Remexendo o passado, encontrei um texto que fiz para um vinho chileno, jamais me lembrarei qual. Abri com as impressões de Neruda: “Vino color de día, vino color de noche, vino con pies de púrpura o sangre de topacio, vino, estrellado hijo de la tierra, vino, liso como una espada de oro, suave como un desordenado terciopelo”, abertura de sua Oda al Vino, último dos poemas do livro Odas Elementales. As pessoas se embevecem – Ah, o Neruda, sei… Mas, pior, não se dão conta de que os versos são de antes de 1954, data da publicação. Será que ele realmente se referia aos vinhos do país?
Afinal, como era o vinho chileno nos anos 50? Essa pequena dose do Neruda, que o Chile considera seu maior poeta, nos traz um pouco da vocação que este país tem para o vinho. São quatro séculos de relação com a bebida, que transformaram o Chile em referência em varietais que encontraram o caminho de evoluções específicas, diferentes daquelas da matriz francesa. Entre os produtores o foco de atenção a nomes como os Rothschild e o seu território naquilo que o Oxford Companion to Wine classifica como “a Bordeaux do hemisfério sul”.
E, tal como em Bordeaux, há identidades próprias.E se cantaram por toda a parte é porque a tanto lhes ajudaram o engenho e arte. E arte não falta a uma joint-venture em que estejam presentes as tradições e o savoir-faire dos barões Rothschild, que montaram uma das maiores lendas do Novo Mundo desde o Julgamento de Paris: a Almaviva, em parceria com a Concha y Toro.
Todas as merecidas pompas e circunstâncias, bem conhecidas no Brasil, ganharam, em São Paulo e no Rio de Janeiro, uma degustação histórica: uma vertical com seis safras emblemáticas, que mostraram colheitas distintas e a progressiva transferência da cultura para o mundo orgânico. Em comum a todos eles, a elegância, a estrutura e, especialmente, a acidez soberba e os taninos vibrantes, um dos fatores da longevidade, inclusive nas safras de 1998 e 2001.
Ou nas mais novas, como as safras de 2005, 2007 e 2009, as mais novas da degustação, que já chegam ao mercado medalhadas por notas 95, 93 e 96, respectivamente, segundo Wine Spectator, que seguiu as pontuações de Robert Parker, o crítico que se tornou vetor de bons investimentos para o mercado futuro dos bons copos. Estes, inclusive.
Que lo beban,
que recuerden en cada
gota de oro
o copa de topacio
o cuchara de púrpura
que trabajó el otoño
hasta llenar de vino las vasijas
y aprenda el hombre oscuro,
en el ceremonial de su negocio,
a recordar la tierra y sus deberes,
a propagar el cántico del fruto.
Mais Neruda para nos mostrar as diferentes nuances que os vinhos chilenos atingem e que despertam curiosidade cada vez maior entre europeus e, principalmente, os americanos, cada vez mais de olho naquela elegante faixa de terra – . Em maio, a revista Wine Spectator divulgou uma lista de notas e cotações de 300 rótulos chilenos nos Estados Unidos. Em sua maioria, varietais (de uma só uva) de tintos como cabernet sauvignon, merlot, pinot noir, syrah e carmenère, que alguns autores adjetivam como “a dádiva do Chile”; ou brancos, como o chardonnay, sauvignon blanc, viognier e gewürztraminer”.
Todos os dias, na hora em que começa o tema de abertura do programa Estúdio i, da Globonews, o espectador pode apostar: por trás do sorriso imenso da jornalista Maria Beltrão há uma memória tão profunda quanto saborosa de uma vida em que o paladar esteve presente de todas as formas: simples ou rebuscadas; na cozinha de casa ou na mesa de um restaurante medalhado. Ela nasceu nesse meio de recordações afetivas de um bom apetite, mesmo com o gosto simples mas culto do pai, o ex-ministro Hélio Beltrão, e da mãe, Maria, uma das maiores antropólogas do Brasil.
E da vanguarda da irmã, a restauratrice Cristiana Beltrão, dona dos restaurantes Bazzar. Mas Maria cozinha desde a infância e, até algum tempo, preparava pratos para os amigos. E viaja pelo mundo sempre com um objetivo na agenda: conhecer, explorar, sentir o paladar. O resultado se transforma em outra viagem, a das memórias, muitas, que tentamos resumir no que seria uma entrevista. Mas o repórter não precisou fazer nenhuma pergunta. Veio tudo em um bate-papo temperado pela emoção que colocou em cada episódio.
O INÍCIO
Minha incursão na cozinha aconteceu bem cedo. Com 8 anos, adorava fazer bolo de banana, bolo de maçã com fatia em cima. Aos 15 anos, fiz a ceste inteira de Natal pra homenagear o meu pai, preparando um peru com a farofa dos miúdos. Fiquei nervosa. Queria fazer aquela homenagem e, mesmo com aquela função toda, não aceitei nenhuma interferência. Até entrar na TV Globo, cozinhava todos os fins de semana para os amigos. Tenho marcas na memória e na pele, que grudou uma vez naquela penela enorme de preparar paella. Mas fazia muitos doces, principalmente aqueles que estavam em um livro que só quem é da minha época vai lembrar: o Livro de Receitas da Vovó Donalda. Recentemente, comprei o da Emília para a minha filha Ana.
O CAFÉ DA MANHÃ
Acordo querendo penne. Não tem essa de café da manhã tradicional, a exemplo do meu tio, que tem quase 90 anos, e adora um breakfast que é um verdadeiro almoço. Vacilou uma vez em um vôo da Japan Airlines – tinha polvo, e tentáculo no café da manhã é meio forte demais. Mas essa generosidade matinal acabou cobrando um certo tributo. Foi com um daqueles cafés da manhã de Londres, que tem de um tudo. Comi tão bem no dia do teste de proeficiência de Cambridge que dei uma travada durante o exame.
MEMÓRIA NO PALADAR
A memória afetiva é a grande companheira do paladar. Meu pai tinha coleção de latinhas de ostras. Recentemente, comprei 15 delas em um ataque saudosista que acabou contaminando a mãe, a antropóloga Maria, que levou seis delas consigo. Outra memória é a dos pães com azeite, que lembram meu avô, e com tomate, que meu pai amava. E eu sou louca por azeite. Mas lembro também do tempo em que morei em Paris e ia a uma loja de queijos, uma fromagerie na île St.-Louis e adorava quando eu pedia um camembert e o dono perguntava tudo, com quem ia comer, com o que vinho ia acompanhar. Não era curiosidade – era carinho. Voltei lá há algum tempo e chorei. Ele estava lá, mas não se se me reconheceu. Acho que não. Por último, um presente do meu marido, Luciano Saldanha: uma garrafa de champanhe Pétrus da minha idade, que ele encontrou na adega de casa.
AS AVENTURAS
Na aventura gastronômica, vou no vôo cego com a minha irmã (a empresária Cristiana Beltrão), que me leva pela mão ou me recomenda, como foi no caso com o Avillez, em Lisboa. Foi maravilhoso, porque ele quebrou um pouco a minha implicância com os moleculares – mas foi ele que aproximou o meu paladar da técnica. Mas estou sempre super disposta e me divirto em qualquer restaurante, mesmo não curtindo tanto, como no caso do Celler de Can Roca. Mas gosto também de perseguir tradições, como a de ir a Viena para encontrar a origem do que chamamos de bife à milanesa – o wiener schnietzel. Inesquecível, simples, com uma salada de batatas e óleo de semente de abóbora.
A RELAÇÃO COM OS RESTAURANTES
“Mãe, seus netos estão com fome” – essa é a isca para fazer acontecer de tudo, em qualquer lugar do mundo, não importa qual seja, se a minha mãe estiver do lado. A autoridade dela é tamanha que as coisas se materializam na nossa frente. Sou ela cada vez mais, inclusive nesse aspecto. Outra questão é a ansiedade diante da escolha do restaurante e até do cardápio, que eu ficava sem paciência de ler. Nesses casos, a fórmula é “Cris, onde eu vou?”
PREFERIDOS
A coquille St. Jacques de um restaurante de Paris, que o chef preparava com azeite e com um micro alho, picado muito fino. Chegava antes da casa abrir e o patron ficava bufando de ódio. Teve um dia que ele ficou com tanta raiva que nem cobrou a conta.
O PÃO COM TOMATE
Está pensando que fácil fazer um pão com tomate. Nada disso. Teve um especialista que me explicou a lógica de testarmos todos os ingredientes até ficar no ponto perfeito, não só do pão e do tomate, mas também do alho e do pimentão. Devo ter feito mais de um milhão deles até acertar o tempo de tostar o pão até que a superfície dele fique abrasivo o suficiente para que a gente “rale” cada um dos itens, em ordem específica.
Continua difícil pra turma do design conseguir um desenho de espremedor de alho que não siga o mesmo princípio criado por Leonardo da Vinci, na época em que foi mestre de cozinha de Ludovico Sforza, governador de Milão. Mas o desenho, faça-se justiça, melhorou, como nesse caso, sugerido pela grife dinamarquesa Eva Solo.
Além da elegância do traço, que lembra um bico de pena, o redesenho da trama, que reduz o desperdício do alho e proporciona uma limpeza bem mais simples do que aquele lixo de metal fundido ao qual estamos acostumados. Vale o teste para sabermos se vale o preço: 100 dólares.
Monumento no paladar, o foie gras ganha nova dimensão, a literária, graças a uma autêntica bíblia sobre o tema, o livrão “Foie Gras”, que o chef e escritor francês André Bonnaure acaba de relançar, inclusive com uma versão em espanhol, que facilita a vida de muito chef brasileiro que ainda não fala inglês.
Ao longo de 350 páginas, incluindo uma coleção de fotos soberbas, ele consolida a história da iguaria, dá ideias criativas para o uso do ingrediente e desmistifica lendas criadas pelos detratores do paladar. A chancela do livro vem no prefácio, assinado por Andoni Luiz Anduriz, chef do restaurante basco Mugaritz, um mestre no tema.
Dois italianos, dois franceses, dois americanos. Este é o saldo da entrevista de Daniel Boulud ao jornal londrino The Telegraph, na semana passada, em que fala sobre os seus restaurantes favoritos no mundo inteiro. Foi diplomático e deu a resposta mais aguardada para a sua terra: Maison Troisgros. Outro francês, mais novinho, Les Près d’Eugénie, de Michel Guérard, top do Michelin como a outra escolha.
Aliás todas são estrelados na lista, inclusive os dois italianos escolhidos, o Dal Pescatore, entre Cremona e Mantua, e o Osteria Francescana, em Modena, do uber badalado Massimo Bottura. No mais, os americanos. Primeiro, o Alinea, das acrobacias de Grant Achatz, que recolocou Chicago no cenário gourmet. Depois, uma escolha que pode parecer surpresa par nós, mas não para os americanos: o Blackberry Farm, um hotel-fazendo do Tennessee, escolhido como o melhor “Small Hotel” pelos jurados do Zagat.
Yam kung mamuang . Ou ยำกุ้ งมะม่วง, no original, para essa versão de uma salada que traz um dos raros momentos de paz entre frutas e frutos. Os do mar. Aqui, a versão da salada tailandesa é refrescante, levemente picante e pouquíssimo calórica, com camarões cozidos e manga, que pode ser readaptada conforme o gosto de quem prepara ou a quem se destina – o nem hortelã nem coentro são unanimidades, mas sem eles, essa criação do chef David Zisman para o cardápio do restaurante Nam Thai, no Leblon, perde muito.
Receita para duas pessoas
200 gramas de camarões
1 manga madura, porem firme, cortada em cubos
folhas de hortelã
folhas de coentro.
Tempero tailandês
1 pimenta dedo de moça sem sementes cortada em rodelas
1 alho picado
3 colheres de sopa de molho de peixe tailandês
3 colheres de sopa de suco de limão
1 colher de sopa de açúcar ou um pouco mais se necessário
(moer a pimenta e o alho em um pilão e acrescentar os outros ingredientes)
Modo de preparo
Cozer os camarões até ficarem rosados.
Esfriar em água.
Montar a salada colocando os camarões, a manga cortada, hortelã e coentro a gosto
Temperar com o molho tailandês.
Decorar com folhas de hortelã
Não é moda nenhuma. É o sinônimo abestalhado de um cogumelo que já circula por aí há muito tempo, o cardoncello, muito melhor do que qualquer shitake. O nome, tiraram do latim eryngii, do nome científico. Na Europa, é o mais importante cogumelo do gênero Pleurotte e, nos Estados Unidos, vem se consagrando em pratos como esse da foto, do restaurante A Voce, sob a denominação ‘royal trumpet’.
O cardoncello – ou eryngi, se formos no original, ganha esse nome por brotar em tufos das bases, raízes expostas e ramos caídos de cardos. No sul da Itália, é celebrado em outubro com a Sagra del Fungo Cardoncello, que acontece na Puglia, o calcanhar do mapa da Itália. Mas é usado em todo o sul, seja em massas e gratinados ou grelhados e servido al pomodoro, em tratamento que a sua textura permite, já que as peças maiores são macias como uma carne.
Um barato, essa picapoll, uva branca catalã. É quase uma exclusividade da região e denominação Pla de Bages, a alguns minutos de Barcelona, rumo norte. O enologo da Abadal, Juan Ramón Mañé fez as honras. Ele comanda a vinícola Abadal, uma das poucas inscritas nessa denominação, de pouco mais de 600 hectares, o equivalente para cobrir os Jardins, em São Paulo, ou a Zona Sul do Rio de Janeiro.
Ao apresentar os seus dois brancos, ambos varietais da uva, ele se antecipa com a informação de alta erudição, que a crítica Jancis Robinson também acentua com gravidade: não confundir picapoll com a francesa picpoule. É erudito mas também relevante – com a explicação, começam a desvendar-se os segredos dois rótulos, ambos adoráveis: o grão é menor e mais concentrado do que a francesa.
Mesmo assim, Juan trabalha com extração para revelar a complexidade da uva, que colhe em duas vindimas, ambas em setembro, com duas semanas entre cada uma. No rótulo Abadal Picapoll, há uma exposição de três meses sur lie. No outro rótulo, o Nuat, o contato com os resídulos é de dez meses. No primeiro, flores, alguma fruta branca cozida e uma acidez soberba de vinho seco, claro e mineral.
No Nuat, bem mais elegante, em garrafa do tipo borgonha, um traço raro, mas que os espanhóis conhecem bem: a salinidade, dentro de um leque de minerais e elementos, como o iodo, de animar qualquer cientista mirim. Com esses dados, que lembram a água de um mexilhão, aparecem cítricos e, mais adiante, uma bela evolução para o mel. E, tal como o primeiro, a estrutura de acidez e muita persistência, mesmo com pouco álcool e baixo açúcar.
Pequena e orgulhosa, segue a Abadal de vinhos brancos honestos e íntegros – ou, em catalão, “nuat” – como uma das surpresas da estação. Vale a pressa, a Decanter traz os poucos lotes reservados para o Brasil – do Nuat, há apenas 6 mil garrafas para todo o mundo. Para a guarnição, a dica no próprio evento de apresentação: ambos sustentaram a gordura das linguiças do tipo fuet e as pimentas das papas bravas, excelentes, da lavra do Venga, quase amargadas pelo já habitual mau-humor do serviço da casa.
O melhor da gastronomia coreana vem da Ilha de Jeju. Venerado como uma entidade, o monte Hallasan, um vulcão adormecido e nomeado Patrimônio Mundial pela Unesco, é o responsável por isso. O solo que proporcionou tornou a região, ao largo da costa sul do país é um santuário da gastronomia, com aluviões e camadas de solos férteis para uma agricultura tradicional e rebanhos de raças originais de suínos cobiçadíssimos, de orlas ricas em frutos do mar.
Um dos tesouros da área vem de baixo de toda essa terra – a água mineral. Agora, ela chega ao mercado com a marca Hallasu, homenageando o monumento: na base da garrafa elegante, de forma reta, sem as curvas tradicionais, está o formato do monte, com direito à sua chaminé. No rótulo, o ideograma chinês “su”, o sufixo da grife e o seu significado: água pura.
Durante uma degustação na Herdade do Esporão, surge a questão: o que a industria dos cosméticos não perde ao dispensar uma boa degustação de vinhos… A brincadeira serve para apontar, sem trocadilho, um dos itens de análise e até de avaliação de vinhos tintos. é a unha do vinho, nome suspeito e mal escolhido para a coroa mais límpida do líquido no copo.
É uma forma feminina mas insuspeita de se avaliar o estágio de um vinho. Mas é para dar uma olhada rápida, para entender, pela cor mais ou menos vermelha, mais ou menos violeta, mais ou menos âmbar, a quantas anda a maturidade do que se tem ali em relação à safra que está no rótulo.
Mas tem gente que fica olhado para aquela parabólica por horas, em transe, discorrendo sobre obviedades para um dos dois tipos de públicos possíveis para aquela companhia: os que estão carecas de saber o que ele está dizendo – e os que não estão minimamente interessados.
Por acaso, na foto que fiz e que posto por pura galhofa pelo próprio formato da unha, fala um pouco sobre o vinho, já que as nuances de um vinho em evolução, querendo ganhar aquele belo tom de pôr do sol. Mas luz e fundo branco influenciam e, se não forem adequados, a leitura tem o mesmo valor da sentença de uma cigana de unhas mal feitas.
Adoráveis os rótulos das garrafas de vinhos do porto da Kopke. Ainda conservam aquela antiga aplicação em silk screen. Só se vê lá e em madeiras mais tradicionais. O importante é que estão chegando ao Brasil com essa sua assinatura secular – e abriram a mesa na apresentação oficial de sua importadora, a WineMundi, de Hélio Barros, advogado e freqüentador febril do Vale do Douro. Mais do que apresentação, o brinde após seis meses de dificuldades.
Nosso Kopke chegou em dois formatos, não por coincidência a dupla considerada pelo crítico Hugh Johnson como uma das estrelas da casa. A primeira delas, o rosé, apresentado, bem a propósito, pela diretora da importadora, Paula Brazuna. Não tem o silk, nem o formato original da garrafa, que, modernizada, lembra o de uma colônia. Mas mostrou a sua faceta original: a de aperitivo, simples, com gelo, bem apropriado para as gentilezas da mesa, como o atum e o tamboril das entradinhas do Satyricon.
No fim da refeição, depois da apresentação de outros rótulos da importadora – Casa Amerela, Quinta do Regueiro, Martin Cendoya -, veio o Kopke Tawny 10 Anos. Cor de um âmbar encantador e seu nariz de damascos e amêndoas, boca de figos e fumeiros. Ao todo, são 11 tipos de porto, incluindo os vintages de 1984 e o de 2003 e o Tawny 40 anos, além de diferentes embalagens. “Isso é só o início”, diz Hélio, que vem promovendo degustações da marca há quase dois anos. Isso, aqui. imagina na Kopke…
É o rastro da história que sempre fazem questão (explicável) de contar: a Kopke é a mais antiga das casas do Porto em operação. E com curiosa origam alemã: Christiano e Nicolau Kopke, pai e filho, com interesses na Liga Hanseática e operação em regime de siciplina seguida depois poir outros donos, da Barros & Almeida até a atual, a Sogevinus, responsável também por outros rótulos fundamentais da região, como Cálem e Burmester
Francês respeita poucas cozinhas. Uma olhada em compêndios como o Larousse Gastronomique, totalmente centrado no próprio umbigo de uma das nossas nações gastronômicas favoritas, mostra o que quero dizer. Só pensam neles, só falam neles. Por isso, causa um certo espanto quando eles se dedicam tanto a uma culinária estrangeira, especialmente a de uma ex-colônia. É o caso do norte da África, na faixa que vai da Tunísia ao Marrocos. onde brilha o couscous como um dos emblemas da culinária caseira.
A expressão é uma corruptela (gostaram do corruptela?) do original keskes (كسكس) ou al-kuskus (الكُسْكُس), que pode significar “bem enrolado” ou ainda transcrever o ruído da iguaria a rodas nas peneiras, em uma das fases de sua produção. É uma palavra vencedora, que rompeu a fronteira dos dialetos para ganhar o mundo, assim como o ananás é o ícone do mundo dominado pelo tupi-guarani – que, aliás, adotou o próprio cuscuz para designar algo tão delicioso quanto distante do original.
Mas junto com a fama, vêm as responsabilidades. Cada um que comeu um couscous diferente proclama o seu paladar como o original. Já experimentei vários e me declaro, nessa matéria, um expatriado. Ou um erudito da dúvida: quanto mais estudo, menos eu sei sobre essa semolina granulada, que serve como guarnição para pratos salgados ou doces, que pode ser preparada como mingau ou simplesmente cozida, para acompanhar grãos, legumes, carnes ou mesmo um profano merghez, linguicinha que, facilmente, coloca-se entre as melhores do mundo pela luz irresistível do cominho.
Há quem diga que o segredo está no caldo do preparo. Outros, na riqueza dos legumes ou das carnes; outros, ainda, pela simples exigência da couscoussière, uma panela de barro em forma de chaminé.Aqui, o couscous autêntico costuma vir pronto. E pra essa receita abaixo, é a melhor – a forma artesanal dá um trabalho insano. É como massa italiana, que, em pacote, não é pecado. Menos ainda nesta versão vegetariana, em cartaz no Zazá Bistrô, com a intensidade que se encontra em Paris (os italianos vão ficar chateados, mas isso é outra história).
Couscous Marroquino
Receita para duas porções
Zazá Piereck
Ingredientes para quatro pessoas
300 gramas de coucous
300 ml de agua
uma colher de sopa de curry
sal a gosto
60g abobrinhas em cubos
60g cenouras em cubos
100g de brócolis em floretes
60g de vagem manteiga
um fundo de mão de manga e abacaxi picados
e outro de passas
Uma colher de sopa de alho
Uma colher de sopa de cebola
Duas colheres de sopa de manteiga
160g de tomate em cubinhos
algumas castanhas de caju quebradas
folhas de manjericão a gosto
Modo de preparo:
Ferver a agua com o curry e o sal.
Adicionar essa água ao couscous em uma tigela
Tampar esperar ate o couscous hidratar.
Misturar para soltar os grãos
Refegar a cebola e o alho em na manteiga por um minuto
Adicionar os legumes e o coucocus
Adicionar as frutas, as passas e as castanhas
Acertar o sal e servir quente com folhas de hortelã e manjericão para decoração .
Esse é um rótulo que não está no Brasil. Não está na lista de produtores da paulistana Vinhos da Áustria, especializada nos vinhos do país. Mas integra a lista curta de produtores da uva grüner veltliner, uma exclusividade daquele país, de nuances diferentes nas flores, nas frutas, nos minerais, na estrutura. É uma uva branca, própria para o frio.
Por tudo isso, foi o único do gênero a integrar a carta de vinhos de um dos restaurantes mais surpreendentes de Zurique, o Lindenhofkeller. Hohereck Gruner Veltliner Smaragd tem uma maçã agradável na boca e uma untuosidade, sem peso, que combinou perfeitamente com a especialidade da casa, a vitela.
Tem despedida com cara de adeus, outras com pinta de até breve. A de Luiz Horta, que deixa o caderno Paladar, do Estadão, me soou com cara de olá, já que as suas impressões deixam apenas de ser semanais e, em seu site, que entra no ar nas próximas horas, tornam-se diárias – ou, melhor ainda, horárias.
Na internet, a página do blog era luizhorta.wordpress.com
Mas será glupt.com.br
No Facebook, a página do Glupt! é www.facebook.com/gluptvinhos
Adorável ícone do herbarium mediterrâneo, é uma planta com histórico próximo a divindades (Vishnu, na Índia) e realezas, como no mandarim ‘luo lo’ (羅勒 – cacho real) ou como no latim, ‘erba regia’ do tempo dos romanos, exclusiva de políticos e dignatários por ser, na época, tão rara. Entre os egípcios, torna-se um desafio para o trio “ouro, incenso e mirra”, dos cristãos, já que os corpos eram embalsamados com incenso, mirra e… manjericão.
Hoje, com seu paladar refrescante e sua cor de um verde profundo é o fundamento dos pestos napolitanos e uma das bases da salada caprese e das pizzas do tipo ‘margherita’ – curiosamente, um dos compêndios modernos da culinária italiana, a Grande Enciclopedia della Gastronomia, sequer cita esta última especialidade, apesar da consagração mundial da fórmula.
Há quem garanta sentir a erva em licores como o ‘Chartreuse’, o que é natural, já que é plantado nos jardins de monastérios desde o século 12. No Ménagier de Paris, de 1393, era grafado como “bazeillecoq” e já registrava exemplares de folhas grandes como uma mão, das variedades ‘napoletana’ e ‘mammouth’, próprias para o pesto.
São sempre preferidas a outras folhas do mesmo gênero Ocimum, como a alfavaca e a manjerona, origem da expressão em português, que, ninguém sabe o porquê, é a única língua latina que não segue a etimologia mediterrânea. Pelo menos nesse caso, ninguém aqui fala grego.
Receita de drinque com morangos e manjericão
Receita de pargo do Fasano, com recheio de manjericão e tomate fresco.
Receita de bacalhau do Gero, com manjericão crocante
Receita de salada caprese, do Quadrucci, no Leblon
Meza Bar, Botafogo, Rio de Janeiro
4 ou 5 morangos
15 folhas de manjericão
1 colher de chá de açúcar
40ml de rum
30ml de club soda
Em um copo longo, adicionar o morango, o açúcar e o manjericão
Deixar macerar por alguns minutos.
Adicionar gelo quebrado e adicionar o rum
Mexer bem e finalizar com o club soda.
Recentemente, uma série de proibições do governo assombraram o crescimento de uma das mais adoráveis tendências do paladar contemporâneo nacional: o das cervejas artesanais. Entre as medidas, que impedem até de dar de graça, de presente, está a proibição de rotular cervejas feitas em casa, a não ser que atendam a uma série de parâmetros inexequíveis. São exigências de produção e maquinário que, a rigor, impedem que o Brasil desenvolva talentos que, de alguma forma, eram vistas como ameaça – não à saúde de alguém, mas à coleta de impostos. Em última análise, querem dinheiro.
É uma pena. Estávamos aprendendo a fazer uma bebida que temos no nosso sangue cultural há coisa de um século e meio. É como proibir que alguém dê título a um samba que compõe, a não ser que esteja sob contrato com alguma gravadora. É também um desafio à inteligência deixar de imaginar quantas microcervejarias, contribuintes de impostos, surgiriam das iniciativas, da mesma forma que milhares de grupos de sucesso surgiram de um simples samba composto na mesa da cozinha.
Quem gosta, faz direito, primeiro para os amigos, depois, como negócio, sempre legalizado. “Isso prejudica quem paga imposto”, alegam as autoridades. É matéria complexa – esbarra no que é legal mas transcende a decência. Mas vou me lembrar do argumento na próxima vez que uma funcionária daqui, evangélica, disser o quanto preparou de suco, do próprio bolso, para a festa beneficente da sua Igreja.
Se isso vai se reverter, não sabemos ainda. Enquanto isso, continuaremos sem degustar cervejas notáveis. Uma delas, produzidas por uma dupla de conhecidos em uma simples cozinha de apartamento, em um velho prédio no coração do Leblon. Notável, espetacular. E extinta. E continuaremos também a assistir, de longe, claro, a um show de criatividade dos países democráticos, especialmente os americanos, que já criam, com grande graça, até os acessórios de quem produz em casa.
Entre eles, os rótulos desse site, o GarageMonk.com, de design simples e criativo, bolado para quem faz a sua cervejinha caseira e quer dividí-la com os amigos com algo melhor do que uma etiqueta enrugada. Em vez disso, uma coleção de adesivos em vinil, à prova de águas geladas em cores vibrantes e formatos que vão dos clássicos aos pós-modernos. Tudo no cartão de crédito, com todos os impostos pagos e que jamais seriam arrecadados se coibissem as cervejas feitas em casa. São inteligentes e, por isso, contribuem mais, tanto com o Tesouro quanto com o paladar.
Foram anos de conformismo diante do dogma: vinho não combina com cozinha oriental. Com japonesa, menos ainda. Mas cabeça de brasileiro é assim, dura como barrica americana de segundo uso, quando se apega a uma dessas máximas, que, como mostraremos, não devemos dar a mínima. O mercado dessas casas orientais no Rio viu algumas tentativas, todas tímidas e rapidamente caladas.
Os primeiros casos consistentes vieram com a cartilha do crítico Hugh Johnson, que o consultor Alex Lalas seguiu, em primeira mão, para o Sawasdee, com uma coleção de vinhos brancos que alternavam a acidez de um alvarinho com a estrutura de um riesling, para dar ao cliente o prazer de tomar um bom vinho e não pagar caro por algo que seria arruinado pela condimentação exótica.
A segunda veio agora, com a carta nova do Sushi Leblon. Uma bateria de 25 rótulos de vinhos brancos, incluindo seis espumantes – um tiro de alto calibre, com escolhas que, como no caso anterior, variam entre a acidez fina e a estrutura elegante, dentro do critério do consultor Paulo Nicolay, com carta branca da dona da casa e da adega, Ana Carolina Gayoso.
Ela bancou a aposta em uma diversidade que nos leva das Côtes de Gascogne até dois destinos da moda, a Ilha de Santorini e a Sardenha, passando por áreas de vinhos esquisitos (no sentido ex-quisitum, fora de série) como o esloveno Marjan Simcic rebula 2010 e o friulano Gravner Ribolla Gialla Anfora.
Frescor faz bem ao sushi. Com esse perfil, pode-se pedir as entradinhas com borbulhas, uma delas o Cattacini Extra Brut Rosé, uma surpresa por menos de 80 pratas. Se a maré estiver boa, a dica é o Ferrari Maximum Brut, já na faixa dos 200 reais (leia aqui porque esse rótulo vale isso). Se a onda for mesmo a do vinho branco, pode apostar no gros manseng, uva-base do Brumont, uma graça de rótulo, até pelo preço: 89 reais.
Me esqueci de falar: só tem um rótulo chileno e um argentino. Não tem coisa óbvia nessa carta. A pesquisa dos frescos de boa acidez passa por um húngaro badalado, o Attila Gere Olaszrisling Villany, tão bom na acidez quanto no preço (87 pilas) e no jogo de troca-letras. Um pouco menos complicado de ler mas tão adorável quanto para provar é uma das uvas fashion entre os europeus, a grüner veltliner, austríaca, aqui com o produtor Hiedler, que chega com a safra 2012 depois de março.
Da França, além do Brumont, dois alsacianos da Kuentz-Bas, um chablis Premier Cru da Domaine Race e um Pouilly-Fumé, o Clos Joanne d’Orion, do Pascal Gitton, mineral, de acidez soberba e uma primavera na boa – flores, frutas frescas, vegetais. Falando em primavera, pensou-se em nosso eterno verão com vinhos de destinos de férias da moda: a Sardenha, com o Dettori Renosu Bianco, fresco e fino; a Sicilia, com o Sole i Vento, um marsala seco do Marco de Bartoli, cítrico como convém a um sashimi de peixe branco; e, de Santorini, Grécia, o sequíssimo e mineralérrimo Assyrtiko 2011, do orgânico Paris Sigalas.
Detalhe cultural: somente em um dos casos que citei acima, o preço passa – e, mesmo assim só raspando – dos 150 reais.
Tem pesos pesados na carta nova do Sushi Leblon que passam por cima do próprio conceito do restaurante e focam naquele que gostam de vinhos pra valer. Para eles, nosso Nicolay separou o mega badalado Gravner Ribolla Anfora 2005. Sim, 460 reais. Mas para quem não pode derrapar na curva do cartão de crédito, valem citação o Chambolle-Musigny Les Echezeaux, de Hervé Murat. Depois de tudo isso, se algum cara-de-pau não topar alguma das experiências dessa carta corajosa para um sushi-bar, rolha nele: 60 pratas.
Sushi Leblon
Rua Dias Ferreira 256
Leblon
Rio de Janeiro
Reservas: +55 21 2512-7830
Aberto todos os dias para almoço e jantar
Custou, mas o namorado entrou na zona de conforto de quem pede pratos de peixes brancos. É uma lista banal, antes restrita à trinca linguado, badejo e o cherne. Há espécies ainda melhores, que desprezamos, como trilhas, vermelhos, além do robalo e do pargo, que, quando disponível, dão outro padrão a esse integra esse “grand cru” dos peixes.
Não me esqueci do salmão, que, apesar das melhoras nas técnicas chilemas, ainda não chega perto daquele das águas frias do Hemisfério Norte – e que, infelizmente, não chega aqui.
Mas, de volta ao título, o namorado é daqueles peixes em que vale a pena investir: do tipo carnívoro voraz, com uma dieta tão refinada quanto adorável de polvos e lulas. Via de regra, esses peixes têm a carne branca (quase rosada quando crua), delicada e que fazem boa parceria com os temperos, do cru ao forno, em uma versatilidade que o torna cada vez mais freqüente nos cardápios – e, ainda melhor, nas mesas.
Um dado para os patriotas de plantão: namorado, só existe aqui no Brasil.
É raro ouvir de um proprietário ou de um chef qualquer palavra mais elogiosa sobre seus antecessores. No caso do chef Kiko Faria, do Quadrifoglio, essas palavras chegaram com um um um paladar diferente: foi espontâneo. Mais de uma vez, quando conversa com os clientes do restaurante que lidera desde que chegou do grupo Fasano, ele faz uma alusão carinhosa à Silvana Bianchi, fundadora e mentora intelectual da primeira fase do restaurante. Ponto pro Kiko.
O segundo ponto chega rapidamente, com um petisco ainda na espera, um delicadérrimo carpaccio de namorado, curado como um gravlax de salmão: com sal, açúcar e aneto. Azeite de urucum batido e pimenta rosa na guarnição. Ao lado, um shot de berinjela de ganir. “Sofá novo”, faz questão de apontar na reforma de ambiente.
Mas outras mudanças vieram antes, menos visíveis, mais eficientes: o cardápio, com redução de cinquenta para trinta pratos, como convém ao restaurante modernos; e a cozinha, com fogão em ilha, para melhor comunicação entre chef e estações que Kiko conhece bem: são 12 anos de fornos, sendo dois de grelhas e dois de massas.
Chegou outro carpaccio, que preparou com azeite de trufas – “as verdadeiras”, garante ele, de pés juntos. Tão delicado quanto, veio o polvo, em ponto impecável, simples no acompanhamento: lâmina de batata e molho de tomate bem no estilo mediterrâneo que ele gosta de imprimir. E com a leveza de um dos vinhos que decepcionam qualquer histérico contra preços altos: um Tormaresa, chardonnay da Puglia com chancela Antinori. Terceiro ponto para Kiko.
Coelho enrolado com barriga de porco, purê de batata, ervilhas (Foto: Pedro Mello e Souza)
“Cansei de bacon com coelho”, diz Kiko, a respeito deste tipo de caça, que andava rara em fornecimento e em sabor. Ali, o chef enrolou com uma de seus especialidades, a barriga de porco, todos tenros da marinada em alecrim e do cozimento lento. Antes, um risoto de queijo provola e ervilha com pós de funghi e os disquinhos de pancetta, tão na moda. É o porco mandando bem, garantindo o quarto ponto para o chef.
Na mesa ao lado, Felipe Bronze e Cecilia Aldaz provando esse cardápio e, ágeis, postaram as fotos antes de mim. Acho que também experimentaram o Château de Dracy, Borgonha, Albert Bichot, outro para conter os excessos dos indignados dos preços surreais. E olha que já tínhamos o cordeiro com feijões e crosta de castanha de caju – e a a terrine de macadâmia em semifreddo com chocolate, toque de pistache e zabaglione. Dois corpos de vantagem.
Coisa rara, um ótimo vin santo podem acompanhar a sobremesa e até os sorvetinhos como os de hortelã ou de queijo com calda de goiaba estão sujeitos às experiências que a casa faz todos os dias (leia aqui o resultado de uma delas), para o desafio cotidiano dos restaurantes: o equilíbrio entre a renovação e um ambiente, uma carta e um cardápio que ele, Kiko e sua equipe – Chiquinho, o maitre, Fabi e Wagner, sommeliers conseguem manter para sempre clássico.
Quadrifoglio
Rua J.J. Seabra 19
Jardim Botântico
Rio de Janeiro
Reservas: +55 21 2294-1433
Aberto para almoço e jantar. Aos domingos, somente almoço.