o suquinho sugeria um pirão de minuto com a farinha ácida, amarela, quente no sabor, um contraponto.

 

 


Kouign-amann
[16 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Texto gentilmente cedido por @chez_loulou, ao saber que eu tinha tungado a foto dela para ser a imagem do dia. Para quem não sabe, ela é uma poetisa que dá forma quase diária a um dos mais gentis e graciosos perfis da gastronomia do Instagram. E que não se estranhe a grafia da especialidade. Está no original, em bretão. Ela foi modesta na descrição. Para esse blog, ela vai descrever uma das maiores iguarias do mundo.

 

Kouign amman: delírio bretão na descrição delicada de @chez_loulou

Et quoique l’Ouest aussi peut apporter de la gaité..

Kouign-amann é um tipo de bolo tradicional da Bretanha cuja receita teria sido inventada por volta de 1860. Embora o preparo seja delicado, a lista de ingredientes é curta e descomplicada; a massa recebe doses fartas de açúcar e manteiga (salgada e bretã, evidentemente!) e quando bem sucedida, a consistência do bolo assado é macia e crocante ao mesmo tempo. Coisa pra pedir bis. (pronuncia-se cuin-amãn)…

 



Sole e Vento
[14 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Sole e Vento 2012, de Marco de Bartoli: vejamos no que dão duas uvas diferentes de dois terroirs opostos (Foto: Pedro Mello e Souza)

Qual o resultado da união de dois terroirs diferentes? Complicado, sobretudo pelo desafio a uma lei: uva não deve viajar – quem planta e engarrafa na própria vinícola, se gaba disso e deixa claro no rótulo. Mas vejamos o que tivemos para o dia: um vinho longo e cheio, mas refrescante,  estruturado, com uma textura delicada, que começa com uma boca salina, daquela dureza mineral, seca, mas que se torna ligeiramente aveludada em cada gole do caminho.

 

E haja caminho, a que cruza a Sicília de ponta a ponta, do Etna a Pantelleria. É assim, com essa nota instigante, que a Sicília nos chega com mais uma demonstração de criatividade. Duas uvas diferentes de duas regiões diferentes. Está lá, estalando no manto dourado do Sole e Vento, tão quente quanto fresco, explorando sentidos diferentes, como queria Marco de Bartoli, o mesmo que já nos trouxe o espetacular Bukkuram, um passito di Pantelleria feito com a uva zibibbo, mais conhecido como moscatel de Alexandria.

 

É essa simpática zibibbo que entra nesse branco de mesa, associada a outra, a grillo, típica das terras negras do Etna. Detalhe: nenhuma das duas castas passam por qualquer madeira. É pura fruta. Da cor fechada, bem dourada, surge um defumado, uma erva seca, que lembra aquelas queimadas do campo. Tem acidez de fruta tropical, como carambola e até um caju, em uma salada de frutas enriquecida com a presença constante de uma bela maçã verde.

 

São expressões da uva, repito. Sem, grandes alquimias, ganham estrutura e acidez. E dão ao vinho uma identidade própria, bem diferente daqueles dos próprios Etna e Pantelleria. São experiências, enfim, que podem dar graça a refeições tão diferentes quanto a do sashimi do Sushi Leblon, por sugestão do Paulo Nicolay, quanto a costeleta de porco do Esplanada Grill, para citar duas casas em que o vinho já está na carta – e a bom preço. Ou até à salada de frutas que citei acima.

 

 


Kurage, a água (muito) viva
[12 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Agua viva, na forma do kurage, delicadeza sob o manto do susto (Foto: Pedro Mello e Souza)

Kikurage é a leitura mais aceita de 海月, que significa, literalmente, “lua do mar”. O leitor pode tremer, mas não falamos aqui da temível e medonha criatura gelatinosa, de tentáculos mortíferos, pesadelo dos banhistas tropicais. Falamos, isso sim, da espécie que se torna uma iguaria nas cozinhas orientais para recondicionamento, quando é seca até o ponto de uma gelatina consistente. E, na hora do uso, recondicionada em levíssima fervura e uso em saladas ou sopas. No caso do Azumi, é cortado como uma massa do tipo cabelinho de anjo e colocada sobre um sushi com alga.

 

Delicadíssimo mas bem complexo. Agradável mas sem grandes sabores. A textura é tudo para o sucesso das águas vivas mp Sudeste Asiático. Hosking fala de duas espécies, o echizen kurage (Stomolophus nomurai), leitura de 越前水母, e no bizen kurage (Rhopilema esculenta), interpretação de 備前海月. A segunda é a mais comum. É a ela a que se refere Alan Davidson, que conta que os chineses a secam e cortam sua coroa inofensiva e transparente em discos para o uso em sopas e vinagretes. Ele mesmo nos dá o luxo dos sinônimos da região, do dikya dos filipinos ao hoi chik de Hong Kong. E do sua vietnamita ao ubor-ubor dos malaios.

 

 


Blumenthal: sorvete de pão preto
[10 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Sorvete de pudim de pão: monumento dde 1830

Essa loucura acima tem mais de 150 anos de idade. Assim atesta a sua descrição no cardápio de sobremesas do restaurante Dinner, que Heston Blumenthal mantém no hotel Mandarin Oriental, em Londres – vá sempre de dia, no almoço e exija, com violência se necessária, um lugar na janela diante do Hyde Park.

 

De volta ao preparado da foto, que está entre as revisões geniais de sobremesas ancestrais – o meat fruit dos anos 1200 e um rice & flesh, de fins de anos 1300 – está esse sorvete de pão preto com toffee amanteigado e xarope do tipo sucre d’orge, com o conjunto servido sobre um licença tão poética quanto anacrônica, a massa podre de tarte tatin.

 

Um completo delírio, da consistência do sorvete – já existia, sim senhor, na Inglaterra dos anos 1830 – ao sablé da massa, ligado pela untuosidade das caldas, que me perseguiram como espíritos, benignos, penso eu, pela tarde inteira.

 



Serra ou wahoo?
[8 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

O sushi de serra de Jun Sakamoto, em foto tungada do Instagram de Ivan Marchetti

Aos amantes dos sashimis: está na época do serra. Não confundir com o peixe-serra, aquele tipo de tubarão com bico de serrote, mas o de um parente próximo, o atum. E com personalidade própria para envergar um nome forte como esse com direito a uma bela carne rosada que vai do rosado ao vermelho, do tipo cereja.

 

Nós é que não temos muito dessa personalidade e cometemos dois erros: o primeiro, o de usá-lo somente em sushi bares; o segundo, em adotar a denominação wahoo, que vem fazendo tanto sucesso nos cardápios americanos.

 

Mas nossas apelações alternativas também não ajudam muito. Afinal, quem abriria o cardápio e pediria um “cavalão” – é também parente da cavala. Ou uma sororoca, como sugerem os léxicos, que sugerem até outros sinônimos.

 

Mas ficamos com o ‘serra’, que os pescadores consagraram graças ao formato das nadadeiras dorsais. Limpa, gera essa beleza de exemplar, que repórter Ivan Marchetti (ele não sabe que é repórter fotográfico, mas o é – e dos bons) fez no balcão de Jun Sakamoto.

 

 


Rossj Bass
[6 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Rossj Bass 2010, um supertoscano branco de vinha balzaquiana (Foto: Pedro Mello e Souza)

É assim mesmo, com jota, mas a pronúncia é mesmo Rossi, como em Gaja, Angelo Gaja, essa figuraça, que a gente acha que vem apresentar os vinhos, mas quer mesmo é bater um belo papo com o copo na mão. Nessa conversa, faz um palestrão sobre a região, as tradições da área do Langhe, dos seus pais, sobre filosofia, flores, arquitetura, sustentabilidade e, claro, minhocas. Acha que ficar apresentando atrapalha o papo e dispersa a atenção. “Esse negócio de wine dinner me irrita um pouco. Eu até tento falar dos vinhos,  mas acabo falando sobre outra coisa”, disse.

 

A chegada do vinho branco até que foi discreta, quase uma formalidade antes dos tintos – a expectativa era do brunello e do Ca’Marcanda, já entre os toscanos. Mas esse chardonnay chegou estalando, refrescando, secando. Mineral, macio, elegante no corpo e na acidez, chegou com aromas de muita fruta, pêssegos e melões. Na boca, maçãs maduras, cítricos nítidos, tangerina. Me gabo um pouco de falar desses detalhes depois que eu li a crítica da Jancis Robinson sobre o vinho: “flawless designer fruit”.

 

Esse que provamos é o de 2010, dentro do catálogo da importadora Mistral. Já traz mais de quatro décadas de experiência desde que o pai de Angelo deixou de lado as uvas brancas da região e começou as experiências com as estrangeiras. Experimentou o chardonnay e deu no que deu, após alguns anos de experiências inéditas, já que não tinham precedentes. Os antepassados acompanharam, provaram, mas quem batizou foi a filha de Gaja, Rossana, a Rossj, que dá o nome ao vinhedo, que deu a primeira fruta em 84, há exatos trinta anos. Um branco balzaquiano.

 

Para quem não queria apresentar nada, nada como uma bela apresentação.

 

 


BelgianCoast IPA
[4 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

St Feuillen x Green Flash Belgian Coast IPA (Foto: Pedro Mello e Souza)

Quem me apresentou foi o Tom Lima, gerentão do Delirium Café. E acompanhou bem o hambúrguer da casa. Essa aí é uma joint venture entre a belga St. Feuillen e a californiana Green Flash, uma, cada vez mais venerável e, de todas as santas da região de Wallon, é a que mais se moderniza; a outra, cada vez mais badalada, é uma cervejaria radical de San Diego.

 

De ambas, um pequeno festival de aromas que combina a experiência de ambas, jogando o pobre (e rico, e feliz) consumidor em todos os mundos possíveis da nova onda das cervejas.

 

Na boca, temos amargor presente mas gentil, refrescante no corpo médio, de bela acidez. Os cítricos americanos estão presentes. A doçura da abadia também. Há damascos, os frescos e os secos, reflexos de frutas cristalizadas, há caramelos, há flores e há ervas. É uma cerveja completa, belíssima compra. Seria nota máxima, se o nariz não fosse um pouco tímido.

 

 


Hambúrguer? Qual deles?
[1 set 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Já aconteceu com pratos simples como as pizzas, com os mais refinados como o sushi, e com os mais elaborados, como as paellas e as bouillabaisses. Cada uma delas, em seu tempo, sem motivos aparentes além do senso de oportunidade, perderam as suas características e se transformaram em excrescências que enterraram as fórmulas originais em um passado hoje ridicularizado. Há pizzas de picanha, sushis com maracujá, cozidos com borrachas feitas de soja. A bola da vez é o hambúrguer – ou o cheeseburguer, já que há mais atenção ao queijo do que ao pão.


Nesse processo, aquele sanduíche gorducho, rápido, recompensador, com o qual um igualmente extinto milk shake formava-se uma festa particular em alguns minutos. Por outro lado, o marketing criou gigantes que exigem, hoje, uma anatomia mais completa do que dois pares de braços e cotovelo – e uma boca gulosa e alegremente gordurenta. Mas, façamos justiça, não são todos os monstros que surgiram que podem ser qualificados como excrescências. Apenas perderam o espírito original e ganharam um garfo de uma faca.


Cheeseburguer do Iraja, criação de Pedro Artagão para o Burguer Fest (Foto: Pedro Mello e Souza)

Um dos exemplos é esse aí, na foto. Pedro Artagão criou um sanduíche que exige uma cirurgia de maxilar para ser degustado à antiga. Foi espetacular, com direito à barriga de porco no lugar do bacon e com a guarnição de ingredientes originais de um hambúrguer americano.Mas é do tipo em que o comensal que tenta degustá-lo com a mão chegue em casa e entre no chuveiro de roupa, sapato inclusive.

 

Eu provei e fiz a foto já pensando nesse discurso para sugerir a criação de categorias para os hambúrgueres, já que a insegurança gastronômica do brasileiro não admite que ele pede para comer algo que não esteja nas posições primeiras de um ranking sobre o tema – querem sempre comer o melhor do mundo, embora o próprio mundo não saiba o que é isso. Fica a dica para que o próximo Burguer Fest faça algum sentido, entre eles o de fazer com que as criações existam – e subsistam, sem o tempero amargo do gimmick publicitário. Algo como fez o Boulud, com seu cheeseburuguer recheado com foie gras, antes atacado como estravagância, mas, hoje, um clássico.

 

Concluindo, sugiro três categorias diferentes, já que os pratos são bem distintos um do outro.

 

– aquele de balcão, que se come em pé, com duas mãos

– aquele de mesa, gourmet, de carnes e guarnições mais finas  e que pode-se comer com as mãos ou o com talher, ambos com o mesmo conforto. Vem nas versões “chique” e “ogro”.

– aquele imenso, que o garçon traz com o cuidado de quem tranfere um relicário em andor, de uma paróquia (a cozinha) para a outra (a mesa).

 

E sugerir pontos especiais para aqueles que mantiverem alguma integridade para o pedido para viagem. E tirar daqueles que acham que criativo é transformar algo tão simples em um cheese-tudo. Até ervilha tem.

 

 


O gado na nossa língua
[30 ago 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Ruby Devon na série especial do Pobre Juan (Foto: Pedro Mello e Souza)

O pessoal que gosta de comer e beber bem está evoluindo mesmo. Com os vinhos, por exemplo, a coisa passou rapidamente das duas pobres opções disponíveis, tinto e branco, para uma olhada bem mais atenta, mesmo pelo leigo, que, mesmo sem saber do que se trata, pergunta qual a uva daquele vinho que vinho que vai escolher. Isso tem acontecido em muitos casos, em ingredientes, principalmente; das carnes, especialmente.

 

Um dos que chegaram nesse nível é o Pobre Juan, que tem um programa interessante e inédito para quem quer ir fundo no mundo ddos cortes bovinos: as Séries Especiais. Não mostram cortes, pontos de preparo ou instrumentais diferentes. Em vez disso, mostram o que era, até agora, invisível (ou insensível) ao paladar do brasileiro: a raça do boi.

 

Frescura? Se fosse, não existiriam as cartas de vinhos, com diferenças de castas de uvas, suas regiões, seus climas, seus savoir-faires. Isso se aplica também ao boi. Se não fosse pela iniciativa do restaurante, que importa e cria, planejadamente, raças de gado que não existem aqui, o brasileiro, esse convencido que se julga carnívoro – e, pior, entendedor de churrascos -, jamais saberia a diferença de um zebu para um ruby devon, estrela da série em junho passado.

 

E continuaria pensando que aquele pobre boi de vaquejada teria o mesmo paladar de um shorthorn, que acabou de entrar de cartaz – e de sair também, já que é uma série curta, de poucas peças. Mas se perdeu, não há o que lamentar. Basta observar o calendário do restaurante e ficar de olho nos próximos episódios das séries, que chegam nos cortes mais intensos do momento.

 

Com eles, sente-se a diferença de um prime rib de ruby devon ou de shorthorn, ambas importadas da Escócia, com a mesma graça de quem curte a diferença entre um pinot e um cabernet. Muito erudito? Basta olhar uma peça de carne e a outra. A primeira, suculenta, intensa. A segunda, delicada, rosada como uma vitela. Não são diferenças gritantes mas são empolgantes para quem cava fundo na gastronomia – e vai prestar mais atenção quando alguém dizer que a picanha é argentina ou sul-africana.

 

É o boi falando em línguas. E o bom é que entendemos todas elas.

 

 


Dal Pizzol Ancellotta
[28 ago 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Dal Pizzol Ancellotta: uva do lambrusco no tinto brasileiro (Foto: Pedro Mello e Souza)

Alegre, brilhante, esfuziante (justifico o entusiasmo mais abaixo). Esse é o resultado do uso da ancellotta, uma uva que os italianos trouxeram no início do século 19 e, lá, usam para fazer o lambrusco. Mas o espumante de lá torna-se o tinto daqui, um dos varietais da Dal Pizzol. Bela qualidade, com uma cor linda e aromas de uma complexidade interessantérrima. E com uma estrutura que segura até um prato mais forte, como um assado de molho consistente. Ou um queijo difícil de harmonizar, como um camembert.

 

Mas há uma dica que não podia ser mais brasileira. Segundo o sommelier João Souza, o Joãozinho, de tão fresca e perfumada, é uma uva que pode ser servida com feijoada. Sobre as vaariedades da Serra Gaúcha, ele destaca os aromas frutados e as notas de vinhos evoluídos, como o café. “É uma das uvas em ascensão no Brasil, e uma boa candidata a nossa variedade emblemática”, explica.

 

(Justifico aqui o meu entusiasmo quase juvenil no primeiro parágrafo: em 2006, fiz para o jornal do Herrmann Byron, em Florianópolis, uma coluna sobre gastronomia. A primeira nota enraiveceu alguns produtores que não entenderam uma brincadeira, que era o prólogo de um elogio ao Lote 43, da Miolo. Começava dizendo que, na época, franceses e brasileiros tinham um acordo comercial tácito – os brasileiros não fariam vinho; e os franceses não fariam cocada. E inverteria, dizendo que o jogo virava ali – e, pelo post acima, continua virando aqui)