Olha bem para a cor desse vinho com nome de olimpíada de inverno: parece um suco . Amarelo fechado, alaranjado, quase âmbar, com um turvo leve, fascinante. Na boca, mais ainda: salino, iodado, mineral de fonte, com notinhas de ervas medicinais. E denso, dramático, com evolução para a mesma laranja da cor, com cascas, geléias, bagaços. E um damasco, bem depois.
“Tem que saber para quem estamos vendendo”, repara o über sommelier Guilherme Correia, da Decanter, durante a apresentação de uma série de expoentes da Decanter. Inclusive este, um Zidarich Vitovska 2010, que chega como um dos ícones da moda do “orange wine”. E vitovska é a uva, que se mostrou incomum na extração “sur lie”, responsável por todas essas características diferentes – e na persistência.
Explica-se a preocupação do Guilherme: quem não sabe, estranha cores, aromas, estruturas e sabores fora de qualquer curva, em um fenômeno que se observa com monumentos do tipo Viña Tondonia ou o Gravner Anfora, não por coincidência, seu conterrâneo da vizinha Venezia-Giulia. Na surpresa final, o preço sugerido: menos de 150 reais. De graça, para o que é.
VINHO: Vitovska 2010
PRODUTOR: Zidarich
PAÍS: Itália
REGIÃO: Friuli
DENOMINAÇÃO: Carso D.O.C.
CORTE: 100% vitovska
ESTÁGIO: 24 meses
ÁLCOOL: 12º
QUEM TRAZ: Decanter
COTAÇÕES:
WS: (não experimentou)
Jancis: (não experimentou)
Talheres: 92-92
Eles garantem que é temporário, mas só acredito vendo. Ou comendo, melhor ainda, quando, aí sim, saberemos que o Le Gaigne estará de volta. Não mais no Marais, malheureusement, no restaurante com cara de loja, com vitrine e tudo, um pequeno gigante da gastronomia, não mais de 20 lugares, patron Mickaël Gaignon na cozinha, mulher Aurélie no salão e na caixa. E um poço de informação culinária na mesa, e adoráveis descobertas no copo.
Não importa onde reabra, pois o ambiente era o de menos na casa pequena, de atendimento que começava impaciente – no telefone, falaram para eu não ir, mas teimei e lá estava minha mesinha – e terminava mimoso, no próprio sentido do mimo, do presente, da deferência. Explica-se parte da impaciência: madame não era fluente no inglês – e a maioria dos clientes era de americanos, foodies excitados pela incensada que o restaurante levara do New York Times, meses antes.
Lá, luz baixa, aqui, fotos péssimas, aviso logo. Na bagunça de câmeras e moleskines, não me lembrei de anotar o champanhe da entrada. Mas dado o sinal verde, o serviço começou com uma vieira muito fresca, intensa, com uma colherada desnecessária de caviar e um velouté de celeriac, este fundamental, que explica o amor dos franceses pela baroa. Na companhia, um viognier com grenache blanc, o Château de la Tuilerie, dourado, ligeiramente untuoso, mas com delicadeza de frutas como o melão e de sutilezas como o merengue.
Com o celeriac, abriu-se a o poço que citei acima. No segundo prato, escancarou-se, e com um trio de beterrabas. Por dentro, um nougat, por cima, um ensopadinho, por fora, a baby raiz cozida e laminada. Micro espetáculo em três atos, com os contrastes do mâche, do vinagre e do queijo bleu na cobertura.
Nova aula com o que seria o peixe branco. Em vez disso, um tiro na têmpra, chamado roussette, uma enguia de rio, da área de Le Mans, no Loire, que só dá naquela semana do ano. De intensidade fora do comum, gordurosa no ponto e bem casadérrima com o grapefruit do molho – e do vinho, um chenin blanc que, burro, não registrei qual era.
O poço foi mais fundo com a guarnição do cordeiro com raízes como o salsifis e duas outras paixões da estação, tacada certa em todos os outonos de Paris: o potiron e o toupinambour. Tudo simples no fogão, tudo complexo na boca, para a qual sugeriram um Côtes de Beaune Villages para acompanhar.
Fiquei com pena da sobremesa. O prato de queijo que veio antes, o de queijo, era uma nuvem de muenster com uma saladinha de blettes e dentes-de-leão, um salpico de semelntes de cominho e um perfume de raiz-forte, em um meio termo entre uma tabuinha de queijos e o pré-dessert. Foi um dos pratos que valeram a viagem, a memória e a aula de texturas leves e sua combinação com sabores intensos, que j’espère bien, estará logo de volta.
Assim mesmo, com um S só, como cantam os argentinos. Mas as denominações são várias: tira de assado, costillar, short rib, Miami rib (quando mais fino), costela de tira. Mas o fato é que esse corte que todos curtem mas pouco cobram dos restaurantes está começando a chegar no mercado. Era difícil até mesmo encontrar nos supermercados, em meio a mares de fraldinhas e picanhas.
Saboroso, rico, intenso, é o prolongamento daquela costela que costuma ser assada lentamente. E é vizinho também de outro corte nobre, o prime rib, de quem herdou a sua vocação de churrasco suculento, de carne presa ao osso, tesouro de qualquer gourmet. Esse da foto abaixo é o do Esplanada Grill, mas há outros que já têm púbico cativo, como o Gonzalo, o Tragga e o Pobre Juan.
O corte é dito “de tira” por ser uma seção cortada não ao longo do osso, como os prime ribs, mas através deles. Assim, as costelas ficam expostas em pequenas seções, ligadas pela tira formada por um complexo de músculos, dois deles ao longo das peças: o Musculus latissimus, mais fino e saboroso, e o M. serratus ventralis thoracis. Entre os ossos, os M. intercostalis unem as costelas.
Aplicado ao ser humano, é a faixa (ou tira) que desce pela lateral do peito, ao longo do braço da pessoa. Mas aplicado ao ser consumidor, a boa notícia: o belo corte desses e de outros restaurantes é brasileiro – a VPJ fornece cortes de angus no supermercado Zona Sul, já porcionados em peças de quatro costelas.
Em dezembro, as dificuldades para se chegar à Cadeg se multiplicam. Natal gera histeria, que se potencializa com o calor, o congestionamento monstruoso e o longo garimpo por uma vaga. Volto no inverno. Enquanto isso, fica a experiência no Cantinho das Concertinas, em uma das últimas “ruas” do mercadão, de mesas já lotadas às 11 da manhã.
Com tudo isso, houve boa vontade com a mesa, conseguida com uma sutil dose de violência, com a cerveja quente, com a sardinha correta e com o bolinho de bacalhau grande como um limão siciliano. Não sei o que dá nessa gente pra gostar tanto de música ao vivo – e, pior, qualquer música.
O “vira” o ritmo festivo português, brejeiro e patético, começou a tocar 40 decibéis acima do rumor do beco, que já deixava qualquer conversa um passo atrás da compreensão. Com o aumento do volume de uma caixa de som já estourada, o ambiente passou a vibrar com a suavidade de uma esmirilhadeira.
A leitura labial foi a saída até a chegada do bacalhau. Quase cru, espinhento, seco. Não era acidente: as batatas ainda tinham a consistência de uma maçã, quase a mesma das cebolas, que, não sei se era o caso, mas não viram calor. De quente mesmo, só a nota: 280 reais. Preços populares? Vou seguir a dica de meu amigo Bruno: quer comer barato, vá a o Antiquarius.
Darei nova chance no inverno
Oficialmente, Tejo é o novo Ribatejo. É lei, desde 2009 dentro de um processo de divisões mais claras aos estrangeiros. Mas entre os produtores, há o Novo Ribatejo, com olho menos às obrigações da denominação e mais na revisão da escolha de castas, nos tipos de plantio, nas fórmulas de vinificação. E nas produções contidas e nas qualidades que começam a se tornar explosivas.
Quinta da Lagoalva de Cima, decana de 120 anos, na área de Vila de Alpiarça, conta com a juventude de Diogo Campilho e seus métodos dinâmicos tanto no bio quanto nos critérios de colheita. “Estamos à margem esquerda do Tejo, bem ao pé do Rio e chove não antes, mas durante a vindima e arrefece o calor da época” diz Diogo, em seu português castiço.
O espumante da casa, à base de arinto e alfrocheiro, é leve, refrescante, levemente salino – e diferente do que se via antes na região. Há o Talhão 1 Branco, que combina os nativos e cítricos arinto e fernão pires com o internacional sauvignon blanc e a vibração floral dos minhotos verdelho e do alvarinho. Ambos elegantes como o Rosado, rosé de alvarelhão do Dão e as multinacionais, syrah e touriga nacional.
Mais syrah e touriga, com a primeira segurando o álcool do Reserva e sua estrutura de barrica de 8 meses; e a segunda dando seu toque herbáceo. E a boa notícia, que permeia todos os vinhos apresentado: a excelente relação custo-benefício. Neste, módicos 40 dólares.
As Grandes Escolhas, tops de linha, chegam com dois varietais: o syrah, que tornou-se a uva da moda em toda aquela faixa de Alentejo, Ribatejo e Estrmadura, atual Lisboa. E que dá uma raça de Côtes-duRhône a este rótulo. No alfrocheiro, uma fruta adorável, em belo resgate de uma uva que andava em declínio.
Uma surpresa inesperada para quem degusta os vinhos da região: o bom trabalho que fizeram com riesling e gewurztraminer que são atacados pelo chamado cripto botrytis, uma (ainda) pequena mágica que essa área do Tejo proporciona.
A metamorfose do Fiammetta, de pizzaria chique para um perfil mais global já tem algum tempo. Mas o traço italiano continua em vigor, especialmente com pratos como os risotos. Nesse, caso a chef Val Santos aproveita um dos cogumelos da moda, o shitake, e faz uma interessante experiência com a doçura e a acidez refrescante do morango para uma receita diferente para o clássico italiano. Ao fogão:
Ingredientes:
100g de arroz arbório
100ml de vinho branco seco
50g de cogumelo shitake fatiado
50g de morangos cortados em cubos médios
50g de queijo grana padano ralado grosso
1 colher de sopa de manteiga gelada
300ml de caldo de legumes
2 colheres de sopa de azeite extra virgem
½ cebola picada
3 dentes de alho picado
Sal e pimenta a gosto
Modo de preparo:
Refogue a cebola e o alho no azeite sem deixar dourar.
Coloque o shitake já fatiado e refogue por mais dois minutos
Junte o arroz arbório e refogue mais um minuto mexendo delicadamente sem parar.
Junte o vinho branco e mexa até que evapore.
Vá juntado o caldo de legumes pouco a pouco conforme o arroz for absorvendo o líquido
Corrija o sal e a pimenta a gosto.
Quando o risoto estiver al dente coloque o grana padano, mexa um pouco para misturar e junte a manteiga.
Decore com o morango cortado em cubos e sirva.
Conheçam a merweh e a obaideh. Não são apenas duas uvas brancas do Líbano – são dois desenvolvimentos que o Château Musar vem levando a público e para a aclamação da moda entre os críticos. Explica-se: é um corte que proporciona vinhos concentrados, originais, elegantíssimos e, melhor de tudo, ancestrais, pois é uma cultura vinícola bem mais próxima das suas origens do que qualquer das similares francesas.
Mesmo assim, há quem diga que a combinação não seria uma novidade: merweh é uma derivação da semillon, afirmam. E a obaideh, da chasselas ou da chardonnay, juram. Mas o que se percebe é que somente os maiores produtores das áres dessas uvas clássicas mas pouco conhecidas conseguem os resultados, às vezes, debaixo de bala da guerra ao lado, que os colocam entre as estrelas do momento.
O próprio Serge Musar afirma: são diferentes e originais, já que eles pouco se metem com o que a natureza os proporciona. Mas são instigantes, profundos, saborosos, espetaculares, cada vez mais, em cada ano – e longevos: todos esses adjetivos foram para as safras que a Mistral submeteu, no Esplanada Grill: 1999 e 2005.
Há um movimento interessante no desenho dos sushibares modernos: o de dar uma cara mais contemporânea ao balcão em que cortam-se os sushis à minuta e surgem os grandes omakazês. É o caso do conceito criado pela arquiteta Carolina Rocco para o restaurante Aya, em Pinheiros, que, em junho, comemorou dois anos de belas peças de um sushi de vanguarda.
A diferença já começa pela quebra da geografia tradicional, com a recolocação do sushman Juraci Pereira, um dos donos da casa, no segundo andar, para serviço mais intimista de sete felizardos e para uma dinâmica que não prejudica o frescor dos pratos. “Se os sushis ficam muito tempo esperando no balcão, acabam perdendo consistência e temperatura”, afirma.
Por isso, o modo de usar é simples:
1)fazer reserva para um dos horários do jantar
2) se for sozinho ou em dupla, parta para o balcão. Com mais gente, fique em uma das mesas ou um dos dojôs.
3) explore o talento de Juraci, no omakazê, que traz o aprendizado com Jun Sakamoto para as criações, fixas ou não.
4) se a pedida for só o sushi, dê uma ousada e, em vez do saquê, peça o bom Loire que está na carta de vinhos, o Pouilly-Fumé Demoiselle. Ou ainda o Aruga Koshu, um branco (sim!) japonês, resultado espetacular do enólogo francês Bernard Magrez.
5) Tenha certeza de que uma das pedidas será o sushi de atum com foie gras e o de salmão com caviar Petrossian – a hora é de indulgência.
Aya
Rua Pedroso de Morais 141, Pinheiros
Reservas +55 11 3097 9856
Aberto para almoço de segunda a sexta. E para jantar, de segunda a sábado.
www.restauranteaya.com.br
Não há dono de restaurante que não encha o peito de orgulho e diga, com uma oitava a mais no tom de voz: “o Boni esteve aqui”. Alguns vão mais além e tomam posse: “o Boni vive aqui”. E todos eles estarão dando a sua pitada de tempero a uma verdade na vida de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho: ele passa parte de sua existência em restaurantes. “Eu almoço e janto fora, salvo quando eu mesmo cozinho em casa”, revelou, em entrevista exclusiva, no início de 2012. Hoje, as opiniões são as mesmas e as opiniões que deu estão no Guia dos Guias, que acaba de lançar, em parceria com outro gourmet, Ricardo Amaral.
Pioneiro da propaganda e mais badalado executivo da história da televisão brasileira, Boni transformou sua paixão pela boa mesa em uma referência mítica, da qual muitos se gabam, mas poucos compartilham de fato. Filho e neto de espanhóis, traçou a rota de seu paladar com especialidades como o cocido à madrilenha da avó ou com os vinhos ibéricos, que o pai importava. E com uma memória notável, que o permite se lembrar de pratos que provou nos arredores de Veneza, da safra de um vinho da época do pós-guerra ou do detalhe de uma receita, que reproduz para os amigos a arte que mais curte: cozinhar.
Quais as suas especialidades, quando assume o fogão?
Eu gosto de variar dependendo dos convidados. Para um grupo que chamamos de confraria, faço uma cozinha moderna e inventiva. Da casa são o pudim de alho-porró e ovos de codorna com caviar fresco e os raviólis de foie gras ao consomê de pato com trufas negras, quando é a estação. Costumamos fazer alguns pratos do Joel Robuchon e do Ferran Adrià. Entre os clássicos estão um confit de pato com pele crocante e um parmentier de rabo de boi desfiado ao barolo e agrião. Das coisas comuns, adoro massas. Em Angra pintam os espanhóis como a paella , o peixe no forno ao açafrão e o cocido à madrilenha. Não faltam massas e o tradicional churrasco aos sábados.
Em que momento essa paixão despertou?
Minha avó espanhola por parte de pai era uma cozinheira excepcional e do lado materno minha mãe também era craque na cozinha.
Os pratos mais fortes, que você encarava na infância?
Eu adoro uma boa dobradinha e encaro uma rabada, mas em casa as coisas eram um pouco mais elaboradas.
O que considera alta e baixa gastronomia?
Eu detesto rótulos e acho que quem sabe comer vai da mortadela ao caviar, desde que ambos sejam de primeira.
O que você não pede de jeito nenhum?
Eu adoro um rim de vitela, mas aqui no Brasil vêm todos com gosto de xixi. Aliás, não sei o que acontece com a vitela brasileira que é tão inferior as que se encontram nos Estados Unidos, França e Itália.
Qual o seu lado doce?
Adoro sorvetes e sobremesas que tenham sorvete. Prefiro sempre uma boa seleção de “sorbet” de frutas a um doce. Mas tenho que reconhecer que a pâtisserie francesa é irresistível.
Quais os vinhos que você nunca esqueceu, pra bem ou pra mal?
Nunca me lembro de coisas ruins. De coisas boas tenho o registro de um Cheval Blanc 1947, de um Mouton Rothschild 1945 e um Romanée Conti 1935. Dos brancos morro de amores pelos Cortons Charlemagne Leroy e Coche Dury e todos os vinhos do Domaine Leflaive.
Qual foi o primeiro vinho?
Meu avô espanhol importava vinhos e eu, naturalmente, comecei pelos espanhóis.
E o mais recente?
Mais recente impossível: ontem, (10 de abril), o meu amigo Uajdi Moreira trouxe um Clos Erasmus 2004 que provei com o Manoel Beato e caímos para trás de tão extraordinário que era o vinho.
Curte drinques em geral? Quais?
Não sou chegado a drinques. Às vezes, encaro uma caipirinha com cachaça Santa Rosa.
A bebida que evita?
Não suporto uísque.
Alguma surpresa, ultimamente, entre copos e decantadores?
Os copos gigantes da “Schotz” são bons e charmosos. Decanter cada dia aparece um novo. Mas prefiro os clássicos. É só ter o cuidado de não decantar todo e qualquer vinho, especialmente os velhos com muita antecedência e correr o risco de perdê-los.
Qual o seu top list dos restaurantes do Rio e de São Paulo?
No Rio, a Roberta Sudbrack, anos luz à frente. Depois, o Claude Troigros, o Antiquarius, o Satyricon e o Gero. Em São Paulo, o Mani, o Vecchio Torino, o Fasano, a Brasserie Jacquin, o 348 e o inesquecível polpettone do Jardim de Napoli. O Pomodori era um dos favoritos, mas com a saída do chef Jefinho irei atrás dele.
Quais as carnes imperdíveis de Buenos Aires?
Na cidade, em Palermo, o La Cabrera. São dois locais, mas o Cabrera Norte é melhor. No entanto, as melhores carnes estão na periferia e são o Los Talas de Entrerriano e El Tano.
Quais os seus preferidos nos Estados Unidos?
De New York, o Le Bernardin, o Per Se, o Esteatório Milos, as carnes do Wolfgang. A vista e a comida do Lyncoln e o clássico Il Mulino. A cantina da pesada é o Pepolino. Em São Francisco, em Napa, o French Laundry e o Meadowood. Chicago não é minha praia.
Em Paris e Londres, quais você ainda não foi, mas pretende ir?
Já bati todos. Em Paris prefiro os bistrôs mais simples, como o Ami Louis. A melhor quenelle de brochet (lúcio) de Paris é do Moissonier. Tem um chinês que adoro, que é o Chen. E não dispenso o vietnamita Tan Dhin.
Dos grandes restaurantes internacionais, qual você se arrependeu de ter ido?
Os três estrelas, com raras exceções, são formais e chatos. Alguns são realmente bons, especialmente os menores. Os grandes restaurantes desse tipo são impessoais e detestáveis.
E do mar, o que prefere e o que evita?
Do mar prefiro as sereias das praias do Rio. Mas não evito nada.
A pizza ideal (e de onde)?
Difícil. Mas fico com a tradicional do Jardim de Napoli.
A salada que o agrada (e de onde)?
Gosto muito da salada a quilo do Celeiro, aqui no Rio. Mas a frisée aux lardons, do Moissoinier, em Paris, e a grega do Milos, em Nova York, são imbatíveis.
A sua casa de carnes preferida no Brasil?
A minha casa. Com carnes da Argentina e Uruguai não conheço ninguém que faça melhor.
Qual o risoto ideal?
Taí uma coisa deliciosa. Mas destaco um risoto ao barolo, feito pelo Vecchio Torino.
O restaurante italiano…
O La Calandre, em Rubano, perto de Veneza, com o risoto de açafrão e linguiça em pó. E o Dal Pescatore, em Caneto com um escalope de foie gras com frutas da estação.
Qual restaurante japonês?
O nosso peixe, devido às águas quentes, é muito ruim. Mas o Jun Sakamoto e o Murakami (Kinoshita) fazem milagres. Lá fora, adoro o Sushi Yassuda e o Soto, em New York, e, o máximo, em Tóquio, o Hamadaya, o Esaki, o Araki. E a tempura do Kyoboshi.
Algum boteco que frequente, no Rio e em São Paulo?
Jobi, no Rio.
E o sanduíche definitivo?
O Ino em New York. E, em casa, um pão com a calabresa do Jardim de Napoli.
O que experimentou recentemente, pela primeira vez, e adorou?
O Eric Rippert, chefe do Le Bernardin, nos surpreende cada vez que vamos lá com coisas fantásticas e inesquecíveis.
Petisco assistindo à televisão.
Petisco sim, televisão não. Coisinhas naturais, barras orgânicas etc.
O que mais o irrita em coquetéis?
Sempre digo que é bebida quente e gente fria.
Da recente onda de filmes sobre gastronomia, indica algum?
Os velhos, como “A festa de Babette”, eram tão bons que fica difícil.
Todos os donos de restaurantes garantem: “o Boni vive aqui”. Até que ponto isso é verdade?
Bom. Almoço e janto fora, salvo quando eu mesmo cozinho em casa. Portanto, é licito dizer que vivo em restaurantes.
O que o seu médico acha de tudo isso?
Os meus médicos são sempre meus melhores convidados e os que mais apreciam vinho e comida.
Existem vários Bonis, no imaginário carioca: o workaholic, o mago da televisão, o visionário da propaganda, o amante do jazz, o entendedor de vinhos e o que ama gastronomia. Perguntado sobre qual seria o Boni segundo ele próprio, surgiu de cara a personalidade do gourmet: “Boni é uma mistura dessas coisas todas, porque, no fundo, a base de tudo isso é a cozinha”.
A filosofia faz sentido – ele começou a cozinhar aos 7 anos de idade – pois o processo de fazer televisão, segundo ele, é um processo de temperar, de salgar, de colocar fogo, de esfriar, de servir. “O processo do vinho é a mesma coisa, o processo de jazz, de seleção de ingredientes produtos, no fundo acho que a gente faz na vida é uma grande cozinha”, diz.
Essa entrevista, eu editei em 2012 e foi conduzida pela jornalista, gourmet e enófila Elisa Marcolini, para a revista Magazine CasaShopping. É posterior ao perfil gastronômico (leia aqui) mas bem coerente, especialmente na forma de expor as ideias, umas inesperadas, sobre os restaurantes brasileiros, outras quase debochadas como o culto ao 50 Best, que considera não mais do que uma brincadeira.
O que qualifica ou desqualifica um restaurante?
Primeira coisa que qualifica um restaurante é a qualidade dos produtos que o chef trabalha, a segunda coisa é a criatividade com que ele usa esses produtos. Se você não juntar essas duas coisas, você dificilmente terá uma boa cozinha. Voltando aos espanhóis, por que a cozinha espanhola é boa? Porque ela é atávica, é uma cozinha criativa, de pequenos pratinhos, mas eles estão lá, com seus sabores totais, intensos, preservados. Tem alguns cozinheiros que deveriam ser pintores, em vez de ser cozinheiros.
O que você acha da lista dos 50 melhores restaurantes do mundo?
Eu acho uma brincadeira, acho que aquilo ali tem a ver só com a fraternidade de alguns chefs, tem a ver com os interesses da Pellegrino que patrocina a revista. Por exemplo, você pega o Michelin: o Noma, que é o número um nessa lista, não está entre os 300 melhores restaurantes do Michelin. Eu vou nesses. Eu vou lá checar. Eu gosto muito do Ferran Adriá, sou amigo dele, e teve um tempo na frente. Mas eu estive agora no Noma e fiz uma experiência agradável, não decepcionante, mas não é o número um do mundo. Então não é assim.
Hoje, em Paris, há uma tendência da aproximação do grande chef com o produtor. No caso do Willian Leudeuil, ele cria uma ponte com o japonês que produz o melhor legume e faz com perfeição. O que você acha disso?
Isto é fundamental. E vale para tudo. Não basta ser um foie gras, tem que ser o melhor foie gras. Não basta ser o caviar, tem que ser o melhor caviar. Esse caminho que eu acho perfeitamente correto. O caminho da associação do produto com a criatividade.
De onde vem o melhor vinho?
Eu diria a você que o vinho a gente não pode escolher a nacionalidade, porque você tem que combiná-lo, tem que harmonizá-lo com o que está comendo. Eu, por exemplo, gosto muito dos vinhos tintos espanhóis, mas sou apaixonado pela Borgonha. Eu gosto de tomar um bom pinot noir, tem algumas de Bordeaux também que eu gosto, mas eu ficaria aí nessa linha: franceses, espanhóis, californianos e italianos. Mas tudo isso só vale a pena se você tiver uma grande companhia. É uma coisa que você tem que compartilhar e opinar sobre ele porque não vale nada beber vinho se você não puder comentá-lo. O vinho não foi feito para ser analisado, mas para ser compreendido.
Quais foram as primeiras experiências de vinho?
Meu avô era um espanhol e ele voltou para cá pro Brasil depois da Segunda Guerra Mundial. Mas cometeu um grande equivoco de mercado. Ele era um homem de vinho, mas não era um homem de mercado. Então ele imaginou que no pós-guerra, o Brasil fosse ser o atual, com um desenvolvimento extraordinário no Brasil e que a cultura fosse correr muito e que os brasileiros fossem tomar vinhos franceses, italianos, etc e tal. E ele montou uma casa, uma pequena casa, no Guaruja e colocou vinhos de altíssima qualidade, que ninguém sabia o que que era e que ele acabou não vendendo e ele teve que beber o vinho dele.
Um homem fora do seu tempo…
Ele foi fora do tempo dele, mas eu aprendi. Primeiro, eu comecei a aprender a colocar os vinhos para fazer a exposição das garrafas. Comecei a a conhecer vinhos através de rótulos… eu tinha sete anos de idade.
Quais são os vinhos espanhóis do momento?
Há o Vega Sicilia, mas hoje nós temos vinhos extraordinários, os vinhos tintos especialmente, eu acho que o maior numero de vinhos pontuados com 100 pontos no Parker na Europa são os espanhóis. Você tem o Pingus, o Sastre, o Benjamim Contador, o Aalto PS, feito pelo enólogo Mariano Garcia, que já fez o Vega Sicilia. Então hoje nós temos vários tipos de vinho na Espanha com uvas diferentes, quer dizer você tem o vinho do Priorato, que tem o Clos Erasmus. Tem o La Hermita. Tem os vinhos da Rioja, da, do Sardon del Duero. Então a produção de vinhos tintos na Espanha hoje é muito rica, muito diversificada, e são vinhos extremamente bem pontuados.
Espanhol ou frances?
Eu diria você que o vinho a gente não pode escolher a nacionalidade porque você tem que combinar ele, tem que harmonizar ele com que esta comendo. Eu por exemplo gosto muito dos vinhos tintos espanhóis, mas sou apaixonado pela Borgonha. Eu gosto de tomar um bom pinot noir, tem algumas de Bordeaux também que eu gosto, mas eu ficaria ai nessa linha ai: franceses, espanhóis, californianos e italianos.
E os californianos?
Falta ainda. Tem vinhos extraordinários americanos de pequenos produtores como o O’ Brien Estate e o Screaming Eagle. Os do Harlen Estate, sao vinhos extraordinários. São pequenas famílias que são bem próximos, bem imitados em relação aos cabernets sauvignons da Franca. São vinhos excelentes mas falta a eles aquela coisa, eles são exatamente a diferença entre uma mulher francesa e uma mulher americana (risos).
Beber vinho vale a pena somente…
Vale apena somente se você tiver uma grande companhia, e tanto faz feminina ou masculina . mas o vinho é uma coisa que você tem que compartilhar e opinar sobre ele porque não vale nada beber vinho se você não puder comentá-lo.
Quando você escolhe um vinho você busca essa informação numa revista ou com algum conhecido?
Não, eu não gosto de ver, eu tenho so para ter como background, mas tem um critico de vinho, chamado Michael Broadbent. Eu adoro ele assim: o vinho não foi feito para ser analisado, o vinho foi feito para ser compreendido.
Come-se bem aqui no Brasil?
Não, o Brasil tem uma comida regional interessante, tem uns restaurantes razoáveis, tem uns chefs criativos, mas de modo geral não se come bem no Brasil. Restaurantes ruins que, acima de tudo, são irregulares, não conseguem manter a tradição e a qualidade, a não ser em raríssimos restaurantes. Tem um chef brasileiro que eu admiro muito mas a gastronomia brasileira em modo geral é extremamente descuidada.
Come-se bem na casa do Boni?
Na minha casa come bem porque meus amigos gostam de comer e eu acho que a principal coisa que faz uma boa comida de um pais é a exigência do cliente. Entāo os meus amigos são grandes clientes e exigentes. Então eu tenho que fazer uma boa comida se não tô perdido. O brasileiro é muito tolerante com seus restaurantes. É tolerante com a comida que ele recebe. O americano é mais duro, mesmo que não seja a meca da cozinha. Se o restaurante for ruim nos Estados Unidos, o restaurante fecha.
Voce ainda cozinha?
Cozinho, eu pelo menos uma vez por mês para meus companheiros e faço a minha comida para os meus amigos. E todos os fins de semana quem assume a minha cozinha da minha casa em Angra sou eu.
E o churrasco, ainda é uma paixão ?
O churrasco é uma paixão e uma tradição. Eu aprendi a fazer o churrasco com meu pai e a gente vem desenvolvendo, mas todos os sábados, invariavelmente, religiosamente, nós temos o nosso churrasco.
Qual o melhor corte da carne?
O melhor corte da carne eu acho o bife ancho, um corte extraordinário porque tem duas carnes. Especialmente o uruguaio, de gado charolês, de origem francesa. Ou o angus argentino, que tem origem inglesa. Mas sou também um comedor de costela. Mas costela no ponto de picanha, costela assada de tira, costela sangrando. Não aquela costela de horas no fogo que você acaba comendo carne velha ensopada.
“Degustaremos nos ares, nos mares,
nas praias, no ônibus, no taxi, na bicicleta,
we shall never surrender”
Livro bom é aquele que lemos de uma sentada, não importa o tamanho. Quando a linguagem é simples mas intensa (dificuldade para qualquer redator – este aqui, inclusive), a leitura é ágil e a informação fica retida, especialmente quando ainda brindamos as tiradas de bom humor – sem o retrogosto amargo das canseiras acadêmicas. É assim com os guias de Hugh Johnson e Oz Clarke, é assim com os livros de Jancis Robinson, é assim com as colunas de Luiz Horta, o nosso Glupt!, crítico de vinhos do Estadão.
Por isso, foi fácil ler, me informar e me divertir com o Guia Glupt! 2014 – Vinhos que cabem no seu bolso, lançado na semana passada, exclusivamente para o formato Kindle (o próprio ou o aplicativo para iPad ou iPhone), via Amazon Books, por patéticos R$18,50. São 88 páginas em que Luiz, ao lado do parceirão Denis Pagani, separa os seus favoritos em faixas de preço modestas para vinhos que julgou, pela relação custo-qualidade, um grande barato.
São rótulos que ele encontrou nas importadoras, nos supermercado ou nas boas lojas do ramo dentro de três faixas de preço: até 60 pratas ($), entre 60 e 100 ($$) e acima de 100 ($$$). Tive a pachorra de contar: somente onze vinhos estão na última faixa – e cinco deles em uma categoria fora da curva: a Auto-indulgência, em que nos fala mais a sua alma e menos a linha editorial. Se errei na conta, considerem: esse livro dá uma sede danada.
Nas outras categorias, pura e generosa prestação de serviço, como nos vinhos que indica para a pizza (Lapostolle Chardonnay), para o frangão assado ou para o churrasco (Pulenta Estate III Cabernet Sauvignon), no quadro Harmonizações de fim de semana. Há ainda as seções No supermercado, Para ter sempre e Para beber gelado. Em cada rótulo sugerido, a indicação de onde comprar e, por fim, um servição das importadoras para entrega dos rótulos selecionados mesmo espírito do livro: online.
Polenta tem várias identidades e algumas personalidades. Na primeira, ingredientes e técnicas, partindo-se da clássica dos puristas, a farinha de milho com água, para as variações menos rústicas, com leites, cremes ou manteigas. Antes do milho, escritos antigos, inclusive o divertidíssimo Notas de Cozinha de Leonardo da Vinci, falavam em formatos, que iam da papa rala (muitas vezes a única refeição do dia) até os bolos cortados com fios. Ou em tiras fritas, base da primeira fase do preparado no Brasil.
Os escritos citavam ainda ingredientes diversos como milhetes, painços, castanhas, favas e grãos-de-bico. Mais recentemente, citou-se o trigo sarraceno, base da polenta taragna, que a Grande Enciclopedia della Gastronomia (grazie, Nicola!) aponta como valtellinese de origem. Entra aí a segunda questão, a da personalidade: há polentas que atuam melhor puras, que se combinam bem com queijos, cogumelos e ragus, que são excelentes acompanhamentos de carnes, especialmente as de caça.
No caso da taragna, as três qualidades transformam a iguaria em um pequeno espetáculo multiuso: envolvente, vale a colherada solo, em que o sabor pronunciado e a consistência granulosa mostra a diferença dessa polenta dos demais tipos. Aveludada, mistura-se aos queijos e ensopadinhos. Rústica, é adorável com carnes do tipo caça, como as costeletas de porco, javali ou, como no caso da foto acima, cordeiro. A receita abaixo, do chef Mario Batali, do Eataly, em Nova York, é elaborada. Mas o caráter do trigo sarraceno, que dá sabor, paladar e a bela cor escura, faz toda a diferença – inclusive no tempo de preparo.
INGREDIENTES:
2 xícaras de farinha de milho para polenta
1 xícara de trigo sarraceno
1,2 litros de água (aproximadamente 8 copos)
½ xícara de manteiga
3 colheres de sobremesa da mesma manteiga
120g de queijo crescenza ou similar.
MODO DE PREPARO:
1. Aqueça o forno a 180 graus
2. Unte um tabuleiro com a manteiga das colheres.
3. Misture bem as farinhas de milho e de trigo sarraceno
4. Em uma panela grande, ponha a água para ferver
5. Misture lentamente a mistura de farinhas, batendo furiosamente com um fuet.
6. Cozinhe até a consistência (e temperatura) de uma lava.
7. Já com uma colher de pau, misture o resto da manteiga e o queijo.
8. Mexa bem e passe para o tabuleiro untado.
9. Leve ao forno por não mais de 10 minutos e devore imediatamente.
Ciúme e bairrismo não têm encontro marcado entre pratos, muito menos entre copos. Mas temos um pouco de vinhas, com nossas próprias reações ao sol quente. Ou às chuvas frias. Uma delas, para mim, foi a saída do crítico de gastronomia François Simon do Le Figaro, não importa a qualidade da substituição. É natural ser bairrista com quem sai e ciumento com quem entra.Especialmente à mesa.
Para o leitor, é largar uma zona de conforto à força – e ser lançado, por exemplo, a desconfortos como a matéria de capa da última Wine Spectator, sobre champanhe. Dura, técnica, sem o que a bebida mais transmite: prazer. E prazer é o que nos trazia o Simon, que tinha a liberdade para tiradas como essa, que reproduzo abaixo, com os dez mandamentos do champanhe, mais atual do que nunca mesmo depois de dez anos de publicado, no caderno Madame, do jornalão francês.
Concorde com uns, discorde de outros, discuta todos. Mas o fato é que a liberdade do críticoera tanta que os dez mandamentos tornaram-se onze…
1. DECANTAR
Não é crime. Desde que seja um vintage e procedido com a leveza “glissante” de uma dama ao sentar-se com graça em um evento de gala.
2. CURTIR A SÓS
Indicado para dias tristes. A gente desperta para a vida como uma arrancada de um carro.
3. GELE-O
Sem medo do paladar ou do olhar desaprovador do sommelier, como fez Hemingway. Gelar, sim; congelar, nunca.
4. DEIXE O DEMI-SEC
Mas não o ignore. É uma questão de guardá-lo brevemente, para que a sua dimensão açucarada cuide do resto e reserve boas surpresas para o futuro próximo.
5. ANTECIPAR
Ao mesmo tempo em que abre o apetite, é leve e celebra os convivas.
6. LEVE-O À MESA
Se começou com ele, por que não continuar com ele? É um companheiro experiente, que viu lágrimas, alegrias, misérias e momentos fulgurantes. E sabe sentar-se à relva e, na companhia de um salame, manter a mesma majestade da companhia de ostras, peixes, queijos e sobremesas.
7. DEIXE-O EM SUA INOCÊNCIA
É um vinho à parte, à prova de expertos, considerações e grandes análises, a não ser a de prová-lo, fechar os olhos e abre em outro universo.
8. ESQUEÇA TUDO
Esqueça as regras do vinho. O champanhe não os observa e até os contraria, por ter várias origens, por confundir suas pistas, por serem tão iguais, mas tão diferentes. É um vinho para a cabeça, que prefere sonhar em outros vinhedos.
9. LIBERTE-O
A vocação do champanhe é ser liberado para a vida. Não deixo de sentir compaixão pelos amadores que me exibem, orgulhosos, suas adegas de champanhe.
10. PELA BELEZA DO GESTO
O champanhe não é uma bebida de roqueiros. Não é coincidência, por isso, que seja personagem de Flaubert, Maupassant ou Fitzgerald, ou que prefira a nobreza do salão ao agito urbano. É um vinho ereto e que conduz, naturalmente, o gesto elegante.
11. ASSUMA O LADO FEMININO
O champanhe nunca foi um vinho viril. Começa aí a sua ligação íntima com as mulheres, que entendem em sua companhia uma dose de magia, um breve de sonhos solúveis, um brilho de inteligência comunicativa e uma fonte de surpresas e momentos inesperados.
Uma parte do Rossio, em Lisboa, está de volta às suas tradições. Não que as formas da Praça da Figueira tenham mudado algo nos últimos tempos. O que aparece como documento para quem sempre comeu bem naquelas cercanias é o cardápio do novo restaurnte de Olivier Costa, o Honra.
A badalação segue os rastros do inquieto empresário, que já bateu de frente com o Governo Português em algumas situações, entre elas o fechamento temporário do Guilty, com o qual lidou com homor e ironia fina, levantando a cidade a seu favor. Por isso, faça a sua reserva, pois o homem é bom de marketing mas também de cozinha. E a elegância de luzes discretas e das cadeiras baixas do novo endereço inflam a sua audiência.
Divida os pratos para multiplicar as experiências. Peça vários. Comece com os embutidos, que chegam fartos, com chouriços, morcelas e alheiras. Se sentiu falta das alheiras, ela pode chegar na experiência maior da casa: com os ovos mexidos e tomates, em ponto cremoso, perfeito.
Entre os pratos principais, há fartura em todos, do bitoque, a contribuição lisboeta para o filé a cavalo aos serviços do bacalhau à lagareira e das plumas de porco com purê de maçã e arroz de grelos. Há ainda o polvo panado, que chega em um vaso de centro de mesa – mais convite ao compartilhamento. Chega com um prato que vai impressionar o brasileiros, que apreciarão o sabor, mas vão estranhar o formato e a sua completa falta de relação com o sobrinho brasileiro: o arroz DE feijões.
Ficamos a dever experiências que nos chamavam o paladar: a saladinha de polvo, as favinhas guisadas com entrecosto, a açorda de gambas, o arroz de tamboril com lingueirões e camarões. E todas as sobremesas.
A ementa é simples, mas o ambiente é o que se espera de um bistrô moderno, de linhas contemporâneas, inclusive a do bar, de curvas sem destino. E de recepcionistas chiques no penteado e no tratamento blasé – olho no computador e na lista de reservas, mal fitam o cliente. Mas isso faz parte – o gourmet carente deve deixar isso tudo de lado, especialmente se estiver no salão da entrada, em que o volume do DJ não será tão alto. Para a digestão, um passeio pela Baixa, logo ao lado.
Conheçam o Nigl, rótulo simples, quase o apelido de um vinho que o produtor apresenta como um pedigree de cachorro da rainha: Weingut Nigl Privat Senftenberger Pellingen Kremstal Grüner Veltliner. Ah, sim, faltou o 2011 e – e a hora é essa, tem a sua prova recomendada até 2014, segundo a Wine Spectator. Esse branco chegou como uma curiosa opção no generoso wine pairing do menu degustação do restaurante Atera, que esta editoria vai logo avisando: é o melhor restaurante de Nova York.
Se todos são definitivos em relação à uva sugerida, a grüner weltliner, é melhor pensar duas vezes diante desse rótulo – e da vinícola, premiadíssima pelos vinhos de uvas passificadas. A rigor, o nome diz tudo: grüner é alemão e significa “o mais verde”. Veltlin é a referência que os austríacos fazem a uma de suas regiões vizinhas na Itália, a Valetllina, no extremo norte da Lombardia, bem conhecida pelas carnes frias que encantam os gourmets.
Em ambas as expressões, vale a tradução direta: o frescor dessa uva branca, que marca os mais modernos vinhos da Áustria com duas outras notas: a acidez e os minerais. É um dos poucos vinhos que desafiam os seus equivalentes nos restaurantes franceses, mas pode ser encontrado em cartas nobres de Londres, nos restaurantes estrelados da Suíça .
No caso do Atera, foi diferente: o motivo da sugestão era um sashimi do chamado diver scallop – uma vieira selvagem, colhida por mergulhador, livre da infestação das fazendas. Delicadeza de uma tez. Na guarnição, uma couve fermentada, uma gênese do kimchi. Mas o vinho não veio vibrante como seu sangue azul determina dos wikipedias. Veio limpo, de aroma ligeiro e, sim, fresco. Mas com leveza (inclusive o do álcool baixíssimo) para levantar a vieira – e a estrutura necessária para dar o colorido do repolho.
O sommelier Scott Cameron explicou o porquê da escolha: a combinação. Pura e simples, sem alquimias ou dogmas acadêmicos, que afastariam, na teoria, aquele prato e aquele copo. “Experimentamos dois saquês da carta, mas achamos que eram mais adequados com outros pratos, enquanto o austíaco era mais adequado para o sashimi”. Ponto para a dissonância, da qual os vienenses entendem bem desde Mozart. “É bobagem ficar exibindo rótulos caros, quando temos tantas delightful combinations“, arrematou Cameron, ipsis literis.
Rótulo: Nigl Privat Grüner Veltliner 2011
Produtor: Weingut Nigl
Região: Kremstal
País: Áustria
Corte: grüner veltliner
Estágio: 4 meses em barricas novas
Álcool: 9,5%
Cotações:
Wine Spectator: 91
Jancis Robinson: 18/20 (2005 – não fizeram degustações posteriores desse rótulo)
Wine searcher: 93
Falstaf Magazin: 92-94
Talheres: 88-85 (Abriu bem, exuberante, com frescor, flor e frutas. Mas senti falta de acidez e desaparecimento dos aromas no fim)
A rigor, qualquer tipo de flor de campo ou de árvores em florestas é uma matriz de pólen para o mel. Mas a história soube selecionar alguns dos tipos mais característicos, seja pelo perfume, pela untuosidade, pela cor, pela característica medicinal. Nas origens, flores, puras e simples, árvores de aromas sutis como a acácia ou proeminentes como o eucalipto ou ainda ervas como a sálvia ou o alecrim. (Fonte: A Enciclopédia dos Sabores)
Acácia
Mel de cor clara e muito doce pela concentração de frutose. É produzido com o pólen das flores dessa árvore, que liberam um princípio conhecido como metilcetona, o mesmo que se sente em alguns espumantes recém-abertos. É também uma das características de três apelações europeias, o Miel de Provence, o Lunigana e do Dolomiti Bullunese.
Aguinaldo
Variedade de mel de cor bem clara produzido no México, a partir de pólen da planta do mesmo nome, que floresce na época da Páscoa.
Alecrim
Ou mel de rosmaninho, como se diz em Portugal. É um mel de tom floral, apesar da personalidade herbácea de sua origem. É um dos tipos que integram o Miel de Provence..
Alentejo
Leque de quatro tipos de mel produzidos na região de Évora, durante as floradas de árvores como o eucalipto e a laranjeira. E de arbustos como a soagem e o alecrim. Sua apelação Mel do Alentejo DOP é reconhecida desde 1996.
Alfafa
Diz-se do mel produzido próximo aos campos dessa erva forrageira, mas que ganhou notoriedade ao rechear sanduíches naturais. Pela cor clara e a doçura sutil, é uma das variedades mais indicadas para adoçar o chá.
Assa-peixe
Se o mel é considerado uma panaceia contra doenças respiratórias, há a chance deste mel ganhar o aroma do ‘assa-peixe’, uma erva da família do boldo, que transmite aromas agridoces ao produto.
Dolomitas
Ou Dolomiti Bullunese, referência à região dessa vertente alpina da região do Vêneto. Conta com aromas florais – acácias, tílias, rododendros e dente-de-leão – e cor entre o amarelo-claro e o âmbar, além de consistência macia, como prevê o descritivo de sua Denominação de Origam.
Eucalipto
Mais comum de todas as variedades de mel, é também o mais herbáceo e o mais apreciado na panaceia contra corizas e resfriados, reflexo das propriedades já conhecidas do eucalipto. É um produto conhecido também por suas propriedades anti-inflamatórias.
Flor-de-laranjeira
Uma das mais antigas variedades de mel puro, já era apreciada pelos persas e tornou-se uma das mais comuns da atualidade. É também marcado pela cor escura de castanha.
Framboesa
Diz-se do mel produzido próximo de framboeseiras selvagens. Ganha o aroma da flor da fruta e uma cor clara e brilhante, quase cítrica.
Galícia
Miel de Galicia, na denominação original desta IGP do extremo noroeste da Espanha, marcada pelos tons escuros e por aromas de flores de amoras, dente-de-leite, eucalipto, urze e castanheiro.
Hissopo
Erva mediterrânea muito usada no Oriente Médio, especialmente pelos povos do Levante. Seu sabor, que remete a alcaçuz, hortelã e tomilho, é aplicada na composição de molhos como o ‘zattar’ e em elixires e licores, entre eles o lendário Bénédictine e certas fórmulas de absinto. Alguns apicultores mantêm plantações de hissopo próximas às colmeias, pelo festejado mel que proporciona.
Lunigana
Ou Miele dele Lunigana, apelação do norte da Toscana protegida por selo DOP. É produzido a partir de pólen de flores de acácia e resulta em um mel fino, de cor muito clara e de aromas florais e levemente abaunilhados.
Medronho
Fruta silvestre cujo travo amargo é transferido para o mel de seu pólen (na Sardenha, o ‘miele amargo’) e para as aguardentes de seu mosto. Na aparência, é redonda e pequena como um limão, mas de casca vermelha e reticulada como a de um morango. Integra a corte do mel português conhecido como Serra de Lousã.
Pinho
Outra árvore que proporciona um mel de forte sabor herbáceo e de propriedades igualmente expectorantes, o que o torna indicado para o tratamento de gripes, resfriados e problemas respiratórios. No Brasil, é raro, pois as suas melhores variedades são, compreensivelmente, as do norte da Europa e do Canadá. A apelação Miel de Sapin des Vosges, desse mesmo tipo, é protegida pela União Europeia com selo IGP.
Polonês
Ou, originalmente, Miód Kurpiowski, tal como é reconhecido pela União Europeia, sob o selo IGP. É produzido em torno de diversas localidades da régio centro-leste da Polônia. Tem a consistência fina, cor amarelo-palha e paladar levemente picante.
Provence
Ou Miel de Provence, como prevê a chancela IGP, concedida pela União Europeia, em 2003. É um produto essencialmente floral e pode ser produzido por flores de plantas tão distintas quanto a colza e o alecrim ou como a lavanda e a sálvia
Sálvia
De apiários vizinhos a canteiros dessa erva muito aromática, que confere um aroma refrescante, que lembra a hortelã, e uma cor um pouco mais clara do que a do âmbar. É conhecida por ser um mel de propriedades tonificantes.
Serra de Lousã
Denominação de todos os tipos de mel da região de Beira Litoral, no concelho de Coimbra, em torno da cidade de Lousã. Lá, colhe-se o mel de cor escura, produzido com o pólen de árvores como o pinho, o zimbro, a bétula, a oliveira, a castanha e vários tipos de carvalhos.
Sapin des Alpes
Uma das poucas denominações de origem protegidas na Europa. Seu caderno de obrigações acusa um mel de textura fina, cor castanha e paladar maltado, resultado do pólen de pinhos da região montanhosa dos Vosges, que divide a apelação entre as regiões da Alsácia e da Lorena.
Tília
Conhecido no exterior como. As variedades mais conhecidas no Brasil são importadas sob o rótulo “linden honey”, embora suas variedades mais apreciadas sejam as sicilianas e as dinamarquesas.
Em qualquer café do mundo, discute-se a globalização com uma faca sempre afiada contra os americanos, mesmo que, na maioria dos casos, não se saiba o porquê, especialmente quando a discussão acontece em um fórum tão prosaico quanto a mesa de um Starbucks . Mas quando a discussão termina, diante de uma xícara de café, essa globalização tem sotaque italiano.
Esse “imperialismo selvagem” do cafezinho chega na forma dos expressos, dos lungos, dos cappuccinos, dos ristrettos. Mas na França, os núcleos de resistência chegam na forma da tradição, às quais os turistas, reverentes se rendem, desde que devidamente instruídos com a lista abaixo, extraída da Enciclopédia dos Sabores. O porquê dessa lista pode ser comemorativo. Afinal, em 1713, há exatos 300 anos, o rei Luís XIV conhecia o primeiro ramo de café jamais chegado à França. De lá pra cá, vejamos o que a corte nos trouxe de produtivo.
Café allongé
Diz-se do espresso (café noir) pingado por um lance de água.
Café americain
É um café mais fraco do que os demais, preparado normalmente mas servido com um sopro de água quente. É uma das formas de café allongé, mas com a depreciação típica dos adversários: em São Paulo, esse tipo de café mais fraquinho é conhecido como “carioca”.
Café au lait
Tradicionalmente, é o café coado com leite, servido em “bol”, uma tigela pouco maior do que um xícara grande – e sem alça. Hoje, pode ser um equivalente malvisto do latte, em que o leite predomina na divisão com o espresso.
Café crème
Antiga grife de sofisticação, tornou-se uma opção secundária de serviço de espresso, servido com creme fresco.
Café faux
Literalmente, “café falso”. É uma referência raivosa que se faz ao decafeinado.
Café filtré
É o equivalente, raríssimo, de nosso café coado. Mas não se pode comparar ao nosso, pois as torras são diferentes e podem resultar em um café mais fraco.
Café glacé
Fórmula exótica de se servir o espresso: sobre gelo e algum leite. É uma idéia de origem oriental, especialmente dos vietnamitas, que vertem o café em copo longo, sobre gelo até a boca e leite condensado, que é mexido lentamente.
Café léger
O mesmo que café allongé ou americain
Café noir
É o café preto, espresso na esmagadora maioria dos casos. Nos cardápios, o modelo pode constar como café express.
Café noisette
É o espresso servido com um pingo de leite, que gera uma mancha com cor de avelã – conhecida pelos franceses como noisette.
Café serré
A expressão significa, literalmente, “café concentrado”. É o mesmo café espresso de uma xícara comum, mas preparada com uma quantidade menor – às vezes apenas a metade – de água.
A rigor, termina neste fim de semana o São Paulo Burger Fest. Na prática, a coisa não é bem assim. Pelo que eu vejo no newsfeed de pessoas que eu sigo no Instagram, o festival começou muito antes de seu início oficial. E parece que, apesar das datas previstas para encerramento, não vai terminar nunca.É uma versão silenciosa, em farra particular, de deselegância nada discreta, como todo carnaval deveria ser.
Não importa se é segunda-feira ou domingo, a rede nos atormenta com um desfile de hambúrgueres paulistanos – sedutores, sensuais, lascivos, devassos, oferecidos, graças a fotos no melhor estilo porn food. Sigo pessoas que não admiro por ainda estarem sãs e salvas de tanto hambúrguer que degustam, como Ivan Marchetti, Fabio Moon e outros que, intimente (para minha alegria) ainda naõ conheço (para minha desgraça).
Em cada uma dessas imagens, há a tensão de um momento fascinante, o da primeira mordida. E o êxtase pós-satisfaction do último pedaço, que já se mastiga lentamente, com apenas uma distante expectativa: qual seria o próximo hambúrguer. Ou cheeseburguer, já que o original praticamente desapareceu sob camadas criativas de queijos e seus quejandos: guarnições, relishes, cole slaws, batatas fritas, a grandiosidade do foie gras e a moda da estação: o chutney. Z-Deli, Twelve Bistrô, Meats, La Grassa, Santo Grão e Parque São Lourenço, aqui ilustrados, integram essa minha onda de ansiedade
Devagar, o Rio começa a mostrar as suas caras sujas de ketchupe. Mas ainda em demonstrações tímidas, restrita a poucos corajosos, como o Pipo, o Bazzar e a Roberta Sudbrack, com suas leituras do wagyu. Ou o angus do T.T. Reserva ou do esquecido Joe & Leo’s, todos eles novos e velhos guerreiros contra os pobres similares de pacote, que povoavam B.B.s e Bibis, mas que começam a chegar com suas soluções com picanhas, fraldinhas e outros cortes bacanas.
O gourmet que viaja volta sempre com uma pequena ponta de dúvida na bagagem, depois de ir a um restaurante de decoração leve e inteligente, de paladares intensos mas simples, atendimento charmoso de adega bem escolhida e bem sugerida – e que se possa ver e ser visto, enfim, um lugar. -“Por que não temos restaurantes assim por aqui”. É impulso, sabemos, pois há muitas casas assim no Brasil, como o Mani e o Bazzar, e que não estão necessariamente no eixo Rio-São Paulo – ou no eixo Jardins-Ipanema, Leblon.
Muita madeira de construção nos móveis, pisos em pedra curtida, jardins expostos, janelões abertos sobre a Guanabara e está montado o cenário de padrão internacional do Térèze, no topo do Hotel Santa Tereza, que mostra há 5 anos o alto de um Rio que mostra as suas caras: a moderna do local, o antigo da região. Ficou combinado com a sommelière Livia Guerrante que os vinhos seriam de boa relação custo-benefício e os pratos, alguns dos mais populares do cardápio do francês Philippe Moulin, que veio de temporada no México com suas ideias de chipotles na mão e um belo guacamole na cabeça.
Ambos chegaram logo em uma das entradas, com o tartare de salmão fresco, a pimenta no molho e o mole na guarnição, em combinações finas de sabor e textura, talvez menos do que em um “Arriba, Mexico” e mais como um “Viva la Francia”. Na apresentação inclusive, que foi campeã de audiência no registro feito no Instagram. No copo (de agora em diante, será restrito e policiado o uso da palavra harmonização) , um Amalaya em inesperado corte riesling-torrontés.
Porto e foie gras não são combinações famosas, mas o vinho chegou à mesa na forma de uma gelée que cobria a terrine da iguaria máxima da nossa existência – não a dos humanos, mas a dos humanistas. A fatia, como a de um bolo é linda e dá cada nível dos contrastes entre os doces, os salgados, os acridoces e os trufados, este o do vinagrete. Chandon rosé para o brinde e para o frescor das combinações.
A vida no México foi boa para o chef Moulin. Especialmente para dicas como a do preparo da lagosta, que chegou como o nome prevê, rosada, não em algum molho, mas no preparo. Nem em Paris se vê assim: delicada, com o rosado que Zeus lhe deu. A guarnição, o risoto de moqueca, deveria ser um prato à parte pela qualidade do resultado: a força do risoto sem o exagero do dendê, que, mal usado, amolece nossa boca e a nos condena a dois dias de paladar cego.
De qualquer forma, duas soluções bem adequadas à alegre transgressão de Lívia ao nosso acordo de custo: um pouilly fumé com T maiúsculo, literalmente, o Mademoiselle de T, com a garra dos minerais, uma acidez esplêndida e mais um rótulo que nos livra da ditadura do sauvignon blanc do tipo Maguary, com tintura de maracujina, insônia na certa.
Mais um prato “dois-em-um”: o principal, o cordeiro em crosta de castanhas, e seus acompanhamentos, a polenta branca frita e a batata-doce picante. Gagnaire e Ducasse sempre se preocuparam com isso: fazer valer cada item como se cada um fosse o principal. A prova fica nos pratos – ou não fica: tudo raspado, do crocante da castanha à folhinha que cobria uma tendência para esse tipo de carne: a costeleta e mais um petisco da costela. Desconstrução inteligente é isso aí.Tudo combinado com um belo Côtes-du-Rhône Les Abeilles, com sua syrahs e grenaches sempre calientes.
A sobremesa de cupuaçu já tinha revertido um efeito que o Bazzar, supra-citado, já tinha conquistado: a minha simpatia por esse primo menos reconhecido do cacau. Em ambos os casos, o excesso de acidez foi devidamente domado e o perfume dos grãos, sempre muito forte, tornou-se delicadíssimo. No acabamento do Térèze, uma fatia de mousse da fruta com seu leite, crumble de castanhas e um shot de capim limão com pinga, com canudinho e tudo.
Esse cardápio-degustação deveria ser adotado. Fusão é outra expressão em vias de banimento nesse veículo, mas cabe no caso, com as frutas e castanhas brasileiras e as fórmulas e condimentos mexicanos bem equilibrados pela técnica francesa, em estilo que calaria a boca do nosso personagem nada fictício do primeiro parágrafo. Dois créditos, um à casa, outro ao Bruno Agostini, guerreiro da gastronomia carioca, paladino intransigente da qualidade, amante nada secreto da criatividade. Sem ele, esse post seria impossível.
Fazia tempo que o beaujolais nouveau não chegava com tanta badalação no Brasil. Era uma sensação, em idos de 1998, quando Zózimo Barroso do Amaral deu na sua coluna, já não me lembro se no Globo ou no JB, que o Boni reuniria amigos no Antiquarius – ele inclusive – para degustar uma caixa que mandara vir para o almoço. Por volta de meio dia, um batalhão de jornalistas se acotovelava na porta do restaurante para cobrir aquele evento. “Isso é uma brincadeira, nem pode ser chamado de vinho”, disse, tentando dispersar a imprensa para poder comer e beber em paz.
Como todos registravam qualquer expressão facial sua e anotavam furiosamente o que ele dizia, Boni viu que seria boa ideia falar logo. “Nem a declaração de guerra do Brasil ao Eixo reuniu tanta imprensa”, notou um de seus companheiros, Luiz Eduardo Borgerth. Mas ele chamou os jornalistas no bar e deu logo a ficha, tentando manter o tom sério: leve, boa acidez, notas de morango, groselha e banana. – Banana?, exclamou uma repórter, aumentando ainda mais a comoção. No fim, deu tudo certo, todos voltaram correndo às redações e o almoço não foi pro brejo – mas virou capa no dia seguinte.
Eram outros tempos, de vinhos ainda escassos e conhecimento a respeito, mais ainda. Com a popularização dos rótulos e suas origens, com a colaboração de algumas séries de dólares amigáveis no câmbio, com os esforços dos restaurantes e até do varejo, aumentaram qualidades, exigências e atenções da parte do respeitável público. E a chegada do beaujolais nouveau caiu no ostracismo. Uma ou outra pizzaria envergava o bordão “le beaujolais nouveau est arrivé”. Mas aí é que a porca torceu o rabo. Hoje, 15 anos depois daquele almoço no Leblon, a curiosidade é tanta em torno de qualquer coisa nova que preencha uma taça que a festa desse vinho novo, agradável, adorável, às vezes, mas de pouca duração, fez um sucesso danado.
Ajudou, claro, o sorrisão brejeiro do chef Roland Villard, embaixador do vinho no Rio, mas o fato é que o apelo foi atendido e o público lotou a Rue de Beaujolais, um evento realizado no Miranda, casa noturna do complexo Lagoon, com comes e os bebes servidos como convém à tradição: na meia-noite da terceira quinta-feira de novembro, horário dos vinhedos de gamay. É capricho institucional mas não obrigatório, já que a prova do vinho novo é motivo de celebração em qualquer terroir, de qualquer região. É celebração ancestral, como a que comemora o sucesso das colheitas, as mesmas que deram origem às nossas festas mais adoradas, o Natal, a Páscoa e, como no caso que agrega o beaujolais, o Carnaval.