Gastronomia aplicada sobre os pratos da minha mãe, no aniversário dela, 13 de agosto, dia do bom gosto. Nas três primeiras fotos, um vôo rasante sobre os brigadeiros da @noccacafebistro Intensos, macios, derretem na boca. Quase um ganache.
Na ultima imagem, um close sobre o bolo de pão de ló finalizado com merengue. Delicado e elegante, tanto na apresentação quanto no açúcar, como convém à mais moderna confeitaria. Talento da @ilanabelaciano Queridíssima colega dos tempos de Hotel Intercontinental.
O prato do brigadeiro? #minhamãeéartista Mais recheios em @mariaaugustareb
Olhem bem para esta garrafa. É umas das 383 que a brava Vanessa Medin produz no Vale dos Vinhedos.
Cru, não-filtrado, extraído, e seco como um grande uísque, de aromas que intensos mas discretos, mais ou menos o que o Chanel nr. 5 da Marilyn Monroe quer de ser quando crescer.
A boca tem salinidade, antes até do que a mineralidade clássica de algo que um grande alsaciano alcançaria.
Acidez, neste caso, é a chave para a elegância, a persistência, a profundidade e a dupla face deste vinho, que circula entre o rústico chique e o refinado casual.
Uma chave para o céu deste vinho: tome metade e guarde a outra metade, devidamente fechada e refrigerada por três dias. Depois, enxuguem as lágrimas e me agradeçam.
Seria uma simples versão do cheesecake dos americanos se não fossem os pequenos toques que o chef Paolo Lavezzini deu quando estava na casa. É o caso do limão-taiti, no lugar do limão siciliano, é o vinho branco doce no lugar do seco, é a sequência cuidadosa dos ingredientes. Se ele não emprestou o timing e o feeling de cada etapa, é por generosidade, para que o leitor possa despejar a própria doçura de sua arte.
Ingredientes para o tortino:
300g de cream cheese
90g de açúcar
2 ovos inteiros
70ml de creme de leite
6 gotinhas de limão-taiti
4 fatias de pão-de-ló
4 aros sem fundo, de 7cm de
diâmetro e 4cm de altura
Ingredientes calda:
200g de framboesa
40g de açúcar
80ml de água filtrada
10ml de vinho branco doce
A calda:
1. Coloque a framboesa junto com açúcar e água em uma panela.
2. Tire ao levantar fervura.
3. Bata no liquidificador e coar na peneira.
4. Acrescente o vinho branco.
5. Deixe gelar para servir.
Tortino:
1. Bata o cream cheese com açúcar e incorpore os ovos, um por vez.
2. Acrescente o creme de leite seguido do suco de limão.
3. Coloque em cada aro sem fundo uma fatia do pão-de-ló, forrando todo
o fundo do aro, para que não vaze.
4. Pingue o creme em cada aro.
5. Cozinhe em forno brando, durante 30 a 40 minutos até a tortinha ficar no ponto de pudim.
6. Coloque em seguida na geladeira para deixar a consistência firme.
Montagem:
1. Jogue um pouco de açúcar sobre o “tortino” e caramelize esse açúcar com o maçarico.
2. Desenforme o tortino do aro e disponha no prato.
3. Regue ao lado com a calda de framboesa e guarneça com galhinho de hortelã.
Receita publicada na edição Inverno 2013, da revista Quadrilátero.
Mais uma experiência esplêndida com a linha Matiz, da Vinícola Hermann. Aqui, um corte de tintos com tempranillo no comando, mas na rédea curta mantida pelo cavaleiro Anselmo Mendes. Sim, o mestre jedi dos vinhos verdes é consultor deste projeto e, como não poderia deixar de ser, do Matiz Branco, da casa…? Adivinharam: alvarinho. Evolução na cor e no paladar, maciez no nariz e na boca, em uma complexidade incrível, extraída de um corte moderno, dos ibéricos tempranillo e touriga nacional com as cabernets franc e sauvignon. Sugestão valiosa da AmaiVinhos até pelo preço, surpreendentes 75 reais.
Em Zaragoza faz um calor danado. Por lá, vinho encorpado, daquele que nos deixa exausto no segundo copo, não tem muito ibope. Em terras tão “calientes”, a saída é o frescor, a simplicidade, a leveza e até um toque de criatividade, como nesse blend que pouco se vê, de chardonnay com macabeo.
Não por coincidência, macabeo é um dos ingredientes da cava, o alegre espumante espanhol – ou, mais corretamente, catalão. Na nobre Rioja, é a badaladíssima “viura”, onde têm a mania de imitar Bordeaux, encharcando o vinho com madeira. Como essa aí não tem, vale a prova das duas uvas, nuas e cruas, em um vinho fácil, divertido e revigorante.
EXTRA: Segundo me informou o sommelier Amauri, o perfil @vinho.estilo tem o rótulo por 77 reais por unidade, na caixa de seis. Oportunidade informada em edição extraordinária.
Vinho de taça premiado é coisa raríssima. Mas no Gajos d’Ouro, bem escolhidos que são pelo sommelier Lima, chegam com as melhores cotações. Este aqui, o Val da Ucha 2016, abocanhou 90 pontos da Revista Adega pela leveza, profundidade e a beleza de sua cor rubi.
O curioso é que não temos um vinho de autor ou sequer do planejamento do produtor. Trata-se de um rótulo feito sob encomenda da World Wine.
Pela graça na boca, pela leveza no paladar, pelas frutas gentis em todo o percurso e sem o fardo das complicações, seria o tipo de vinho que, para os que cultuam esse tipo de sandice, poderia ser considerado como um tinto de verão
Alfrocheiro, jaén, tinta roriz e touriga nacional é o naipe responsável por esse conjunto. Dizem que o Dão é a Borgonha de Portugal. Como na região francesa, tão amáveis de degustar, mas tão difíceis de se fazer. E, para nós, tão nobres de se servir.
RÓTULO: Val de Ucha
PRODUTOR:
SAFRA: 2015
PAÍS: Portugal
REGIÃO: Dão
CASTAS: Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro e Jaen
ESTILO: Tinto leve
ÁLCOOL: 13%
VINIFICAÇÃO: Cuba de Aço, 16 meses
FORMATO: Borgonha
QUEM TRAZ: World Wine
PREÇO NA ÉPOCA DO POST: 16 dólares
https://www.worldwine.com.br/v-port-val-da-ucha-tt-dao-doc-750-024275/p
Secura do tanino jovem e de uma estrutura maior que a uva traz. É de se espantar que algo tão saboroso e profundo pudesse irritar tanto alguns representantes da realeza ao ponto de fazer com que a gamay fosse banida da Borgonha, em detrimento da pinot noir, que reina, desde então – a não ser, claro, que terceiras intenções ou interesses estivessem envolvidos.
A fruta é franca, de posição e de doçura, de acidez e de postura, em cor elegante e belíssima textura, nesse gamay da Morgon, Côte Chanaise, com assinatura de Dominique Piron. Mas todas essas delicadezas existiam antes? Há similaridades entre as castas, tanto na cor das cascas finas quanto na fruta rica e exuberante que as duas uvas entregam com tanto vigor?
Quem sabe esse rótulo não guarda segredos dessa história passada, quem sabe não revelará histórias futuras, inclusive a da reabilitação da uva gamay, tão valorosa no Beaujolais, quanto na grande curva de um rio insuspeito, com nascente ali do lado da Borgonha, o Loire?
RÓTULO: Morgon
PRODUTOR: Dominique Piron
SAFRA: 2018
PAÍS: França
REGIÃO: Côte Châlonnaise, Beaujolais
CASTAS: Gamay 100%
ESTILO: Tinto leve
CLASSIFICAÇÃO:
ÁLCOOL: 12,5%
VINIFICAÇÃO: Carbônica
FORMATO: Bourgogne
QUEM TRAZ: Decanter
Na Grécia, renovação é coisa séria. Se está lá um dos berços do vinhedo do Mediterrâneo, está lá também uma série de rótulos modernos. É o caso desse Cava (nada a ver com o espumante espanhol), da linha Amethystos, da Domaine Costa Lazaridi, com vinhedos de 30 anos.
Está no Brasil pelo catálogo da GRK, especialista na vibração e na personalidade dos vinhos gregos. A uva, pura e notória cabernet franc, cumpre sua vocação fincando raízes duras em terras históricas tanto no humanismo como, agora, na estrutura, elegância e poder dos vinhos.
Já na aparência, um rubi profundo, hipnótico, vendedor da estrutura e densidade que sentimos na boca.
Para quem cozinha em casa, o frango assado é “match” romântico. Ou lasanha, nhoque ou o macarrão à bolonhesa. Se for pedir no delivery, arroz de pato. Prazer duplo tomar agora. E triplo se deixar guardado por um bom par de anos, no mínimo, ou mais para atingir o seu máximo.
Oeufs en meurette. Basicamente, um ovo pochê, dito “perfeito”, de gema elegante, servida com um molho à base de vinho tinto, temperos e croûtons de pão da casa. Mas por trás deste serviço simples há uma complexa história da gastronomia francesa, deste prato que já completou mais de 500 anos de trajetória.
É uma especialidade da região do Loire, mas que acabou sendo adotada também na Borgonha e no Rhône, onde a qualidade dos vinhos tintos prevaleceu aos brancos da antiguidade – as fórmulas originais envolviam o peixe do rio, como nos traz o Oxford Companion to Food, muitas vezes até as enguias, aves e até miolos de cordeiros e vitelas, como nos confirma o clássico Larousse Gastronomique.
Mas esse peixe original, sempre o de rio, era preparado com águas de minas de sal, ditas “saumures”, salmouras – ou, simplesmente, “mûres”, depois “meures” e, enfim, seu delicado diminutivo “meurette”, segundo as etimologias do século XV (antes mesmo da Descoberta do Brasil), resgatadas pelo Dictionnaire de l’Académie Française.
São histórias e origens suculentas, que se derretem em nosso imaginário como a gema que domina o prato, que, recomenda a etiqueta, deve ser degustado com colher, como no caso das versões do Venga e do Esplanada Grill, que traz a fórmula que ensinava a Ducasse Formation, com o oeuf mollet. Com a chegada do Le Cordon Bleu ao Rio de Janeiro, passou a figurar no cardápio do restaurante Signatures com uma gema de ovo ainda mais delicada.
Esse negócio de escrever muçarela porque é assim que os dicionários descrevem não me convence. Especialmente depois que Aurélio Buarque de Hollanda, citando um dos vários momentos de fraqueza xenofóbica do Saramago, grafou “cruassã”. Mas vamos ao Recreio, mais um episódio da série “pequenas iguarias, grandes espetáculos”.
Na dúvida, vou no original, “mozzarella”, palavra de paladar longo, expressão que derrete na boca, termo elegante por si só, como nesse cheeseburguer do ChegaAê, deslizando em um saboroso altar de costela, peito e gordura desse peito, degustado com um pint de Pipa Voada, da Suburbana, double opulenta, servida no bar ao lado, o Growlers2Go.
Conclusão sobra a mozzarella, maiúscula na construção e na moral contra a titubeante moçarela, sempre minúscula e rasteira? Nenhuma conclusão. Nem nesse nem em outros casos, em que o que manda é o bom senso.
Quando a palavra está estabelecida antes das globalizações e dos acordos ortográficos, como nos casos de uísque, vodca, saquê, drinque e coquetel, é porque são filhotes de uma época em que x, y e w estavam banidos.
Aí, acompanho os relatores e os melhores redatores: adoto o vernáculo. Os bons redatores fazem isso, observadas as linhas e recomendações editoriais de cada veículo.
Se for para ser radical e escrever whisky, vamos todos pedir uma водка Absolut e pedir um 酒 para acompanhar o combinado de sushi e de sashimi. Mas quando a palavra já entra aqui em sua forma original, transformá-la é burrice. Imagina só termos como iaquitore, carpáce, pinô nuar, suxi e, mais patéticos desses todos, o caçulé?
Para piorar a discussão, convencionou-se escrever, em português, o burguer, contra o “burger”, absolutamente inaceitável pela milícia nativista. Mas e o cheese, como fica? Com a palavra a desorientação causada pelas novas regras, “tchis” seria o mais correto – mas também o mais ridículo.
Falamos aqui de um dos vinhos da série Haut Peron, do rótulo Sauvignon Blanc. Uma ponta de marmelo, outra de pêssego e, para não dizer que não é um saugvignon blanc, uma pinceladade de alcachofra aqui e outra de pimentão ali. Mas o que vale é essa estrutura mineral, dura, quase salina da área de Tours – Touraine, para os expertos -, à beira do rio Loire.
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Tudo isso, a metros daquele que era o antigo paço francês, epicentro das cortes até que Versailles, por conta da órbita política de Paris, tomasse lugar. Ali, a raiz de cada uva da região guarda o peso histórico de uma área em que imperou François Ier, viveu Joana d’Arc, morreu Leonardo. Portanto, ali, bons vinhos é uma obrigação histórica, uma vocação artística, uma inspiração heroica.
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Acidez franca, presente da abertura ao último fundo de como. Mas sempre elegante – e elegância é a marca desse vinho de bela cor dourada, assinada por Guy Allion, produtor de vinificação fina, que Alan Hunt descobriu e inseriu no portfólio da importadora britânica Berkmann.
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Mais fineza no álcool (12.5%), na persistência na alma agradecida, na leve gordura de sua textura, na complexidade de boca, com sensações que vão da mordida em abacaxi ao esfregar de um capim. Tudo isso com leveza e, repito, elegância, postura, majestade, sob um manto límpido, cristalino, entre o citrino e 0 dourado. Quem já esteve na região sabe, pelo copo, qual a cor de um nascer do sol no Loire.
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RÓTULO: Domaine du Haut-Péron
PRODUTOR: Guy Allion
SAFRA: 2018
PAÍS: França
REGIÃO: Loire
ESTADO: Val-du-Loire
CIDADE: Tours
CASTAS: sauvignon blanc
ESTILO: branco fresco, sem madeira
CLASSIFICAÇÃO: Touraine, Val-de-Loire
ÁLCOOL: 12,5%
VINIFICAÇÃO: Unwooded
FORMATO: Lorrain
QUEM TRAZ: Berkmann Wine Group
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A receita é simples de pensar e difícil de executar, especialmente para aquilo que se presta um pão com ovo: a larica do fim de noite, o recurso derradeiro contra a ressaca inevitável. Exige um mínimo de destreza para deixar a gema naquela consistência mollet, como dizem os franceses, que não admitem a tradução para “mole”. É quase gelatinosa, mas fluida o suficiente para ligar-se com o pão torrado. Para degustar, prato fundo e, claro, colher. Essa receita é minha.
Ingredientes:
1 pão de forma
3 ou 4 ovos
Água o suficiente para cobrir os ovos em uma panela pequena.
Preparo:
Prepare o pão na torradeira e destrua-o furiosamente em um prato fundo.
Coloque os ovos na água fria e ligue o fogo no máximo.
Conte 8 minutos e retire-os.
Pegue cada ovo com um pano, quebre com a faca logo acima da metade.
Puxe a “tampinha” que se forma e tire, com uma colher de café, o ovo sem despedaçá-lo demais.
Abra cada um deles sobre o pão.
Ungir o altar com pimenta do reino preta e flor de sal.
Devorar imediatamente.
O conteúdo consegue ser mais bonito do que o grafismo deslumbrante do rótulo, um mapa do pequeno mundi do Friuli, nordeste italiano. De lá vêm o produtor Livio Felluga, a uva friulano e sua aula de dureza, extração, delicadeza, inspiração.
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Não há coisa mais genérica dizer que um vinho é gostoso ou até delicioso sem dizer o porquê. Que tal cítrico como uma laranja, manso mas intenso como uma manga, seco mas refrescante como um caju gelado. Esse é o perfil que vai do chão do nariz ao céu da boca do sauvignon blanc 2018 do Villagio Grando, uma das frentes catarinenses do (cada vez mais) chamado “vinho de altitude e do cada vez mais procurado “vinho de atitude”.
Safras curtas, vinificação rápida, sem as maloláticas que fariam toda essa fruta se perder – e impediriam mais uma frente de nossos vinhedos se encontrar.No fim da garrafa, pimentões e alcachofras regulamentares, aliados a um certo amargor denunciam a uva – não há circunstância que a contenha.
Mas a secura, o frescor e a acidez se mantêm adoráveis e excitantes, prontas para qualquer confronto com cítricos das mais diversas nuances, do escalopinho ao ceviche. Mexilhões, camarões e, principalmente, ovas de peixes, são pares perfeitos para o estilo.Impressionante o bem que a altitude faz ao sauvignon blanc – e até à criatividade de nossos designers, que deram ao rótulo deste vinhos um dos grafismos mais divertidos de nossos vinhedos.
RÓTULO: Sauvignon Blanc 2017
PRODUTOR: Villaggio Grando
PAÍS: Brazil
REGIÃO: Altitude Catarinense
ESTADO: Santa Catarina
CIDADE: Erciliópolis
CASTAS: Sauvignon Blanc 100%
ESTILO: Branco leve SAFRA: 2018
ÁLCOOL: 12,5%
FERMENTAÇÃO ALCOÓLICA: Puro inox, sem bullshit
FERMENTAÇÃO MALOLÁTICA: Nenhuma, Thank God!
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VINHO É A MAIOR DIVERSÃO
Reedição e amplicação da coluna LETRAS GARRAFAIS,
publicada no caderno Rio Show, de O Globo, em 26 de fevereiro de 2016
Domingo é dia de Oscar. Circulando pelos jornais americanos, muitos sugerem snacks e drinques para a festa, que, lá é sessão da tarde, mas aqui entrará pela madrugada. Posso até pensar em pipoca, mas não dispensaria o vinho. E me ocorreu que rótulos emblemáticos sempre entraram nos roteiros de filmes famosos como um sutil elemento de erudição de algum personagem e que, sem querer, acabam nos dando a dica do que tomar durante a festa da Academia.
É o caso de James Bond, que sempre andou às voltas com a Don Pérignon. Em Goldfinger, ele se agacha no frigobar para mais uma cuvée 1933 e critica a temperatura da garrafa, antes de ser derrubado por um inimigo: “tomar uma Don Pérignon 33 é o mesmo que ouvir Beatles sem almofadas para ouvidos”. Oscar de melhor do mau humor. Em outro filme clássico de nosso agente, “Os Diamantes são Eternos”, ele discute com o chefe o ano da uva de um jerez. Seu superior corrige Bond, dizendo que jerez não tem safra. Cínico, ele explica que se refere à safra das uvas: 1851.
Quem se lembra de Sideways, Oscar pelo Melhor Roteiro Adaptado, em 2005, vai se lembrar da cena em que o ator principal, que guarda há décadas um Cheval Blanc 1961 para uma ocasião especial, acaba abrindo a garrafa em um bar de beira de estrada, acompanhando um hambúrguer gordurento e degustando o vinho em copo de isopor. Merecia um Oscar de pior harmonização. Ainda durante o filme, o próprio roteirista causou uma sacudida no mercado de vinhos americanos ao urrar, através da fala histérica do personagem de Paul Giamatti: “Eu odeio merlot”!
Um Ano Bom é delicioso por atores e atrizes e seus amores pelos vinhos. O personagem de Russell Crowe, um bastardo arrogante, que só pensa em dinheiro, vai vender a propriedade em que o viticultor, que está ali há anos, serve o vinho ruim e guarda o vinho bom. Mas o melhor é o dueto do ainda garoto com o tio, Albert Finney, aprendendo a cheirar, degustar e a reconhecer o grande vinho. Oscar de filme mais encorpado.
No filme “Bottle Shock”, adaptação desastrada do livro “O Julgamento de Paris”, a estrela-tema é um vinho branco espetacular, o Château Montelena, que derrotara os cinco maiores chardonnays da Borgonha daquela época. Prefira o livro mas veja o filme, que só vale pela intepretação de Alan Rickman, que a criançada conhece como um dos bruxos do Harry Potter. Oscar de melhor desenho desanimado.
Mas falar de filme em que o vinho é o tema não tem tanta graça. O negócio é lembrar das citações em histórias sem qualquer relação com a bebida. É o caso de “Kingsman”, a sacada espetacular do roteirista, que reuniu o vilão milionário vivido por Samuel L. Jackson e o pseudo-James Bond vivido por Colin Firth. No banquete, Jackson serve, com pompa e circunstância, uma seleção de sanduíches do McDonalds. Com fleugma mais britânica do que já tem, Firth escolhe o Big Mac. “Grande escolha”, exclama Jackson, que completa: “Casa perfeitamente com meu Château Laffite 1945”. E o oponente rebate: “Você deveria tentar Twinkies com Château d’Yquem”. Tomei nota, claro. Um dia, vou ter condições de seguir a recomendação desse que é barbada para qualquer Oscar de melhor ficção.
Em outro banquete, o de Babette, o momento do jantar nos traz algumas sugestões, como o amontillado, vinho de Jerez que acompanha a sopa de tartaruga, a Veuve Clicquot 1860, que guarnece o blinis Demidoff (com caviar) e o Clos Vougeot que desfila com a codorna. Esse, sem brincadeira, foi Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1987 e inspirou o brasileiro Estômago, que tem na piada sobre o toscano Sassicaia, tomado no gargalo, por vingança, o seu melhor momento.
Em Scarface, o luxo em torno da personagem Elvira, de Michelle Pfeiffer, traz uma cena histórica da atriz, no auge do seu deslumbramento, pedindo a seu marido, um bandidaço, que pare com suas grosserias: “Não estrague o champanhe”
Mas talvez a mais recente referência de um grande vinho de cinema não esteja nas telas, mas nas mãos de um diretor. Ele é Francis Ford Coppola, feliz proprietário de uma das mais badaladas vinícolas de Napa Valley, na Califórnia, a mesma região enfocada no filme Bottle Shock. Ali, o diretor mantém não só uma adega de boa reputação, mas também uma galeria com itens de todos os seus filmes, inclusive os da saga Poderoso Chefão. Uma Disney completa para quem gosta de cinema e que já sabe, há muito tempo que vinho é a maior diversão.
O alfabeto do porco
Um compêndio que, de A a Z, extrai o que há de melhor nos cortes modernos e tradicionais da carne suína.
O chef inglês Fergus Henderson não sai da moda há mais de uma década. Ele é um dos líderes do movimento de resgate das finezas das carnes de porco, sejas as frescas, sejam as curadas em salmouras ou fumeiros, sejam os seus derivados, que se espalham pelo mundo na forma em um interminável rosário de embutidos, presuntos e salsicharias de todos os formatos.
Desse movimento, Henderson gerou a pesquisa que levou à publicação do livro The Whole Beast, From nose to tail, um dos maiores compêndios sobre o porco, que, tal como entendemos pelo título, é apreveitável do focinho ao rabo. Hoje, o chef lidera um universo de chefs que, aliviados das superstições contra o animal, nos trazem cortes novos ou resgatam antigos, livrando o respeitável público de um espetáculo restrito a lombos e costeletas.
De Portugal, chega um reforço extra, a moda do porco preto. É o reforço de um orgulho nacional, já que, garantem, é a matriz que os espanhóis levam para engordar e, já do outro lado da fronteira, gerar os requintes do presunto ibérico, o mítico pata negra. Mas os lusitanos também dão suas sugestões a Henderson através de um vocabulário bem novo, com cortes que vão das plumas aos mimos, das garras aos secretos.
Eles integram um vocabulário rico e saboroso, que, junto com as demais áreas de secular cultura suína – Espanha, Itália, França, Alemanha -, formam um mundo à parte na vanguarda da gastronomia.
Alheira
Enchido secular que, reza a uma tradição questionada, teria sido criada pelos judeus portugueses, como recurso para fugir à perseguição da Inquisição, que os reconhecia por não ter linguiças de porco secando à porta. As leis relaxaram, os hábitos se diluíram e a receita acabou por reincorporar a carne de porco. Robusta, farta e dobrada em ferradura, forma que assume ao ter as pontas atadas umas às outras, deve ser frita em óleo ou cozida em água. Acompanham ovos fritos ou os legumes – ou grelos, no Douro -, couve lombarda em Trás-os-Montes, brócolos na Beira Baixa. E batatas cozidas.
Barriga
Nova moda entre os chefs contemporâneos, é a carne do porco entremeada de gordura, que vai ao forno e sai à mesa na forma de um arco-íris de sabores e texturas, seja como prato principal ou como recheio de sanduíches ogros.
Bifana
Lombo de porco grelhado, cortado em forma de bife, que batiza o sanduíche que costuma rechear. O normal é que seja cortado com pelo menos um dedo de espessura e marinado em vinha d’alhos antes de ir à frigideira ou à grelha
Cotecchino
Adorável e finíssimo embutido emiliano, meio termo entre um salsichão e um salame feito com carnes da cabeça e do pescoço do porco e temperos como o alho. É um dos embutidos que integram o cast do bollito misto. Nas festas de ano novo, o cotecchino com lentilhas é um voto de sorte e prosperidade. Igual, no Brasil, só no Bar da Dona Onça, em São Paulo.
Debreziner
Versão vienense das morcilhas, oferecidas pelas ‘wurstlstands’ das ruas de Viena, a partir da especialidade húngara do mesmo nome, criada na cidade de Debrecen.
Eisbein
Denominação que o ‘joelho de porco’ ganha de bávaros e alsacianos. Trata-se de um dos mais prezados cortes dos suínos, graças à textura e suculência de sua carne e das gorduras que a revestem no sistema da articulação do animal. Normalmente, é defumado e frito em óleo para a graça crocante de sua pele, antes de ir à mesa guarnecido com batatas e repolhos, preferencialmente o chucrute.
Fromage de tête
Não um queijo, mas um finíssimo embutido de carnes de cabeça de de porco ou vitela cozidos lentamente e deixados e esfriar em um molde como a terrine, no melhor estilo de um ‘aspic’. É fatiado e servido morno ou frio, com molho vinagrete e salada ou em recheio de pão.
Guanciale
Elemento fundamental do molho carbonara – pancetta é para fracos; bacon é para falsos -, é a carne da papada do porco curada com sal e pimenta. Pode ser fatiada fina, para o antipasto ou ir à panela para fazer as vezes do mais fino toucinho.
Hambúrguer
Tradicionalmente, de carne de boi, mas há quem diga que a carne de porco está por trás da criação da iguaria graças a receitas como o mett, uma espécie de tartare de carne suína, que era especialidade de… sim Hamburgo.
Joselito
Mais famoso dos presuntos de porcos ibéricos do tipo pata negra, ganhou fama mundial depois que Ferran Adrià declarou que era o ‘jamón’ perfeito e o colocou em uma de suas criações, no antigo El Bulli.
Kassler
Mais nobre das formas do carré de porco, é a peça defumada e pronta para ir à grelha ou mesmo ao cozimento, quando libera seus tons de suavidade das várias camadas de carne que o compõem.
Lardo
Corte fino do toucinho superior do porco, em que a carne quase não é encontrada. É branco, portanto, mas, quando devidamente salgado e aromatizado com ervas e, principalmente, cortado fino como um carpaccio, revela sua elegância e sua fineza, especialmente aquele que é encontrado na área de Colonatta, na Toscana.
Miminhos
Uma das denominações que os portugueses conferem aos escalopes de entecosto de porco preto.
Nduja
Pronuncia-se “anduia” e seria uma corruptela da palavra andouille, um famoso salsichão francês. Aqui, a especialidade é italiana e vale mais pelo seu recheio, um creme picante de carnes de porco e especiarias, que se passa no pão e que, recentemente, tornou-se febre entre os chefs contemporâneos.
Orelha
No porco, é um dos ingredientes que levam sabor defumado aos preparados que integra. No leitão, um delicado petisco que, quando ganha a pururuca, é degustado como um biscoito crocante.
Plumas, Presas, Pica-pau
Três denominações derivadas da onda do porco preto, Uma, é a carne mais tenra do filé de lombo, cortada em fatias finas ou, como dizem em Portugal, plumas. Outra, é a carne fina extraída do cachaço, a nuca do porco. São ricas e devem ser tratadas como os filés de costela do animal. Por fim, o pica-pau é um petisco preparado com carnes macias do costado, como o cachaço e o próprio lombo. E servidos, em bocados, com palitos. Em bom brasileiro, nosso popular filé aperitivo.
Queixadas
Especialidade de Elvas, próximo à fronteira com a Espanha. São bifinhos da carne do queixo do porco que vão ao forno com marinada de vinha d’alhos. Têm sabor rico e, se bem preparada, mantêm-se tenras mesmo depois de sofrer com o hábito que o porco mais conserva desde que nasce: mastigar.
Ribs
As famosas costelinhas ganharam os restaurantes de rede, sempre com a guarnição das versões de molho barbecue. Mas, quando preparadas com delicadeza, liberam seu paladar adocicado e sua textura macia, com a carne soltando-se facilmente dos ossos.
Secretos
Outro corte criado com a febre do porco preto, é uma carne fina e macia, que se “esconde” por trás da manta de toucinho da barriga e do diafragma. Muito tenra e saborosa, recebe, na cozinha, o tratamento fino de um filé.
Txistorra
Grafia original que os bascos conferem à chistorra, uma delicada linguiça que é frita para o serviço dos tapas ou segue para a panela para guarnecer cozidos e paellas. Ligeiramente picante, é marcada por verdes como a erva doce.
Unto
Denominação que os portugueses dão à banha, gordura fina, inigualável no preparo de feijões, refogados de legumes e frituras do próprio porco.
Ventrèche
Mais exatamente, ventrèche roulée, francês para barriga enrolada, referência ao manto dobrado da barriga do porco, usado para dar sabor especial em cozidos, sopas e ensopados do sudoeste da França.
Weisswurst
Literalmente, ‘salsicha branca’. É uma das opções oferecidas pelos ‘wurstlstand’, barraquinhas que vendem salsicharias dia e noite, em Viena.
Xixo
Do árabe shish, o mesmo do kebab das esquinas de Nova York. No Brasil, tal como no original, é um espeto de carnes, bacon, tomates, cebolas e pimentões que vão à grelha ou ao fogo de brasa.
York
Paradigma de todos os presuntos cozidos, é uma peça defumada tão lentamente que ganha a carne com o mesmo tom rosado dos genéricos industriais.
Zampone
De zampa, perna. Clássico entre os embutidos italianos, é o pé de porco desossado e recheado com massa de carnes de orelha, focinho e do próprio pé do animal, aromatizada com pimenta, cravo e noz moscada. Tradicionalmente, a iguaria é fatiada e degustada com lentilhas.
Frescor, uma ponta de amargor e temos uma fórmula adequada para boa parte das comidas tailandesas, com seus cocos, suas pimentas e seus capins-limão, como nas fórmulas do cardápio de David Zisman, no Nam Thai, Leblon. Pela compbinação, fic a sugestão para pratos de estrutura semelhante, como a moqueca e até um tacacá.
Cor dourada e boa carbonataçãodão vivacidade a esta lager preparada com maltes do tipo munich e cara-hell, leveduras de pilsner e lúpulos como saaz e hallertau, que mostram o perfil germanico do rótulo. Singha, aliás, descrita no original como สิงห์, significa leão, o mesmo do desenho de uma cerveja que se mantém jovem mesmo após 85 anos de mercado.
RÓTULO: Singha
PRODUTOR: Singha Corporation, Bangkok
PAÍS: Tailândia
ESTILO: Lager
ÁLCOOL: 6%
IBU: 40
MALTES: Munich, Cara-Hell
LÚPULOS: Saaz, Hallertau
FORMATO: Garrafa 335 mililitros
Lua Cheia em Vinhas Velhas. Pode uma vinícola ter nome mais poético? E também pode dar ao próprio nome um conceito mais objetivo? Colheitas biodinômicas, observadas as fases da lua, de cachos antigos, que nos traz um vinho tão vibrante. Com esse calor de terra de Lampião, a gente e fica com o frescor de Maria Bonita, esse rótulo adorável de loureiro, uma uva que vem dividindo com o alvarinho o espetáculo de refrescância e criatividade dos vinhos verdes.
Inclusive nesse rótulo, meio cordel, meio Carlos Zéfiro, que dá o tom descontraído de um vinho leve, de puro limão no nariz e na acidez, próprio para pratos tão distantes quanto o ceviche e o bacalhau ao forno, passando – vale o risco – pelo leitão assado, com a gordura que a acidez vai enxaguar com tanta ternura.
A dureza dos solos graníticos, a nota salina do mar e o baixo álcool, uma das características marcantes dos vinhos verdes, completam o conjunto de um vinho adorável, inclusive no preço. É uma das melhores relações custo-benefício da carta do Rancho Português, restaurante lusitano bem adulto, e, para quem curte o sushi com vinho branco, está também na carta do point dos adolescentes, o Gurumê.
RÓTULO: Maria Bonita
PRODUTOR: Lua Cheia em Vinhas Velhas
PAÍS: Portugal
REGIÃO: Vinhos Verdes
ESTADO: Minho
CIDADE:
ESTILO: Vinho Banco Fresco
ÁLCOOL: 11%
BARRICA: Não
CASTAS: Loureiro
FORMATO: Garrafa do tipo Reno
QUEM TRAZ: MM+
E com a bênção monástica do pudim à Abade de Priscos. Pudim de, digamos, “leve” e “delicada” massa de açúcar derretido com canela, toucinho e cascas de limão, ao qual juntam-se gemas e vinho do porto. Depois de assado e desenformado, guarnecem-lhe nozes. A receita é atribuído ao padre Manoel Joaquim Machado Rebello, abade da cidade de Priscos, vizinhança de Braga, que seria ainda autor de uma série de outras receitas que o colocariam como um dos mais importantes cozinheiros portugueses do século XIX. Em artigo para o Jornal de Notícias, do Instituto Camões, o historiador Reis Torgal lança – e se apressa em eliminar – a suspeita de que Eça de Queiroz teria se inspirado no Abade de Priscos para conceber um dos personagens de “O Crime do Padre Amaro”, o Abade da Cortegaça.
A serra que sobe em Petrópolis e desembarca em Juiz de Fora é um paraíso dos embutidos – salsichões, linguiças, patês e até presuntos. Por isso, é obrigação patriótica que cada bar, restaurante ou parada na estrada ofereça um dos expoentes locais, honrando a a tradição de uma área que teve colonizações de alemães, suíços e austro-húngaros, durante de e depois de Pedro II, o primeiro petropolitano honoris causa.
Não precisa ser de Petrópolis. Basta alguma daquelas origens que adormecem por trás da Serra do Tinguá – Paty do Alferes, Miguel Pereira, Mendes, de onde vêm as assombrosas salsicharias da Adega do Pimenta e do Herr Pfeffer.
Um dos resultados está aí, o sanduíche de linguiça do Pavelka, que assumiu a bandeira da referência de beira de estrada, com o lento desaparecimento da Casa do Alemão. Pão, como deve ser, discreto, macio e quase imperceptível, um veículo discreto para o que interessa, o conteúdo cheio e saboroso, com sal na medida para quem sobe a Serra e chega com sede do mesmo chope que vai enxaguar a iguaria.