Bourbon espetacular, macio no perfume e no paladar de milho. É o contrário da discussão da cerveja, que tem milho de mais. Esse aí, tem milho de menos e centeio a mais, o que mexe um pouco com a característica da bebida, que tem raízes em New Orleans desde que o estado era possessão francesa – pronuncia-se Biley, portanto.
A referência que a garrafa faz a “Frontier Whisky” está nas antigas produções de colonos que marchavam rumo ao oeste. As fronteiras eram ali. Mas a produção, como convém ao grande bourbon, foi parar no Kentucky, a cargo de uma das referências do setor a Four Roses.
Deve chegar pura, rasa no copo tumbler e, para preservar a belíssima cor dourada, deve ficar distante de qualquer gelo, o que não empede que seja levemente resfriada, para evitar a invasão do álcool forte, que pode ir a 45 graus. Funcionou bem puro, mas também com drinques em que o bartender foi esperto em não interferir demais.
A farinheira dessa foto acima, servida no recém-inaugurado Da Silva, no CasaShopping, felizmente, já nos chega sem os dentes arreganhados da arrecadação. Delicadas mas intensas, defumadas e deliciosas, são as farinheiras, denominação genérica de chouriços defumados de massa de carne de porco e especiarias ligada com farinha de trigo, adicionadas de sal, alhos secos pisados e não germinados, pimenta e pimentão da horta em massa, mas com pequenas variedades de cada região do Alentejo.
A matriz? Os porcos pretos, da própria raça alentejana, do concelho de Portalegre e nas áreas de Borba e Estremoz, cujas apelações foram reconhecidas pela União Européia e protegidos com selos de Indicação Geográfrica Protegida. Defumados, levantam à estratosfera do paladar os ovos mexidos, seu serviço mais comum, embora integre cozidos e, nesse caso, o arroz, de Elvas, uma das áreas da denominação.
Em Trás-os-Montes, extremo norte de Portugal, há outra, mais conhecida como ‘farinhota’ ou ‘chouriça de farinha’. Especialidade trasmontana que consiste em embutido de cor de pele, grosso como um salsichão, recheado com carnes de porco, ‘pimentos’, alhos e farinhas. É moldado em forma de ferradura e levado a defumar. Condimentações e modos de preparo, especialmente na região de Barroso, no extremo norte de Portugal, não devem ser confundidos com a farinheira alentejana.
Cereais matinais, Ainda sobre a coluna de sexta: toda cerveja industrial é igual? Com a palavra, o paladar estrangeiro. Estrella Galicia
United Enólogos Chilenos. Projeto meio secreto, meio consagrado, esse é o Winemakers Secret Barrels e seu blend não revelado, a não ser pelas internas reveladoras de um carmenère patriótico, mas combinado com otras cosita más.
Intenso mas não muito extraído; são barrels novos mas sem madeiras decadentes, sem o queimado da pólvora de garrucha; tem minérios das peles e veludos dos terrenos; mas sempre com aquela delicadeza do gigante que colhe a flor. Detalhe: garrafa de um litro. Para hombres. E as damas a que se dedicam.
WINE FOLLY + OXFORD COMPANION TO WINE
O VINHO DE PAPEL PASSADO
Esta deveria ser uma coluna de sugestões de presentes para o Natal, mas como já vi árvores montadas e panetones já em promoção, achei melhor me antecipar. Mercados exigem dinâmicas dos executivos e eu, como CEO dessa coluna, não posso ser exceção. É uma forma até de contrariar a máxima “os vinhos ficam melhores com os anos” e dar à bebida o melhor efeito de sua existência: “os anos ficam melhores com os vinhos”.
Mas a grande prova dessa máxima pode não estar nem em um copo nem, muito menos, na cadeira, no escritório. Ela está na literatura dos vinhos, cada vez mais farta, seja no papel ou no digital. No papel, velhos sucessos são reeditados e novos formatos são lançados. No digital, separo dois tipos. Um, os que permitem que calhamaços de dimensões enciclopédicas, mas com pesos siderúrgicos, estejam ao alcance do dedo e do olho, na tela de um iPad. O outro, os blogs sobre vinhos, que se espalham como praga – só no Brasil, já são mais de mil.
Blogs sobre vinhos são como uvas: há milhares, mas poucas vão realmente proporcionar o melhor vinho. E, também como a uva, há os sites excepcionais – algumas até derrubam as previsões apocalípticas sobre o fim do papel, e acabam virando um livro.
Um desses é um blog chega a me irritar de tão bom. É o Wine Folly (winefolly.com), no ar há 6 anos, e que batiza o livro que foi lançado no ano passsado, no Brasil, pela Editora Intrínseca. Sua editora, Madeline Puckette, resolveu dedicar ao vinho o mesmo espírito hype de sua formação em design e em música, especialmente a eletrônica – é parceira de DJs da Califórnia e de Seattle, onde nasceu.
O resultado é um livro pop, com infográficos espetaculares, com as localizações, origens, composições e combinações de cada tipo de vinho com os pratos da moda. Até a introdução do livro, sempre uma chatice, tem ilustrações que já conquistam o leitor e o convoca para um conteúdo que deixa de parecer tão complexo quando ganha a graça de um desenho animado. É o sopro de juventude de uma profissional, que, aos 25 anos, era sommelière pela venerável Court of Masters, e antes dos 30, foi considerada a blogueira do ano em 2013 e 2014. Na Amazon, em capa dura ou em edição para Kindle.
Mas há o inverso, o do papel que passeia honrosamente pelo digital. É o caso do Oxford Companion do Wine, de Jancis Robinson, maior referência que existe, para quem quer ir mais a fundo. Tenho as três versões: a do site, que deve ser assinado, a do livro, um chumbo de 800 páginas, e a versão para Kindle, que se baixa para o iPad por R$ 125. Vale cada centavo.
A edição mais recente, a de 2015, foi atualizada com mais de 300 verbetes novos, com privilégios para vinhos e regiões que interessam muito aos brasileiros, especialmente as que mostram o quanto Chile e Portugal estão mudando seus rumos. Assim, a edição mais recente nos descreve os vinhos modernos de Elquí e Limarí, no norte da costa chilena, já nos calores do deserto do Atacama. Ou os vinhos de Leyda e San Antonio, em que o sopro do mar nos tira o peso pesado que fez com que tantos desistissem dos vinhos de nosso vizinho do Cone Sul.
De Portugal, Jancis traz de novidade os verbetes sobre as áreas antigas que voltaram à moda, como Monção e Melgaço, ponto mais nobre dos Vinhos Verdes, ou a Planície de Setúbal, ao sul de Lisboa, com seus brancos que estalam seu frescor na língua. No livro, no site ou no iPad, Jancis e Madeline são opções para qualquer Natal, mostrando o quanto o vinho no papel passado é um presente com adorável futuro.
Velhíssima guarda do Almaviva, inicialmente como braço da Baron Philippe de Rothschild, depois como as duas pernas de um Bordeaux das cordilheiras. Evoluiu galantemente, com todas as competências – e bons clones do cabernet sauvignon.
Quem tiver algum desses na adega, abra. Não tem mais no Brasil, portanto, se não abrir, durma com ele, acorde com ele e ame violentamente. Vibrou, deu um banho de frescor e uma ensaboada de aromas, novos ou evoluídos. Se ser simples é complexo, taí a prova.
Tudo o que um vinho não pode é ser avesso à uva. Ainda mais se a uva é conhecida exatamente como “avesso”. Mais uma surpresa do reino dos vinhos verdes, com leveza, simplicidade, aroma e uma acidez esplêndida para abrir o apetite e fechar a refeição. E vem até com trocadilho junto, em um ápice das denominações de propriedades portuguesas, a quinta e a herdade. Um barato – até porque não é caro.
É um vinho simples, limpo, com adorável ponta de acidez, para beber por puro prazer. É refrescante e, no sentido estrito e primitivo da palavra, refrigerante – já me açodaram por dizer isso, mas, ignoram os ignaros, o que refrigera corpo e alma, mais do que qualquer outro, é um refrigerante.
Mas todo esse frescor pode ir tranquilamente à mesa, acompanhar pratos tão opostos quanto ostras, amêijoas e mexilhões quanto um leitão assado, que terá enxaguada com graça todo o prazer gordo de sua carne – e de sua graxa. Moderno que é, o rótulo fará ainda bela presença diante de um sashimi, de um ussuzukuri, de um ceviche, de um carpaccio.
RODRIGO HILBERT
Do vinho de garrafão à tatuíra, o paladar de um dos astros dos gourmet shows mais festejados da televisão brasileira.
Pedro Mello e Souza (setembro de 2015)
Ator, modelo e, o que nos interessa, gourmet, Rodrigo Hilbert está de volta às origens. Não as dos holofotes, mas as das câmeras do programa Tempero de Família, que chega em agosto, com sua sexta temporada. Se o programa dura, é porque o personagem, além de saber o que faz na cozinha, mostra uma desenvoltura que poucos apresentadores exibem, inclusive os internacionais.
Mas a coisa faz sentido, já que ele gosta do que está fazendo e, principalmente, do que está preparando – e ainda vai preparar. “Gosto de tudo, experimento de tudo e não tenho nenhuma restrição alimentar, revela ele, em entrevista exclusiva para a EatinOut, anos depois de superar um certo trauma de infância por conta do coco. Mas assume sempre as origens simples da formação de seu paladar, falando com alegria quase incontida de sua família – e de seus temperos.
Qual foi a primeira grande iguaria da infância? Costuma fazê-la sempre?
Tatuíra frita. Eu ia para a praia surfar e, na hora que batia a fome, catava as tatuíras na beira do mar e fritava no óleo com sal. Depois temperava com limão e comia. No último verão, fomos passar férias no Sul e apresentei a “iguaria” às crianças. Adoraram! O sabor lembra camarão frito.
Qual o tempero de família que nunca esqueceu?
Coentro. Meu avô tinha uma hortinha do lado de casa e plantava coentro, cebolinha verde e salsinha. Minha mãe e minha avó cozinhavam com esses temperos.
Comia sem restrições quando era criança?
Odiava coco. Tem um vídeo caseiro de um aniversário em que eu, com uns quatro anos, aponto para o bolo e digo: “se tiver coco, eu cuspo!” (risos). Também não comia jiló, berinjela, mas hoje como de tudo e incluo todos esses ingredientes nas minhas receitas.
Muitas das receitas do Tempero de Família são de fora. Gosta de viajar para comer?
Sempre que penso em uma viagem, já procuro lugares que tenham culinária mais específica e interessante. Costumo procurar restaurantes com culinária bem local, lugares menos turísticos. Fujo de grandes redes e restaurantes muito famosos. E sempre procuro feiras locais e vou à caça de temperos e ingredientes exóticos. Em uma viagem recente a Nova Iorque, encontrei uma pimenta defumada, um tempero bem quente, e usei no preparo de uma carne. Ficou sensacional!
Quais as ideias para o futuro do Tempero de Família?
Na próxima temporada, retornamos para o sítio. Depois, teremos uma de verão inspirada nos farofeiros, gravada em uma praia no Rio. E, em seguida, viajamos novamente, para um destino surpresa…
Tem alguma faca ou outro instrumento de estimação?
No primeiro episódio da primeira temporada, fiz uma faca que tenho e uso até hoje. E também fiz uma faca de presente para a primeira diretora do “Tempero…”, a Gisela Matta (in memorian), que guardo comigo.
Quais os restaurantes que gosta de ir?
Gosto muito de casas de suco e açaí. Sempre que estou em São Paulo, vou ao Maní. No Rio, gosto muito do CT Boucherie. Mas sou louco mesmo é por hambúrguer, então, em qualquer lugar que do Brasil, a primeira coisa que pergunto é “qual é o melhor hambúrguer da cidade?”. Também gosto muito de churrascarias.
Qual o mais romântico?
A minha casa, depois que as crianças dormem! (risos)
Alguma decepção em restaurantes?
Algumas. Acho que não precisa ser o restaurante mais luxuoso ou a comida mais cara para que você seja bem atendido e coma bem. Pra mim, restaurante tem que combinar bom serviço com comida fresca e de qualidade.
O que pensa do experimentalismo na gastronomia?
Acho que a culinária é experimentação, sempre! É impossível fazer uma receita exatamente igual a outra. Gosto de ir modificando, acrescentando ou trocando ingredientes, dando a minha cara e o meu tempero para cada prato. Sem experimentalismo, perde a graça e fica chato.
Qual o primeiro vinho que provou?
Vinhos de garrafão feitos no interior de Santa Catarina.
Qual o seu estilo nos copos?
Não tenho costume de beber. Sou totalmente dos esportes, então prefiro evitar. No máximo um drinque ou uma taça de vinho, socialmente.
O PERFIL DO GOURMET
Pão com… mortadela e limão. Sempre que ia pescar com meu pai, nosso lanche era um pão d’água (pão francês) e uma bisnaga de 1 quilo de mortadela.
Sorvete de… flocos. Era o melhor da sorveteria da minha cidade. Viciei.
Sopa de… macarrão caseiro com feijão.
Suco de… verde. Com grãos geminados, maçã, couve manteiga e gengibre.
Sanduíche de… x-salada. Minha tara!
Corte de carne… vazio (fraldinha), rabada ou chuleta.
Os queijos favoritos… queijo colonial de Orleans, minha cidade natal. Você compra ele branquinho e vai deixando secar em casa. Gosto de queijo curado.
Alguma restrição alimentar? (algum dos frutos do mar, miúdos, etc)?
Nenhuma. Experimento tudo, não evito nada!
Como faz para queimar as calorias?
Pratico vários esportes, mas, no momento, tenho me dedicado mais ao ciclismo.
Diante de tanta gastronomia, o que seu médico pensa disso?
Acho que tenho uma alimentação saudável. Mantenho uma dieta equilibrada durante a semana, mas acho que, como todo mundo, tenho o direito de chutar o balde de vez em quando! (risos)
Pequeno aroma de história. Mike Grgich, ainda vivo (muito vivo), e seu fumé blanc – sauvignon blanc feito à moda dos Pouilly-Fumés, do Loire, consistente mas elegante, vibrante mas fino, frutoso mas charmoso. E, com tudo isso, fresco e refinado. É um twist no tempo: o presente (sentido gift) do pretérito. Ele, que foi um dos avaliados no mítico Julgamento de Paris, ajudou a levar Bordeaux para o banco dos réus. E a Califórnia para a banca dos reis.
Em tempo: o o nome complicado de Mike é croata. Chegou na região há mais de 60 anos, fugido das privações do socialismo iugoslavo, para fazer duas coisas: a história da Califórnia; e, da Califórnia, sua história. Se châteaux americanos como Montelena e Beaulieu humilharam os franceses na degustação ás cegas, agradeçam a ele. Aqui, a homenagem vem gota a gota, na mesa do Bazzar. Não é vinho barato, mas o que importa mais é o barato do vinho, uma aula de sauvignon blanc.
Halloween cervejeiro que se preze tem que ter saci… Ou Sa’si, se formos no original em tupi, para denominar essa stout interessante, própria para quem quer vestir seu copo de preto nas brincadeiras antes do Dia dos Mortos.
Malandra como o personagem, tem cara de parruda, mas é leve no álcool (4,6%) e mantém o paladar na maciota, nem gorda demais, nem seca demais, com as tradicionais notas de torrado – com ênfase para outros dois mitos criados lá fora mas recriados aqui, o café e o cacau.
Integra a linha fixa da Cervejaria Nacional, de São Paulo, que mantém um portfólio dedicado inteiramente aos mitos brasileiros, como a Kurupira Ale, (curupira), Mula IPA (mula-sem-cabeça) e a Y-Îara Pilsen (iara, mãe d’água).
RÓTULO: Sa’ci
PAÍS: Brasil
ESTADO: São Paulo
CIDADE: São Paulo
ESTILO: Dry stout
ÁLCOOL: 4,6%
FORMATO: Garrafa de 355 ml
Grandes raças em pequenos cachos. Essa uva aí, raríssima, é a “brun fourca”, que, em provençal, significa garfo moreno. Quase desaparecida, é uma das integrantes do jardim da Abbeye de la Celle, uma instituição voltada ao vinho rosé que faz exatamente isso, recuperar o garbo de antigas castas, como fariam ao ressuscitar, como bruxos, o brilho da espada de um guerreiro templário.
A área cerca o campo, a loja, o escritório, a abadia e o restaurante de um certo Mr. Ducasse, em plena Provence, entre Marselha e Cannes. Em frente, nada menos do que a Basílica de Santa Maria Madalena, onde estão os restos da mais injustiçada das santas católicas. Ótima localização para um germoplasma que fala exatamente nisso, ali, em relação às uvas: ressurreição.
“This jam is not only nutritious, I say yo!, it can be to the groovers, delicious”. Antes da ordem “let’s get cracking”, a sentença: Jam Session é seca, aroma adorável, fresca como uma session antes da jam e o seu morango aromático, nada invasivo. Rosas no nariz, amargor de boa cepa, que refresca mas não entorta. Ali, a gentileza do trigo manda.
No rótulo, as senhas: Wheat Cost, uma simpática aventura do pessoal da Three Monkeys com o trigo e o estilo das IPAs da Costa Oeste (West Coast), com seu lúpulo perfumado e a associação com o café da manhã ideal, com pão e geléia. O jazz fica por conta da associação com a Rádio Ibiza, que montou uma trilha sonora para que o pessoal dance na pista livre do paladar dessa cerveja.
RÓTULO: Jam Session Wheat Coast Jazz
PRODUTOR: Three Monkeys
PAÍS: Brasil
ESTADO: Rio de Janeiro
CIDADE: Rio de Janeiro
ESTILO: Wheat beer
FORMATO: Garrafa de casco escuro, de 300ml
É isso aí, madeira. Uma das tendências no design de cozinha é retornar às origens, especialmente na área dos talheres. Assim, os metais estão, aos poucos sendo substituídos por materiais mais primitivos, como a pedra e, no caso da foto, a madeira.
No projeto do italiano Andrea Ponti, o zelo pelo design exigiu uma tecnologia de corte que permite que a lâmina de madeira (ébano, na mais escura; bordo na mais clara) ganhe um fio de corte tão competente quanto o de uma faca normal.
Batizado de Fusion Kitchen, a coleção chega ao público nas mãos do artesão japonês Issei Hanaoka, de Kioto e,em breve, chega à boas casas do ramo do design inatingível.
Amargor e frescor, flores do campo e uma manga muito leve no nariz. Essas são as características do lúpulo pacific gem, desenvolvido na Nova Zelândia em 1989 e trazida agora em uma cerveja varietal, pela americana Green Flash. Em destaque, um aroma inesperado para um lúpulo de perfil americano: a fruta vermelha.
A pacific gem (gema do Pacífico), é um cruzamento, em laboratorio, de duas outras variedades, a neozelandesa smooth cone e a inglesa fuggle hops, para gerar uma planta de alta resistência e um ingrediente para cervejas que peçam alto grau de amargor e com aroma acentuado, familiar e agradável.
Há 80 anos, depois de sua visita a Nova York, Salvador Dali recebeu o pedido da revista American Weekly para desenhar algumas de suas impressões sobre a cidade. Entre as diversas elocubrações do artista catalão, “New York Dream – Man finds lobster in place of phone”. No texto, ele se pergunta: “Não entendo por que, quando peço uma lagosta, não me vem um telefone cozido”.
Provocado, um ano depois, pelo colecionador Edward Norton, criou “Lobster Telephone”. Das seis peças produzidas, as primeiras em gesso, uma está em exibição no Tate Modern, em Londres. Segundo a curadoria do museu inglês, a obra associa duas fixações que Dali considerava sexuais, o telefone e a lagosta, que, não por acaso, tem a posição de seus órgãos exatamente no bocal do aparelho.
O exemplar da foto acima pertence ao Tate Gallery. Outras dez cópias estão epalhadas mundo afora, em pontos tão distantes quanto Minneapolis, Edimburgo (o Scottish Gallery arrematou seu exemplar por 800 mil libras), Melbourne, Joanesburgo e, claro, Lisboa, ali no Centro Cultural de Belém. Os 80 anos da obra não inspiraram os museus a nada. Nem a um telefonema, sob o pedido de um lobster roll.
Comparar bebidas cujo paladar, refinamento e requinte eu não domino, com as notas técnicas e os descritores aromáticos de degustações de vinhos ou cervejas é meu recurso didático para experimentar bebidas que merecem a experiência. O resultado está nesse aí, o Oze No Yukidoke Ayama Koshu, descrito como 尾瀬 の 雪どけ アヤマ 古酒, que, a rigor, significa “saquê envelhecido de Ayama, de águas das neves derretidas de Ozegahara”.
A expressão “koshu” diz muito, já que pode se referir, até legalmente, às bebidas envelhecidas em geral, o saquê em particular. Denso, com aromas de amêndoas e seus massapães, com alguma fruta seca e com açúcar residual que se sente mais no nariz do que a boca, a sentença é uma só: esse é um dos sauternes dos saquês. Da idéia elegante de trazer até o estilo refinado do servir, parabéns aos envolvidos da equipe do Minimok.
Depois da manga no nariz, temos o frescor total no boca, com cítricos do limão – o siciliano da receita – e o amargor da própria manga, mas a verde, uma das características do lúpulo japonês sorachi.O formato lata foi opção do pessoal da Perro Libre, para manter o toque sour dos lactobacilos que integraram o processo, que ganhou um dry hopping no fim da maturação.
Repito: refrescante, e arremato com a secura dessa cerveja de manto turvo, amarelo-canário, para matar a sede com seu corpo fino e carbonatação suave. Enfim, um thirst quencher como convém ao estilo das Berliner, de álcool pouco (3,5% ABV). Com toda essa acidez, a pedida para acompanhar é a pratada de ostras.
RÓTULO: Sorachi Berliner
PRODUTOR: Perro Libre
PAÍS: Brasil
ESTADO: Rio Grande do Sul
CIDADE: Porto Alegre
ESTILO: Berliner
ÁLCOOL: 3,5% ABV
IBU: 5
LÚPULOS: Sorachi ace
MALTES: Pilsener
FORMATO: Lata de 330ml
QUEM TRAZ: BuenaBeer
Equilíbrio intencional entre amargores e dulçores. Desequilíbrio idem entre as ideias de lager e indian pale e as de session beers com estilo alemão. São as idas e voltas dessa cerveja que pretende combinar (não confundir com misturar) de um tudo para uma boca fina e um final agradável.
Tem corpo mas mostra também o lado seco do dry hopping de sua coleção de lúpulos – ahtanum, chinook, cascade e amarillo. O resultado é leve, amável, de álcool médio, e enxagua qualquer prato picante ou com a acidez de um ceviche ou ainda com a pungência de uma raiz forte. Enfim, pratos de personalidade na cor para contrastar com seu manto amarelo ouro, não-filtrado.
RÓTULO: Hop Bursted
PRODUTOR: Perro Libre
PAÍS: Brasil
ESTADO: Rio Grande do Sul
CIDADE: Porto Alegre
ESTILO: Session Indian Pale Lager
ÁLCOOL: 4.8% Vol
IBU: 32
LÚPULOS: ahtanum, chinook, cascade e amarillo
MALTES: N/D
FORMATO: Garrafa própria de 500ml
QUEM TRAZ: Buena Beer
Tirashizushi ainda é um prato incompreendido. Grafado ちらしずし, em alfabeto hiragana, é um elegante combinado de sashimi sobre arroz. Mas isso não vira um sushi como aquele que conhecemos, meio descontruído? Não, pois não há o bolinho de arroz, o mítico ‘niguiri’. “Na verdade estão enfeitados em cima do arroz”, entrega Alissa Ohara, comandante do Azumi, mais autêntico restaurante japonês no Rio de Janeiro, onde atua como braço direito do pai, o almirante da casa.
“O chirashi é uma forma do sushi caseiro onde donas de casa preparavam quando recebiam visitas”, continua Alissa, que explica que o arroz não era somente o shari branquinho, mas uma mistura de vários ingredientes.”Em cima, sim, o caos. Tudo espalhado! Porque dona de casa não tem a prática de cortar bonitinho que nem um itamae. O chirashi [ela grafa com CH], valem os dois] me traz lembranças da minha avó. Ela preparava sempre qdo íamos visitá-la. Mas na verdade, eu com 5 anos não gostava disso…”, diverte-se nossa comandante.
O que há, enfim é um “espalhado” (tirashi, em japonês) de peixes com o arroz por baixo. Requer certa pratica, mesmo quando esse arroz é separado, como no caso da foto de cima, do Sushi Leblon, que ainda ganha um missoshiru de guarnição. Na segunda foto, o do Temple Lounge, do InterContinental de Santiago, nem se vê o arroz. Tentem. Todo bom sushiya tem o seu.
Essa noite de 20 de junho, passamos pelo solstício de inverno, a mais longa noite do ano. É data celebrada na Europa, em dezembro, e já conhecida pelos romanos como o renascimento do sol invencível – Solis Natalis Invictus, no original, e sim, origem da palavra Natal, a data.
Aqui, poucos deram bola. Mas fui um deles, com essa cerveja espetacular, a Solstice d’Hiver, da canadense Dieu du Ciel. O estilo é barley wine, equilibrado, untuoso e persistente, saboroso e caliente, como convém à estação. Fora de série, 97 pontinhos no RateBeer. Desejo uma boa festa de renascimento e, desde já, meu Feliz Natal para todos.