Não canso de destacar o quanto os grandes restaurantes em todo o mundo – o Brasil não é exceção – valorizam o ovo em seus cardápios. Se for um menu degustação, lá estará ele, quebrando os rituais de carne e peixe, brilhando com seus formatos colombianos e, acima de tudo, desafiando as intransigências dos vinhos e de seus conselheiros.
Um desses menus é o doLaguiole, em que Ricardo Lepeyre – trabalhei com o pai dele no Hippopotamus, ele, chef; eu, DJ – traz um formato 3D do ovo quente. A sugestão do espumante para acompanhar já é um clássico. Na hora, chegava um Villagio Grando Brut, espumante catarinense, para degustação. Bem adequado para o momento: leve, delicado e, acima de tudo, fresco.
Simples, elaborado e, confessa ele – caráter é ingrediente – uma sugestão de Alain Ducasse durante um dos estágios que fez na Europa: A clara batida em neve, levemente cozida como se fosse para os ovos nevados. E montada sobre a gema, preparada em sous-vide, com essência de trufas. É abrir, misturar, fotografar e postar com a hashtag #pornfood.
Para muitos, é o vinho rosé do momento. E romântico por vários motivos: é elegantíssimo na boca, harmoniza bem com pratos leves, como o salmão defumado; é produzido no lindíssimo Lago di Garda; e tem rosa até no nome. Mas por trás de todo esse arroubo romântico tem um trabalho sério de uma das poucas vinícolas focadas em vinho rosé. E que vinho. Já foi apontado como estrela de várias degustações em que encarou brancos e tintos medalhados.
Regina Valzelli é uma dessas lavradoras. Ela apresentou pessoalmente duas safras de diferentes formas da fineza, do frescor – e de uma elegância que dura toda a evolução da degustação, um dos pontos em comum entre os dois anos. Todas as uvas são tintas. Predomina a gropello, com toques de marzemino, barbera e sangiovese.Em cortes semelhantes, fala o clima e as condições.
No rótulo de 2012, há um lado tinto, mais macio, com mais robustez, de cor mais fechada como a de uma casca de cebola. No de 2013, o mais recente, uma cor mais clara, que remeta ao mais escocês dos salmões – salmão não é laranja; é rosa. Mais linhas em comum a ambos: o toque salino, uma boca gentil, sem agressividade, mas firmes e de grande personalidade. Na Winebrands, por R$ 99.
Um dos mais ricos lançamentos da temporada custa apenas 12 dólares. É o aplicativo Ducasse à la Cuisine para iPad e iPhone, uma coleção de receitas dos restaurantes do chef cercado por uma pequena enciclopédia em torno dos elementos usados, das panelas aos ingredientes, passando pelas equivalências de pesos e medidas. Além de estonteantes, a imagens dão ideias para a apresentação das receitas, que estão divididas em oito categorias, incluindo os frutos do mar, as vegetarianas, os bistrôs e, claro, as sobremesas.
No Fasano Al Mare, no Rio, chega o prato que o chef pediu que experimentássemos: o ravioli de siri. Veio na porção pequena, só para prova mesmo, amealhando aprovações para ganhar seu download no cardápio fixo da casa. Veio rico, em molho denso mas delicado, massa finíssima e em ponto perfeito. E um recheio com todo o volume do nome: farto e com sabor de siri – ressalto isso porque, na maioria dos casos, os recheios se perdem no molho ou na grosseria das massas. Por mim, entra.
Vinho e humor combinam em qualquer lugar. Mas têm um encontro especial no guia de bolso do crítico inglês Hugh Johnson, em que traz tiradas ótimas tanto na relação dos vinhos em si como nas listas de combinações com os pratos (ele não tem medo de sair dos vinhos e indicar do gim ao chá) e nos artigos especiais – nessa edição, exalta o pinot noir e traz uma relação interessante de equivalências entre regiões, um incentivo à pesquisa do tipo “gosta de Rhône? Tente Bairrada”. É livro de consulta, mas a leitura corrida é diversão garantida. A versão para iPad sai por menos de 30 reais. Nas livrarias, 80 reais.
A última palavra – ou seriam as três últimas? – sobre a fusão da cozinha francesa com a japonesa já está no ar. É o JG, restaurante que o chef Jean-Georges Vongerichten acaba de abrir em Tóquio. Em destaque, um meio termo entre as mesas postas e os longos balcões comunais, por onde circulam as delicadezas do menu kaiseki que ele desenvolveu, baseado nas atrações que encontra, diariamente, no mercado Tsukiji, o mais badalado do mundo para os frutos do mar.
No mais belo dos brindes, a conta perfeita de tão inexata: de 99, só falta um para one thousand. Gracias, chardonnay; merci viognier. Após essa pequena mas direcionada declaração, passo à observação: impressionante a elegância e o aveludado que a uva viognier confere aos vinhos, em qualquer hemisfério em que esteja, em qualquer corte que integre.
Um desses cortes é a combinação com o chardonnay, que, se for de qualidade, entra com a acidez e com a elegância. Corpo e aromas, os dois têm, como mostra esse vinho da região de La Mancha, área quentíssima da Espanha. Muitas regiãos usam esse corte do Chile ao Alentejo, da Áustria à Austrália, da Sicilia (Planeta) ao natural sul da França, quase sempre com a mesma graça e leveza do 99 Roses.
Há quem diga que os melhores parceiros para essa combinação são os mariscos, os atuns, os siris, as lagostas, as vieira e os peixes brancos grelhados de Oz Clarke, que também sugere comida indiana – e, segundo Hugh Johnson, os tajines e os risotos oleosos de nero de sépia. Aqui, caiu como um refresco, refrigerante mesmo, com o cheeseburguer clássico do Ritz, em São Paulo.
O que esperar do Antiquarius Grill, que acaba de inaugurar em São Paulo? Uma revisão da tradicional casa carioca, mas com novas linhas na arquitetura moderna, como se Antonio Perico tivesse transportado o conceito do restaurante da quietude familiar do Alentejo para a vibração cosmopolita de Lisboa. No cardápio, mais tradições – mas também os traços atualizados pelo arquiteto João Mansur, que já se tornaram clássicos na matriz, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.
O cliente da marca da casa, acostumado ao arroz de pato, ao bacalhau à lagareira, ao camarão à Zico e aos doces inebriantes não devem se preocupar: todos estarão lá. O que há de contemporâneo nos pratos vem dos cardápios de duas viagens que Perico fez recentemente a Portugal. De lá, trouxe novas formas de preparo e de apresentação do bacalhau, que chega com polvo e alcachofras, do porco, que chega na forma das plumas, dos peixes que chegam na forma dos “crus”, a versão lusa dos carpaccios.
Antiquarius Grill
Alameda Lorena 1070
São Paulo
Sim, senhor: vinho croata. Sem surpresas e cara alegre. Afinal, o mapa da Croácia está na passagem dos vinhos gregos na rota da Itália. E isso é uma história que está em qualquer copo. Além disso, a qualidade dos vinhos eslovenos, na vizinhança imediata, mostra a mesma passagem, mas em sentido contrário, na rota inversa da qualidade e da visibilidade dos rótulos da antiga Iugoslávia, de litorais deslumbrantes pelo mar e pelos vinhedos. E pelos dois juntos, como no caso da Korta Katarina.
O rótulo vem no original, sem pistas para uvas e outros detalhes, a não ser um misterioso “plavac mali”, que parece mais um feitiço de Hogwart. Mas temos cá nossos magos. Diego Arrebola, über sommelier, consultor da rede Pobre Juan, revelou os bastidores daquele vinho generoso, denso, poderoso, com as notas que só um amarone idoso, de alto nível, nos traria: a oxidação e concentração.
“É uma uva que dá cachos cheios, mas que nem sempre amadurecem ao mesmo tempo”, revela, Diego, sobre a plavac mali (sim, é a uva), relacionada à zinfandel e, portanto, à italiana primitivo. “Como todas as uvas têm de estar maduras, algumas vão além e transmitem essa sensação de uva passa na boca”, desvenda o consultor.
Patricia Kozmann me contou o seguinte:
O restaurante La Gallina é o núcleo gourmet do hotel L’Ostelliere Villa Sparina Resort, 4 estrelas, localizado em meio a um anfiteatro natural de bosques e vinhedos, no coração do Piemonte. A proprietária da propriedade, a família Moccagatta, restaurou a antiga casa colonial do século XVII e situa-se numa posição de vantagem sobre a colina de Monterotondo, Gavi.
O chef Massimo Mentasti, jovem e talentoso, propõe receitas a base de carnes especiais introduzindo também os usos da gastronomia do “baixo” Piemonte, respeitando e interpretando a tradição, mas utilizando as técnicas da cozinha contemporânea com ingredientes de alta qualidade.
Um dos seus pratos mais recomendados é o “agnolotti” e a “batuta de fassone “la granda” al coltello. Fassone é uma raça bovina autóctone do Piemonte. “Culinária a moda antiga e seus prazeres secretos.” Este e o lema do Chef Massimo e dos seus pratos, que ganham alguns toques do dono da casa, Stefano Moccagatta.
É um local simples concepção, respeitando sua estrutura original e arquitetura rural, com todo conforto e elegância de uma residência moderna. A atmosfera tem vínculos com seu território com um forte sentido de acolhimento e hospitalidade. A propriedade compreende 100 hectares, dos quais 70 cultivados com vinho da Gavi e Barbera. Dentre sua produção de vinhos, se destaca o branco Monterotondo, um cru obtido da uva branca cortese de Gavi, e o tinto Rivalta obtido de um pequeno vinhedo da uva tinta barbera.
(Patricia Kozmann é uma personal guide, que organiza tours enogastronômicos pela Itália baseada na sua seriíssima experiência profissional entre os melhores pratos e copos do eixo Brasil-Piemonte. Experiências, roteiros, grupos e condições estão no site www.kozmann.com.br)
É fruta do gênero “ame-a ou deixe-a”. Virou ícone da gastronomia nacional mais por patriotismo do que por aplicação, já que é imbatível quando fresca, na mão ou na caipirinha. Na panela, vale pelos molhos adocicados para o pato ou o foie gras. Na sobremesa, em sorvetes, como o do Vero, que testamos e registramos abaixo.
Na família da fruta, há parentes cúmplices da patriotada, como o jambo, a pitanga e a goiaba, mas, aparentemente, a jabuticaba é uma das poucas espécies comerciais que são originais e nativas do país. Mas nas nossas famílias, depoimentos insuspeitos, especialmente de quem passou a infância em Minas Geraes e experimentou a suculência – e indigestão – da fruta no próprio pé. Há mesmo quem diga que, em excesso, a jabuticaba causava até uma leve bebedeira.
Se a fruta é rica em sabor e histórias, seu verbete em Houaiss é pobre: em uma economia incompreensível para o gourmet que sempre proclamou ser, nosso filólogo jamais se decidiu pela etimologia, que estaria no tupi de Cunha (“yawoti’kawa”, fruto da jabuticabeira) ou o de Nascentes (“ïapotï’kaba”, frutas em botão). E mais não fala.
O Emater, mais extravagante, para não dizer lisérgico, atribui o nome a uma constante presença de jabutis na área de seu pomar. Mas, ao contrário das berries comuns, a jaboticaba brota não em cachos, mas diretamente do tronco e dos galhos, tornando o seu amadurecimento um espetáculo de fartura e beleza à parte, com as bagas, muito escuras, brilhantes e redondas, cobrindo o tronco como abelhas em uma colméia.
Porém, longe do pé, a frutinha perde rapidamente o seu encanto e já chega às feiras e mercados com aromas distantes, mórbido e com uma casca já sem o seu estaladiço característico. Italianos, australianos, israelenses e americanos – na Flórida e na Califórnia – já cultivam suas mudas de jaboticabas às quais tentam denominar ‘brazilian grape’ para driblar a pronúncia indígena – e, pior, a grafia, que nem os brasileiros sabe exatamente qual é.
São 20 quilômetros de Évora, a Comenda Grande tem um savoir faire que vem de 1880. Interromperam por um tempo e a terra viu crescer a cortiça, o olival, os rebanhos de ovelhas, da raça merina e do borrego alentejano. Voltaram em 2000 e começaram com uma área pequena: 30 hectares contra os 750 da propriedade. Os irmãos Nuno e Antônio Lopes, ao lado do enólogo Francisco Pimenta, fazem as honras.
Mostraram um sauvignon blanc, improvável para a região, um daqueles que gostamos dfe experimentar por não exibir aquele cocar de Carmem Miranda – sem maracujás e abacaxis, portanto. Em vez disso, há ervas, cítricos, elegância na acidez e untuosidade de um repouso “sur lie”. Diferente, por encomenda, como disseram, mas interessante e inesperado, um drible nos brasileiros, que experimentaram ainda um espumante de arinto, levíssimo, cítrico, bizarro.
Há uma orgulhosa cruz de malta cravada em cada rótulo: no verdelho seco, não o madeirense, do Pico, mas o da linha gouveio, com uma delicadeza que pede uma das sopas finas da região. Ou uma vitela. Mais cruz no antão vaz, que esabanja frutas como a lichia e o caqui. Untuoso e complexo.”Aqui temos a expressão de nossa vinícola”, orgulhou-se Francisco Pimenta ao apresentar o seu corte de alicante bouschet, com toques de trincadeira, aragonez, syrah, tinta caiada e cabernet sauvignon.
Não há espanto em tantas castas francesas no Alentejo. É uma rebeldia que trouxe recompensas, que deram uma expressão diferente no solo severo da região. É uma região em que nada é fácil. Briga-se com o excesso de pó e a falta de água, de um calor inclemente e de chuvas raras, que podem chegar tão inclementes quanto milagrosas. Nada isso facilita os cultivos, tanto o das uvas locais quanto aquelas trazidas – em ambos, os casos, permitem que o homem mostre a sua dose de contribuição. Esse é o valor que se alevanta mais no Alentejo.
Com os tintos, chegaram o alfrocheiro com uma gota de touriga nacional, próprio para aperitivos e saladas, para a companhia da boca fresca e do nariz florado. É o português se manifestando, ali ou no Seis Castas, em que o condimento do syrah e a nobreza do cabernet sauvignon encontram-se com a vibração de alfrocheiros e trincadeiras. É álcool forte (15%), cor fechada, carnudo, elegante no nariz, com uma complexidade que chega mesmo – ousadia minha – à de um porto. Bem seguro, por sinal.
Engraçado como os nomes de casas de carnes, steak houses e seus congêneres privilegiam mais o ingrediente, o fogo, o forno e a grelha – e menos o fundamento do preparo, o carvão. O chef Carlos Bertolazzi desfez a injustiça com a chegada do Carbone, um steak house de gravata frouxa, em que os rigores estão em carnes e equipamentos – mas que se tornam bem despojados no salão.
De volta ao carvão do Carbone, o elemento está mais próximo do grelhado dourado do que se imagina. O culpado, meritíssimo, é o josper, um meio termo entre uma panela de pressão em que as pedras de carvão vegetal cobrem o fundo, elevando as temperaturas de choque e de selagem das peças ao ideal entre o paladar defumado e a consistência suculenta.
Pessoalmente, tenho desprezo pela expressão rodízio, mas como os acompanhamentos chegam no momento imediato após o preparo – legumes, queijos, risotos -, o sistema da casa deixa pra trás o exaurido modelo das churrascarias industriais e segue o ritual de modernização e de rejuvenescimento da gastronomia de São Paulo.
É ver para crer. Para conhecer as últimas do chef, autor das fotos desse post, tungadas de seu perfil no Instagram, clique aqui.
Carbone
Cerro Corá 1556, Alto da Lapa
Tel.: +55 11 2935-0266
A boa localização do restaurante Sein, no centro de Zurique, é um dos elementos do sucesso de seu comandante, Martin Surbeck, Chef do Ano pelo Gault Millau e que já enverga a sua primeira estrela Michelin. Para a abertura, o raríssimo champanhe Mandois é sugestão na taça. Acompanhou três pratos tão intensos quanto diferentes: o atum marinado com algas; as vieiras com massa de ovos; a codorna com risoto de ervilhas. Todos estourando frescor na boca.
Antes do prato principal, um curioso amouse bouche: as ervilhas, novamente – era época – mas com a sua própria espuma do sifão, com hortelã e carne curada, naquele que, talvez, é um dos três melhores pratos da viagem. Um shot de complexidade. Em todos os pratos, uma gangorra de tradições crepitantes como a perna de cordeiro com aspargos – ou ousadias coloridas como em uma das sobremesas, a de sorvete de feno com base de chocolate e cobertura de salsa. Ponto para Martin. Estrelas para o Sein.
O design da Páscoa
Os artesãos por trás do lado contemporâneo dos ovos de Páscoa.
Foi-se o tempo em que a criançada aguardava ansiosamente pela caça aos ovos de Páscoa, que aconteciam entre os móveis de casa ou os recantos do jardim. E foi-se também o tempo em que essa criançada ainda tinha algo a ver com a doce atividade. Hoje, os ovos de chocolate podem ser encontrados em outro cenário: o das pranchetas de designers e de alguns dos mestres confeiteiros mais badalados do mundo. De Armani a Ducasse, a Páscoa passa hoje por um processo criativo que se ainda tem algo de lúdico, passou a ser referência em design – e em negócios no mercado do luxo.
Os grandes nomes das cozinhas nunca abdicaram das grandiosidade dos ovos de Páscoa, de seus belos desenhos, de seus chocolates finos e de seus recheios milionários. Mas o design contemporâneo deu novo traço à iguaria e voltaram à evidência. Com os catalães, naturalmente. A influência de Ferran Adrià – e de Mirò, e de Dali, e de Picasso – chegou a chocolatiers como Enric Rovira e Oriol Belaguer, que deram a formação e a deformação do surrealismo aos ovos de Páscoa. Hoje, suas criação são aguardadas com o mesmo suspense da nova linha da Lamborghini. Ou da mais recente coleção de um Armani.
Falamos em Armani? A própria marca faz parte dessa caça ao chocolate. Anualmente, as suas criações para a Páscoa, dentro da linha Dolci da grife italiana, são divulgados em janeiro e chegam às lojas flagship da marca já em meados de fevereiro – e ficam em exposição até maio. Em destaque, um pacote chique como se espera, o chocolate finérrimo e o acabamento com o objeto maior de desejo: um gigantesco monograma “A”, ícone da grife, que sacia qualquer paladar pelo luxo. E não adianta perguntar: eles não divulgam preço.
Mas a criatividade não se esgota na forma simples do ovo. A mudança de conceitos chega invocando artes, histórias, geografias e até lendas insolúveis. É o caso dos ovos que o confeiteiro parisiense Jacques Génin desenvolveu, invocando não a data, mas a Ilha de Páscoa. As peças, espetaculares, são baseadas nos moais, as estátuas gigantes, que olham para o infinito, gerando ansiedades existenciais na humanidade que só o chocolate pode sanar. Da arte, veio a peça “Ceci n’est pas um oeuf” (“Isso não é um ovo”), inspirado no surrealismo do pintor René Magritte, que todos os anos ganha uma versão diferente, desde que tornou-se sucesso com a série de vitrines da rede de lojas Jadis et Gourmande, em 2012.
Mas a culpa não é da verve inventiva dos chefs contemporâneos. Na realidade, todo fascínio pelos ovos de Páscoa tiveram a sua época áurea nos tempos dos czares, quando as Rússias se uniam para bancar o sorriso de Maria Fiodorovna, mulher de Nicolau III. No pivô de toda essa história fofa estava o talento de Pierre-Karl Fabergé, um russo de nome francês e origem dinamarquesa. Ele, que era ourives, fazia ovos de Páscoa preparados não com chocolate, mas com ingredientes ainda mais saborosos: ouro, prata, marfim, diamantes. O império caiu, mas Fabergé, não. E, hoje, tal como as peças da realeza, são objetos de arte dignos de destaques em museus como o Louvre.
Na realidade, Fabergé apenas cobriu com traços finos e metais pesados aquilo que já era uma tradição de milênios, a de decorar ovos de Páscoa, em um rito bem pagão de fertilidade, um dos raros que as patrulhas religiosas não conseguiram proibir. Do Egito ao norte da Europa, o ovo era símbolo do ressurgimento que aquela época, nos meses de abril, chegavam com as primeiras colheitas e, com o aquecimento, as galinhas voltavam a por ovos regularmente – no Hemisfério Norte, a Páscoa acontece na primavera. As cascas dos ovos eram pintadas com motivos decorativos, em exercício familiar em que todos participavam e, muitas vezes, o estilo dos desenhos funcionavam como uma assinatura de estilo.
Para quem tem apego pela tradição, nem tudo está perdido. O velho formato dos ovos de Páscoa ainda são os favoritos dos grandes chefs. Há Pierre Hermé, que derrama sua calda criativa em ovos que podem remeter à obra de Fabergé ou ganhar um belo acabamento em pois, em um estilo que lembra o de Yayoi Kusama. Há o olho mítico no centro da peça de Armand Demodel. Há o olhar para a natureza, da marca À La Mère de Famille, que se inspirou na forma recheada de um espinhoso baiacu. E há a visão sempre dinâmica de Alain Ducasse, com a beleza do seus ovos em forma de hemisférios em rotação, que mostram o vigor desse mercado, que, por muito tempo, ainda estará girando como antigamente.
Harmonias cariocas
Qual é, meu irmão, vai harmonizar?
Gosta de comida brasileira? Aprecia os quitutes cariocas? Então rasgue todas as cartilhas sobre as combinações ideais entre vinhos e pratos antes de escolher algum dos sabores mais emblemáticos da culinária do Rio de Janeiro. Afinal, qual seria a melhor harmonia para um aipim frito, um caldinho de feijão e um queijo coalho? As respostas estão nas mãos de oito sommeliers de restaurantes famosos na cidade, que trouxeram soluções fáceis para pratos que fariam uma gota de suor correr no rosto de qualquer profissional francês. Do frango com quiabo dos botecos do Centro ao camarão com chuchu importalizado por Roberta Sudbrack, eles atravessaram um oceano de sabores complexos, alguns não previstos nos manuais acadêmicos. Afinal, como confiar em qualquer compêndio que não cite a farofa, ignorada pelo Larousse Gastronomique?
Escolhemos profissionais jovens, que encararam o desafio com o humor untuoso de um escondidinho ou a vibração crocante de um pastel de queijo. E todas as respostas vieram com soluções para um dos temperos mais difíceis de superar entre os temperos locais: o calor do Rio de Janeiro. Entre as meninas, as sommelières, Cecília Aldaz, do Oro; Camila Soares, do Oui Oui, Gabriela Teixeira, do Bottega del Vino, e Eliane Oliveira, consultora carioquíssima da Sparkling Pointe Winery, de Nova York. As respostas vieram com a graça esperada. Foi o caso de Camila, que escolheu um vinho branco “que se desmancha na boca”, para combinar com o Biscoito Globo. Ou de Gabriela, que, bem como uma carioca, escolheu para o cozido um vinho que “chegue junto”.
Entre os garotos, os sommeliers, mais soluções adoráveis, como “o vinho que dê o prazer e a emoção do prato cremoso”, na combinação que Arruda, do Cipriani, deu ao escondidinho de carne seca. E a opção só por vinhos brasileiros, como nas ideias de João Pedro, do Alloro. Ou ainda a criatividade, como a de Edu, do Fasano al Mare, que deu à rabada com agrião a harmonia similar à que daria ao stinco, que serve na casa. Mesmo para pratos adotados pelos cariocas, como o bobó e o acarajé, as soluções estão à mão e ganharam soluções nacionais ou importadas, que permitem que o Rio de Janeiro vá além da água na boca e seja bom de vinho no copo.
Siga os links e descubra a solução dada por cada um para os pratos abaixo.
Cozido de grão
Acarajé
Bolinho de feijoada
Churrasco de costela
Camarão com chuchu
Queijo coalho
Biscoito Globo
Cuscuz de tapioca
Filé aperitivo
Moqueca
Casquinha de siri
Empada de palmito
Rabada com agrião
Filé à Oswaldo Aranha
Bolinho de bacalhau
Bobó de camarão
Frango com quiabo
Picadinho
Caldinho de feijão
Pastel de queijo
Aipim frito
Escondidinho de carne seca
Camarão ao alho e óleo
Lulas à dorê
Elaine de Oliveira
Sparkling Pointe Winery, Nova York
(da matéria Com que vinho eu vou?, publicada no Caderno ELA Gourmet, abril de 2014)
Churrasco de costela
Tinto com caráter
Costela é uma carne rica em gordura e sabor. Para harmonizar precisamos de um vinho de caráter, estruturado, que segure a personalidade do prato. Para isso, temos boas opções aqui no Brasil. O Don Abel Rota 324 (Zahil), da Serra Gaúcha, é um dos melhores cabernets sauvignons do Brasil. Mas podemos apelar também para um vinho bem diferente, igualmente estruturado: o Korta Katarina Plavac Mali (Decanter), de uma uva que ainda é pouco conhecida, mas que vai fazer sucesso em prevê, a plavac mali. Na Croácia também tem costela e, lá, esse vinho dá o maior samba.
Camarão com chuchu
Branco fresco
Duas sugestões para esse prato, que é leve, mas que costuma ter alguma condimentação. Nos dois casos, vinhos brancos frescos e com boa acidez. Podemos partir para um dos bons pinots blancs da Alsácia, como o Trimbach (Zahil) ou ficar com um dos savignons blancs da área de São Joaquim, em Santa Catarina. O da Villa Francioni (STP Wines) é um exemplo fácil de se achar.
Queijo coalho
Vinho rico e untuoso
Adoro queijo coalho e tenho duas ideias na cabeça, uma de vinho branco, outra de vinho de sobremesa. Quem conhece bem, sabe que é salgadinho e merece ou uma amêndoa ou um contraste do tipo goiabada com queijo. No primeiro caso, um vinhaço gaúcho, o Era dos Ventos (Confraria Carioca), da uva peverella, quase esquecida na Itália, mas que entrou no ritmo em Bento Gonçalves. É rico, untuoso e tem esse aroma de amêndoa e essa nota oxidada, que fica exótica com o coalho. Muita gente gosta desse queijo com mel. Por isso, vale a pena investir em um vinho de sobremesa que seja rico como o Bukkuram Passito di Pantelleria (Decanter), que completa o que vem no palito com muito mel, damascos e, mais uma vez, as amêndoas.
Uma das diversas e divertidas criações do designer e publicitário russo Michael Sholk, esse teclado em chocolate ainda não foi lançado, mas é uma idéia inspiradora para uma data como a de hoje, o Dia do Jornalista, que cai em pleno fim de semana de Páscoa. Os projetos do artista para uma extensa relação de clientes, em São Petesburgo, estão em seu site www.sholk.com
Logo vocês, que sabem de cor qual o santo do dia, como me deixam esquecer da especialidade do dia? São várias ao longo do ano para fazer companhia à farsa do nhoque do dia 29. Pois é, mesmo assim, deixamos escapar o último dia 20 e não saltitamos em torno do Jour du Macaron – em Londres e Nova York, o Macaroon Day. Para quem acusa os capitalistas selvagens por essas efemérides, entrego logo o judas: foi o pâtissier Pierre Hermé, que inventou a data, em 2012, ele que já tinha feito história com a iguaria e, agora, a coloca no calendário Elisabeth Arden.
Mas o que sabemos da história pregressa do macaron, enquanto olhamos esses exemplares da Carla Daudt como quem examina uma escultura? Pouco sabemos. Os historiadores concordam em alguns pontos: a origem italiana, com pedigree idêntico ao do marzipã. E o caminho à França pelas fórmulas dos emissários de uma Veneza (sempre) renascentista. Mas começam a discordar na denominação: Montagné fica com macarone, que significaria “massa fina”; Favre e Vitaux aplicam o óbvio macheroni, das massas secas.
Mas a explicação pode estar longe das fornadas italianas e mais próximo do vestuário francês, especialmente o que sai do armário dos militares, em que as insignias de distinção ou de patente eram – e são – conhecidas como… macarons! Eram botões ou pequenas rosetas, antes físicas, depois desenhadas nas lapelas ou nos brevês. Um deles, o do Guia Michelin, que não dava estrelas – dava ‘macarons’, hoje relegadas a julgamentos opacos.
Mas os franceses insistem na denominação. O Dicionnaire de L’Académie credita o mais antigo registro a Rabelais, no Quarto Livro, com o Pantagruel de 1552: “petite pâtisserie ronde aux amandes”. Outros autores franceses vão ainda mais longe e atribuem a um certo Irmão João, da abadia de Cormery, no Loire, a própria criação do docinho, no ano de 791 – mais de sete séculos antes dos italianos. Eram conhecidos como nombril de moîne, ou “umbigo de monge”.
Verdade ou não, o fato é que os franceses disseminaram fama e receita, com disputas pelos melhores nas mais diferentes regiões: Melun (a mesma do Brie, próxima a Paris), Douai (extremo norte, na Picardie). E Commery, claro. Mas eram brancos, simples, de massa de amêndoas com claras batidas e açúcar. As de Nancy, na Lorena, as carmelitas seguiam os ditos da madre Teresa de Ávila, que dizia “as amêndoas são adequadas a moças que não comem carne”.
A exceção era a de Niort, que preparava seus macarons com aroma de angélica, abrindo as portas para o fenômeno do início do século 20: misturas com baunilhas, canelas, chocolates, que fizeram a fama da Ladurée desde a fundação da maison, em 1871. A partir dos anos 80, vieram as versões coloridas, com as frutas vermelhas e pretas dando brilhos rosados, rubros, arroxeados ao preparado, inclusive aos do gordinho Hermé, que preparou, nesse ano, uma fornada de sabores para excitar qualquer foodie: raiz de lótus, jujuba, água de rosas, longan e crisântemos. Tinha que badalar, claro…