O que acontece quando o Kiko Faria sai de folga e deixa o Lomanto na cozinha do Quadrifoglio? É o confeiteiro, o pâtissier, o artesão daquela sobremesa clássica, o diamante de chocolate da casa. Mas foi só dar a chance e ele preparou uma refeição completa, com todos os refinamentos de um menu degustação, do tartare rápido ao assado lento – até chegar, claro, às sobremesas. Esses pratos não estão no cardápio, mas mostram o ritmo de trabalho da equipe do chef Kiko Faria. Quem sabe, em breve, uma dessas fórmulas poderá estar perto de você.
Degustação às cegas no Esplanada Grill, o sommelier Robson nos traz aquele copo preto. Matamos que era branco, que era fresco, imaginamos um espanhol fino. Quase. Era um chardonnay da Comtes de Largeril, produtor do Pays d’Oc, sul (e sol) da França. Mais do que surpresa no paladar, no bolso: 69 reais. Não é o único, mas um dos muitos vinhos de procedência nobre, de bom paladar, de guarnece bem o papo ou o petisco, especialmente os de lá. E olha que eu não pego leve.
Choraminguei para que o Roger me pedisse uma caixa. Pagaria valores, taxas, o que tivesse. Queria aquele vinho vibrante na categoria da moda, o drinkabikity, na minha mesa de Natal. Por coincidência, o Jorge Xavier, dono da recém inaugurada Beat Importadora, chamou a mim e ao Bruno Agostini para provarmos os recém chegados, em almoço no Quadrifoglio com outras duas figuraças na mesa, ambos do Fasano al Mare, o chef Paolo e o sommelier Edu, que deu dicas para o produtor e a importadora.
Antes de se falar em vinícola, fala-se em preços: nada como ser sócio de um escritório de Direito Tributário, que Jorge é, para otimizar os custos e permitir preços agressivos. Quanto aos Comtes de Lorgeril, um interessante jogo de contradições, com bases no início do século 17 comandada por garotos que mal passaram dos 17. Ou com châteaux espetaculares onde eles praticamente não existem mais; ou com altitudes diante do litoral.
O resultado, uma coleção com brancos e tintos frutados, rótulos estruturados, reservas estudadas e premiadas. Os frutados estão na linha de frente, com os varietais brancos (viognier e chardonnay) e tintos (merlot, syrah e cabernet sauvignon). E dois outros, em rumo de topo de qualquer gama: o branco Marquis de Pennautier, de altitude, e o Le Causse, da denominação Faugères.
Viognier é uma das uvas da moda, um dos ícones do sul da França: é fresca mas traz cheirinhos de pêssegos e algum paladar de damascos. Tudo isso é técnico – na boca, cada um sabe de si. Mas essas pequenas doçuras e o lado mineral dos vinhos que gera abrem um bom leque de quitutes e petiscos: dos mexilhões ao porco, passando por um frango injustiçado, mas com a nobreza de um molho tailandês. Provamos no Quadrifoglio, com tartare de namorado e atum.
Parece radical? Não com o Viognier 2012 da Comtes de Lorgeril, que a novíssima importadora Beat está trazendo. Tem aqueles perfis modernões, com foco na fruta e a sua devida distância das madeiras e maloláticas, inimigas do frescor do qual o calor do Sudeste nos faz dependentes. Na avaliação, entram a pedrada do cascalho, que lembram subida de trilha. Mas em minutos vêm as frutas. E um toque da região: a garrigue, um mix de ervas de galhos retorcidos, orgulho de occitanos e provençais.
Rótulo: Viognier Les Terrasses
Produtor: Comtes de Lorgerie
País: França
Região: Languedoc
Denominação: Pays d’Oc
Safra: 2012
Uvas: Viognier 100%
Álcool:
Maturação: Cubas de inox, sem madeira
Quem traz: Beat ( www.importadorabeat.com.br )
Onde encontrar: Eça, Esplanada Grill, Gero (Barra), Fasano al mare, Gruta Santo Antonio, Mr. Lam, Quadrifoglio, Zuka
Não cobrem humildade da fotógrafa Allison Attenborough. Ela se intitula “food visionnaire”, em seu site, onde desfila não somente as imagens que faz para capas ou editoriais das maiores revistas de culinária do mundo, Food & Wine, Bon Appétit e Williams-Sonoma, entre elas, como também a exigência de certas celebridades de que seja ela por trás das câmeras na hora de fazer aquela clássica matéria na cozinha. Sting é só o mais recente deles.
O olho que faz dela a cobiça de qualquer editor, eu inclusive, não é só o estético – é o conceitual, que a leva a fazer imagens como esta aí de cima, em que dá ao mel a sexualidade que ele merece, falseado ou não. Quem me dera ter uma capa dessas. Mas o barato de muitas de suas imagens estouradas em páginas elegantes está no outro lado da foto artística: é a sujeira que um corte deixa, o respingo que um molho nos traz, a bagunça com a qual o picado nos celebra.
Foi uma das primeiras a insistir em fotos de cima pra baixo e em eliminar elementos como rendas passadinhas e copos com groselhas. Vale o ingrediente, com o fundo como composição, no melhor estilo de uma natureza morta de alto nível, com uso de luz natural com muito mais freqüência do que se vê. E não falo nenhuma novidade. Quem já viu uma campanha mundial da Grey Goose, do grupo Marriott (o dos macarons) ou do Dia de Ação de Graças do catálogo da Macy’s entende o que eu digo.
Para babar em todas as gravatas, dê um pulo em alisonattenborough.com
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Uma pesquisa recente mostra que o Herdade dos Grous já está em sexto no paladar português, atrás apenas de ícones como Barca Velha e Pera Manca. “Logo na primeira vindima, em 2004, já conquistamos prêmios de melhor vinho pela Expovinis e pela Confraria de Enófilos do Alentejo.”, diz o enólogo Luis Duarte, que não investe em anúncios. “Essa é a nossa publicidade”, diz ele.
Entre os primeiros comtemplados da coleção estão os dois brancos, o de entrada de gama, à base de antão vaz, arinto e roupeiro, que não vê madeira e mantém as suas frutas frescas e, principalmente, a sua juventude nada deselegante. Mais bem vestido e de cara séria como a de seu criador, está o branco reserva, que mantém o antão vaz mas entra com o viognier, o verdelho e um inesperado alvarinho, quase uma gota, tão pouco que nem está no contrarótulo.
Nos últimos três anos, ele esteve no Brasil pelo menos quatro vezes. Ou três, se contarmos uma tentativa, em vôo da época que um vulcão na Islândia impediu a Europa de decolar. Mas Pio Boffa está sempre em erupção – é renitente e um dos produtores mais entusiasmados com o Brasil, onde é representado pela Decanter, a importadora. Um dos vinhos que sempre está na sua mesa de degustação é o Fides, que a revista inglesa Decanter (sim, coincidência no nome) acaba de colocar como um dos melhores de 2013.
É vibrante e corpulento como todos os barberas são, não importa a idade. E trazem sempre as suas notas equilibradas de barricas e taninos e suas notas de baunilha e maciez na boca. O premiado foi o 2010, que chegou agora por aqui. Na época, provou-se o 2009, já complexo, com aromas que iam das frutas confitadas ao chocolate. Para acompanhar esse corpo, escolha um garfo espetado com um ragu de cordeiro ou um guisado forte, como o de um cabrito ou de uma rabada mais delicada, se é que isso existe.
Quem me mostrou esse livro foi a Jackie de Botton. É inglês e, pra minha sorte, estava pronto para ser baixado para o Kindle pela bagatela de 20 reais, metade do preço do livro em papel. Na mão, é um calhamaço de 400 páginas de equivalências entre ingredientes e um mundo de sugestões para combinar (ou harmonizar… ê palavrinha detestável) carnes com legumes, peixes com ervas, acres com doces e por aí vai.
E sempre respeitando a roseta de sabores, imcompreensível para os leitos, mas que deu bom efeito à capa.
Tudo em um texto leve, sem técnicas, nada rebuscado, com tom de bate-papo entre pessoas que estão bebendo vinho, com direito à acidez do humor britânico, muitas vezes com a autora, Niki Segnit, debochando do que ela mesma escreve. Os próprios capítulos são descontraídos, como o Woodland, que trata de nozes e amêndoas; o Mustardy, sem mostarda, mas com agriões e alcaparras; o Sulphurous, com trufas, alhos e, claro, ovos.
The Flavour Thesaurus
Niki Segnit
Bloomsbury
400 páginas
R$ 19,85
Kihoshk é exatamente o que parece: quiosque. Não essas depressões que temos aqui, mas um bar em Copanhagen, onde os clientes são felizes e não sabem. O nome é inspirado em um rei egípcio fictício, invocado por Hergé para a trama de Tintim em “Os charutos do faraó”, com direito à cobrinha na letra O. Como em todos os bares civilizados de países idem, eles fazem as suas cervejas – e com moral para contar com três rótulos com a Mikkeller. Dois deles, o Doszt e a Saison Sally chegaram ao Brasil, dentro daquele esquema errático do “tem mas não tem”. Conseguindo a terceira, incluo e aviso.
Mikkeller Kihoshk
Saison Sally
Encorpada, condimentada, abre com uma compota de abacaxis e passa por melões e, por fim, uma manga e uma bela banana verde. Estamos no coração de uma feira caribenha. Nada mal para quem abre bem protocolar, com os cereais no nariz e um levíssimo amargor, estável até o último gole. Dourada, levemente turva, sem agressvidades, persistente, densa mas macia, volumosa de encher a boca. Adoro esses caras. Bela compra.
Mikkeller Kihoshk
Doszt
Esa é pra quem curte amargor e os efeitos do lúpulo. Aqui, a erva não é citrina no perfume, mas deixa aquele amargo de écorce lá atrás da língua. Muito floral, muito fresca, muito leve. Não tem objetivo de adocicar nem de deixar nenhuma bochecha mole. Mesmo assim, tem uma espuma elegante, mas que cede rapidamente e deixa só uma leve nebulosidade no correr do período. Com a temperatura, as frutas se revelam mamão e manga, deixando o efeito da cerveja ainda mais vibrante.
Sirizinhos, espetinhos, cocos, mates… quantos petiscos, gostosuras e delicadezas que encontrávamos na praia e que nos fizeram crescer fortes e vigorosos depois de anos de mar e areia, foram proscritos, coibidos ou, simplesmente, proibidos? Mas se ninguém passava mal na praia, passa bem agora, com o cardápio temperado com sal e manifesto do Bazzar, que vale por um resgate (não pela volta) dos quitutes dos tempos em que os cariocas eram livres.
Os formatos são criativos e divertidos. Começamos com a caipirinha de mate, que lembra a bebida, hoje extinta de nossa infância assistindo aquele bálsamo, de irresistível cor de geléia de mocotó, descendo, geladíssima, das torneiras suadas. Continuamos com o coco, com aquela carne deliciosa, hoje proibida sob o facão do moço do quiosque, que observávamos como quem venera um samurai. Agora, facão, só o do chef Claudio Freitas, que aproveita a consistência daquela geléia real do coco para criar um ceviche – e recriar uma ostra, que, se é proibida no Atlântico, ressurge como as mais finas do Pacífico. No molho, o leite do próprio coco.
A recordação segue com o caldinho de siri, que, remete às casquinhas, que, nas areias, nem pensar. A carne branca, fina, adocicada, vem com o caldinho rico, autêntico, com o paladar que sumiu da horta – em compansação, ganhamos copinhos de plásticos e láminas de alumínio. Mais lembrança com o espetinho de camarão, que o chef adoçou com os cubinhos de banana e o pirão de suruí, farinha finíssima do camarão defumado. Por fim, a memória dos sacolés chega na forma de sorbets – experimente o de manga, antes que proíbam, já que vem com coulis de cachaça 10 Vidas.
Por falar em proibição, há uma sequência deste post em Vai dar praia 2.
Esse post é sequência do anterior, o Vai dar praia 1, em que falo do cardápio do Bazzar, que relembra os produtos proibidos nas praias pelas autoridades que se afirmam competentes. No Bazzar Café, a intenção não passa por aí, mas por uma visão moderna dos sanduíches, com formatos e ingredientes diferentes mas amigáveis, simples mas intensos – e sempre naturais.
Por isso não posso deixar de me lembrar de que, com portarias e decretos, um sanduíche só pode chegar às areias com os seguintes ingredientes e apetrechos: máscaras de assepsia, luvas em plástico, embrulhos idem, camadas de formol nas mãos, atestados de higiene.
O que experimentei ali, levaria facilmente para as areias de nossa orla. São leves e suculentos como o de pastrami com chucrute (dá pra dois facilmente); saudáveis e até vegetarianos, como o falafel com recheio de repolho roxo (idem); lúdicos e indulgentes como o cachorro-quente.
Arte, arquitetura e gastronomia andam juntas no Museu de Arte Moderna do Janeiro. Lá, o chef Ricardo Lepeyre, do restaurante Laguiole levou os três temas bem a sério e montou a tarte MAM, que celebra os 65 anos da instituição com uma réplica das colunas originais do arquiteto Affonso Reidy, com telhas de chocolate; e remete aos jardins de Burle Marx com coulis de frutas tropicais. Tudo isso em estrutura de um biscuit do tipo sacher e um creme de avelã e uma mousse chocolate. Homenagem é isso aí.
Esse é mais um exemplo do óbvio que ninguém enxerga. É ideia simples mas que se destaca da multidão dos ovos de Páscoa, que, por mais coloridos, salpicados, gravados ou recheados não vão superar esse da foto, o verdadeiro “oeuf de Pâcques”, com a cara dos moais, as estátuas que marcam a ilha chilena, descoberta exatamente no mês dos ovos, mas muito antes de se tornarem campeões de consumo.
Vêm do chocolatier parisiense Jacques Génin, que se intitula mui propriamente “fondeur em chocolat”, mas tão discreto que seu site nem imagens tem. A loja tem a fachada branquinha, bem no fim da Rue de Turenne, quase République. Mas a fama espalhou-se como uma calda do seu próprio cacau e atingiu outras iguarias que prepara, como as tarte aux pommes e as pâtes au fruits, tão desprezadas por aqui.
Não basta ter uma bela apresentação – tem que servir pra alguma coisa. Nesse caso, estilo e um certo asseio na hora do almoço à russa, com os pacotes Eat&Go. Cores lindas, lettering perfeito, design atraente e a solução sanfonada, que retrai o pacote à medida que se devora o sanduíche ou entorna-se a sua sopa quente.
Um barato que valeu a esse pessoal, liderado pela designer Olga Gambaryan, do British Higher School of Art & Design, de Moscou, o segundo lugar no prêmio Dieline Package Design Awards, do ano passado. Para os créditos, os demais artilheiros do time: Diana Gibadulina, Alexander Kischenko e Andronik Poloz.
As fontes não se entendem: uns dizem que nametake (なめ茸) é um tipo de cogumelo; outros, que se trata de um sinônimo do nameko (ナメコ). Outros, ainda, que se trata de uma conserva do enokitake ou, totalmente divididos, que afirmam ser um refogado simples desse cogumelo delicadíssimo em saquê e shoyu. Há livros especializados que sequer citam o item, seja como ingrediente ou como fórmula. Tsuyoshi Murakami usa a conserva nesse preparado rápido, simples e que, se bem executado, torna-se uma entrada bem elegante.
Nametake no limão
Tsuyoshi Murakami, do Kinoshita, São Paulo
Receita para 4 pessoas:
Ingredientes:
2 limões verdes, to tipo tahiti
8 colheres de sopa de sal grosso
4 colheres de sopa de cogumelos nametake
20 fatias finas de quiabo
Modo de prepraro:
Corte os limões ao meio e retire a polpa de cada metade, deixando apenas uma pequena camada.
Disponha o sal grosso em um prato largo de porcelana.
Coloque as metades vazias dos limões em cima do sal grosso.
Adicione o nametake dentro de cada metade de limão.
Decore com as fatias finas de quiabo.
Foi um evento simultâneo em sete países no mundo. O Brasil foi um deles. E o Rio foi escolhido para o lançamento mundial da cuvée Alexandra, um champanhe rosé do mais alto extrato da Laurent-Perrier. Para quem já conhecia a fineza da cuvée Grand Siècle, a fineza do rosé pode não ser surpresa, mas é encantador. “Alexandra é um rosé de cinco anos de maceração, não de assemblage, como costuma-se fazer na região, e requer uma qualidade superior das uvas”, explicou Nicole Snozzi, embaixadora da maison.
Coube a ela comandar o evento no restaurante Le Pré-Catelan, no Rio de Janeiro e falar a respeito do vinho, que combina uma parte de chardonnay para quatro partes de pinot noir, que transmite a estrutura, as notas frutas (e flores) vermelhas e uma grande personalidade de nariz e boca. O rótulo é uma homenagem a uma das filhas de Bernard de Nonancourt, que casou-se na época do lançamento da safra de 1987 e batizou o rótulo, que chega ao Brasil em sua edição comemorativa, em estojo de madeira, pela importadora Inovini.
Entre as avaliações, destaque para o comentário da crítica Jancis Robinson, que ressaltou caráter e profundidade, com maturação e bom desenvolvimento no paladar dos cuvés rosés da casa Laurent-Perrier. Entre os críticos da Wine Spectator, Bruce Sanderson julgou a cuvée 1997, colocando-o como rico e sutil, impregnado de sol do verão tardio, com cítricos, musgos e frutas secas.
RÓTULO: Alexandra Grande Cuvée Rosé
TIPO: Millésime 2004
PRODUTOR: Laurent-Perrier
PAÍS: França
REGIÃO: Champagne
DENOMINAÇÃO: Champagne
CORTE: Chardonnay, pinot noir
ÁLCOOL:12%
QUEM TRAZ: Inovini
A ideia de Luca Orini é bem simples: trazer o cardápio de volta às fórmulas originais e instifar a memória afetiva de quem for ao Cipriani. Assim, com foco nos ingredientes e em fórmulas bem reconhecidas pelo público, o restaurante do Copacabana Palace lança novo cardápio, que revê uma série de ícones da cozinha italiana. A marca é a da leveza em pratos simples.
Se alguém perguntar o que simboliza a mesa, de norte a sul da Itália, uma boa amostra estará mesmo ali: o vitello tonnato da entrada, com a cobertura sedosa, como convém, com direito à participação colorida de um ovo mollet. Se criatividade é tempero, temos a colherada de caviar no risoto de beterraba com gengibre, do primeiro prato.
A linha também é de elegância, como no tortelli de grão-de-bico com vieiras ou do atum al ferro, grelhado apenas levemente por fora e acompanhado por um creme de berinjela. No cardápio, há também a opção das guarnições de aspargos e de foie gras, em refinamento de um chef que traz na bagagem a passagem por ícones como o Dorchester, em Londres, onde também trabalha um certo Alain Ducasse.
O cannolo fecha o painel de clássicos italianos com o mais próximo daquilo que se prova na Sicilia, com recheio fresco e crosta bem crocante. É delicadeza e bons preparos, que pedem apenas uma intensidade a mais no sabor. Não se preocupe com os vinhos: Ed Arruda cuida de cada um deles, do vermentino da entrada ao notável rosé da Costaripa, fresco e alegre como a piscina que se vê através do janelão do belíssimo restaurante.
Cipriani
Hotel Copacabana Palace
Avenida Atlântica 1.702, Copacabana
Reservas: 2545 8747.
Aberto todos os dias para almoço e jantar, com exceção dos domingos, apenas para almoço.
Estacionamento: valet (R$ 30)
www.copacabanapalace.com.br
O anúncio veio em junho. Mesmo com todas as medalhas e indicação do 50 Best como melhor restaurante da Holanda – e maior do mundo em frutos do mar -, o chef Sergio Herman anunciava o fim de seu restaurante, na erma cidade de Sluis, a três horas de Rotterdam. Me passaria despercebido se a Cristiana Beltrão não tivesse feito um relato tão refinado quanto emocional do restaurante em seu blog (aqui, o post).
Os motivos chegaram com cara de aviso corporativo: “partindo para novos projetos”. Na realidade, não são novos, mas antigos projetos, como o do hotel que mantém próximo ao litoral, de onde vinham iguarias como as da imagem acima. Ou o bar The Jane, em Antuérpia, na Bélgica. Ou, ainda, o Pure C, em Cadzand, no litoral holandês. Mas, enfim, é mais uma grande referência que parte, deixando desconsolos, especialmente para quem não foi.
Mas por trás do estilo blasé de qualquer chef, existe uma alma inquieta, viciada em criação, condicionada pela vanguarda e pronto para o reinício de uma nova receita de sucesso. Espero que essa bobagem que eu falei faça algum sentido e, no fim das contas, tenhamos Sergio de volta.
Das mãos das nonnas às pranchetas dos engenheiros,
surge um novo desenho em um dos paraísos dos gourmets
(Pedro Mello e Souza, especial para a revista Magazine 50)
Em 1987, no auge de sua badalação, o arquiteto Philippe Starck recebeu uma encomenda inesperada das massas Panzani, francesa, a maior do gênero fora da Itália. O pedido, um formato diferente, que levasse os traços contemporâneos para o prato, mas mantendo sempre aquilo que as pastas tradicionais têm de melhor: a textura, o paladar e a capacidade de reter os molhos. Mas isso não era exatamente uma novidade na época. Dois anos antes, um designer da indústria automobilística, Giorgetto Giugiaro, era chamado pela Barilla para desenvolver uma massa para a sua linha mais chique, a Voiello.
Como todas as obras de arte, o lançamento mereceu um vernissage, além de, claro, jantares badalados, para celebrar tanto o paladar daquela massa em forma de folha curva – e mais o sucesso do primeiro projeto gourmet de um engenheiro que assinara nada menos do que o BMW M1, o Maserati Bora e o DeTomaso Mangusta, carros-conceito para a Audi, a Ferrari e a Lamborghini e, por fim, um dos ícones americanos, o DeLorean, carro que estrelou o filme De volta ao futuro.
Mas o desenho requintado das novas massas tem pouco de ficção e muito de científico. Por trás de todas essas criações lúdicas um ingrediente que poucos percebem na imagem sempre campestre de uma massa: a tecnologia. Em trabalhos como os de Starck e Giugiaro, a mão das nonnas foram substituídas por lapiseiras e pranchetas; as mesas enfarinhadas deram o lugar aos computadores; os rolos de madeira transformaram-se em diagramas de um poderoso programa de 3D. Tempo de preparo: meses. No caso da Barilla, anos. Em ambos os casos, desenhos tridimensionais, de efeitos visuais espetaculares, que deram certo como todas as boas ações de marketing à mesa.
Todos os espaguetes são massas? Nem sempre. Prova disso é a onda da benvinda tendência de valorização dos produtos brasileiros. Chefs como Alex Atala, em São Paulo, e Ludmilla Soeiro, no Rio, transformam produtos como o palmito pupunha em fios delicados, que, para o olhar desavisado, pode passar perfeitamente por uma das longas massas das cantinas italianas. Mas o paladar dá outra dimensão ao prato, com os travos da planta servidos sempre em molhos delicados como os de manteiga, na fórmula do paulistano, ou de raiz-forte, como na sugestão da carioca. Mas a onda do preparo de pratos reproduzindo massas já tinha história. Em 2001, Ferran Adrià já abria essa onda invertendo tudo, Começou com um molho à carbonara, que preparou, esfriou, formou-o em longas folhas de gelatina e… cortou-a em forma de espaguete.
ABC das massas: da abbotta ao zugolotti
Afinal, quantos desenhos diferentes de massa existem somente na Itália. Muitos livros tentam fazer essa conta, mas poucos chegam à dura conclusão: ninguém sabe – e, pior, o número só aumenta. Há muitos livros que fazem contas, mas poucos chegam a uma ordem de grandeza. O Encyclopedia of Pasta relaciona 310 tipos de massas, diferentes de si pelos ingredientes e, principalmente, pelo desenho. Em cada um deles, a multiplicação dos formatos, com as incontáveis variações regionais, levou ao desespero a autora do livro, Oretta Zanini de Vita, que foi enfática em relação à pesquisa: “a rigor, é impossível compilar um pastario completo, pois a cada momento estamos diante de uma referência ou pesquisa diferente”, diz.
Mas mesmo os desenhos que parecem mais sofisticados hoje têm a sua história antiga: em 1859, o compêndio italiano Vocabolario Domestico, do linguista Giacinto Carena já relacionava uma série de massinhas (pastine, no original) que já mostravam a destreza dos artesãos em sair das massas longas para as suas variedades mais lúdicas, mas com um toque de arte. Um dos formatos em destaque na obra acaba de voltar à moda: o risoni, que simula a forma dos grãos de arroz. Se estrelinhas (stelline), cuoricini (corações) e campenellini (sininhos) também estavam na lista é porque sua existência era bem anterior à pesquisa de Carena.
Da mesma forma,, nhoques, raviolis e tortelines são ainda mais antigos e estão minuciosamente explicados na primeira edição do Dizionario della Accademia di Crusca, da Florença de 1612. Ali estão ilustrados também outras formas que se julgavam modernas, como os fusili (parafuso) e os farfalle (gravata), que, provam os estudos arqueológicos, já eram iguarias levadas pelos árabes antes e durante a ocupação da Sicília. Curtas, longas, recheadas ou em formatos, o certo é que as massas italianas tiveram uma origem comum à de outras duas especialidades bem italianas: o pão e a pizza.
Entre gregos e etruscos, era comum comer o que estava à disposição: farinha, água e o que houvesse para acompanhar a pobre dieta, como azeitonas, peixes secos e queijos rudimentares e salgados. Aquecidos sobre pedras, assumiram formas finas, esticadasque eram conhecidas como “laganon”, precursora na forma e na etimologia da palavra lasanha. Virá-las sobre recheios ou enrolá-las e passar por fios finos que as transformaram nos primeiros espaguetes foram um exercício de quebra de rotina e de um primeiro passo para o design de massas que vão de A a Z, como a abbotta e o zugolotti – e que desmascaram, como mostram textos genoveses do século 9 e as paredes de Pompéia, as lendas em torno de um improvável Marco Polo.
Vendas Novas, meio caminho entre Lisboa e Évora, o portal da vibração dos vinhos alentejanos. Na Herdade da Ajuda Nova, começam bem: são121 hectares de vinhas, mais de 80% delas reservadas às tintas, especialmente trincadeira, aragonês, castelão, alicante bouschet, syrah e a agora indefectível touriga nacional. Há ainda 12 hectares de vinhas velhas, em que arinto, antão vaz, verdelho e moscatel se misturam com rabo de ovelha, roupeiro e alguma tália, a versão portuguesa do trebbiano.
Alberto Capitão é o enólogo e lugar-tenente da proprietária Vanda Carvalho. Administra uma área seca, que exige irrigação gota a gota, em um dos reflexos do clima sempre inesperado do Alentejo. Mesmo assim, produzem um total de 800 mil litros de vinhos, que destinam ao mercado interno e a atender demandas como as do Brasil, Moçambique, Angola, Suíça, Bélgica e China, para onde acabam de enviar seus primeiros contenedores, como conhecem, com muito mais propriedade e caráter, os “contêineres” das colônias americanas aquém-Tordesilhas.
Vila do Chafariz e Carizma (sim, com z) são as suas linhas de entrada. No primeiro, um branco, moscatel trouxe a leve adocicado; e ugni blanc, o abacaxi. Já no Ajuda, caminho para o topo de gama, temos a dupla de ataque da seleção alentejana, arinto e antão vaz, com um toque de verdelho e sustentados com 4 meses de barricas francesa e americana. Minerais, estrutura e frutas tropicais no 2013. Há maciez, leveza, jasmins, oréganos, pêssegos, peras e, no fim, uma maçã verde, para o 2012.
Foram esses os primeiros vinhos da rota dos Vinhos do Alentejo, que mostram a linha mestra de seus vinhos brancos: a acidez e o frescor – ou “frescura”, como dizem lá, com pouca afetação e muita propriedade. Para o rosé, adiantam a colheita de castelão e aragonês para garantir delicadeza com alegria. Para a estrutura e a madeira nos brancos, procure o Reserva 2012. Em todos eles, além das medalhas nos concursos, o prêmio de design pelos rótulos.
Na área dos tintos, a leveza e o aroma do Chafariz traz um perfil bem alentejano: trincadeira, aragonês e alicante bouschet, plantados em antiga propriedade dos Duques de Bragança. No Ajuda Tinto, corte similar, mais elegância e o traço comum dos taninos, que se amansam ainda no copo. Subindo a gama, entra em cena a dupla syrah e touriga nacional, que trazem potência (Herdade da Ajuda Reserva 2009) e madureza com acidez esplêndida (Syrah e Touriga). Para a vibração do Premium, reservamos um post à parte, homenagem a quem quer a expressão máxima do alicante bouchet.
Herdade da Ajuda Nova
Estrada N4, saída de Vendas Novas para Évora
Alentejo
Tel.: (+351) 265 805 667
email:geral@herdadedaajuda.pt
Reservas para degustações em
Vibrante, cheiroso, intenso, enfim, um vinho guloso, como dizem por lá. É um reserva 2009 que ainda tem muito a revelar das frutas que já mostrou, em corpo elegante, de taninos e acidez que ainda vão longe. Mesmo assim, foi submetido a uma prova especial: pratos consistentes como as burras (bochechas) de porco, a rabada, os pezinhos de coentrada. Sim, comeu-se e bebeu-se no Cantinho dos Sabores, em Vendas Novas, a uma centena de metros de onde este vinho descansa, aguardando por quem se habilite a trazê-lo.
RÓTULO: Premium 2009
PRODUTOR: Herdade da Ajuda Nova
PAÍS: Portugal
REGIÃO: Alentejo
DENOMINAÇÃO: V.R.A. (Vinho Regional do Alentejo)
CORTE: Alicante bouschet 100%
MADEIRA: 9 meses de barricas francesas e americanas, antes do ano e meio em garrafa.
ÁLCOOL:14%
QUEM TRAZ: Vinum Veritas, de Caxias do Sul