Exijo de uma steak house um cheeseburguer decente. Digo cheese porque a expressão hambúrguer foi extinta. O queijo está ali por definição. Nesse aí, do Pobre Juan, um gruyère e uma maionese de pancetta. macio como convém, com sabores distintos e, melhor de tudo, próprio para comer com a mão.
Não ligo para ketchup, mas esse aí, preparado com goiaba, estava com doçura aceitável e deu pra bicar. É o 481 burger, superior a qualquer outro que a casa já fez. É refeição completa e um dos melhores pratos do cardápio de uma steak house como essas, que honra o preparado e os ingredientes.
Essa lagosta aí, de pinças grandes, dramáticas, de carapaça de um vermelho excitante, é a que os americanos conhecem como “lagosta verdadeira” ou, nacionalistas como são, “lagosta americana. Aqui, não temos nada parecido, mas em Portugal, há uma de gênero igual, mas espécie ligeiramente diferente, o o “lavagante”. As lagostas comuns não têm pinças.
Preparada com cuidado, mostra que é um dos mais delicados dos frutos do mar. A cauda corre o risco de tornar-se uma borracha de brinquedo infantil, se submetida a um segundo a mais de cozimento em água ou, em seu melhor formato, no vapor, sob o qual não perde paladar para o meio. Manteiga e flor de sal são os condimentos primordiais de um serviço que sequer exige guarnição.
É do Maine, uma das denominações oficiais desse tipo de lagosta, que vêm os mais belos exemplares dessa espécie americana. E são de lá os usos mais habituais na cozinha, como o lobster chowder, o clam bake e o lobster roll. O prmeiro é uma sopa cremosa, do tipo bisque, similar ao que os suecos consagraram como hummersoppa.
O segundo é um assado em fogo de chão, com milhos e mexilhões envolvidos. Há uma variação feita em um caldeirão de água fervente, o lobster boil, ambos atrações de verão e outono, respectivamente. O lobster roll é um sanduíche em pão ainda mais macio do que o do cachorro quente, no qual a maionese, um dos poucos ingredientes amigáveis do caso, faz a liga entre massa e carne.
Até onde eu sei, o único que tentou reproduzir a especialidade no Brasil foi Felipe Bronze, com o club cavaca, um dos sandubas do extinto Pipo. Uma quarta especialidade, indigna de menção, a não ser pelo exibicionismo, é o cafonérrimo surf and turf, uma extravagância que mistura a lagosta a um filé gigantesco em um prato só, estragando os dois.
Do sul do Maine, ao largo da cidade de Providence, vêm as lagostas que o SeaFood Watch não nos patrulha completamente o paladar – dão sinal amarelo por conta dos tipos de pesca. Às do Maine da denominação, eles dão cartão vermelho, tanto pelo tipo de captura quanto pela quantidade, que superou a marca de 100 mil toneladas em 2010 – eram 30 mil em 1975.
Curiosamente, não mencionam as que vêm do norte, da área de Nova Escócia, já nas águas geladas do Canadá. Por fim as lagostas que se prezem são preparadas vivas, naturalmente, para horror dos defensores de carnaval, que não entendem dos animais que dizem proteger, e que não permitem que se eleve a iguaria ao ponto mais alto do altar dos prazeres.
Em tradução livre, o rótulo significa “o canto dos malucos”. Esse é o espírito de Pedro Parra, que passou a explorar áreas e terroirs inesperados – altitudes (e atitudes!) mais elevadas, latitudes mais baixas, exposição aos ventos do litoral – para rejuvenescer o vinho chileno, em atitude que batizou de “locuras”.
E Locuras é exatamente o rótulo desse chardonnay de acidez espetacular, vibrante, pouquíssima madeira, produzida na área de Cachapoal, na região vinícola do Maule, em parceria com três outros enólogos, inclusive o francês François Massoc, do qual é sócio em outra vinícola local, a Aristos.
É um vinho próprio para o aperitivo, mas é também bela companhia de sabores distintos e extremos como a delicadeza de um peixe de molho leve ou a força de um arenque defumado. Em janeiro desse ano, o Locura ganhou uma distinção maior do que qualquer dos prêmios que já recebeu: foi o “Vinho da Semana” no site da maior crítica de vinhos de todos os tempos, Jancis Robinson.
Quando a cerveja não dá certo, pode virar algo ainda mais do que certo… Fala, Fabinho, mestre e professor em cervejas da Universidade Herr Pfeffer.
Esprit d’Achouffe é um refinado eau de vie, similar ao grappa, destilada a partir de cinco anos de idade cerveja. É um Destilado de cerveja pronta, o rendimento aproximado é de 10% da cerveja.
Cervejeiros não satisfeitos com o resultado da cerveja, muitas das vezes por off-flavor, destilam a cerveja e transforma em outra bebida, com 40% ABV e cristalina. É recomendável manter no freezer, e servir a uma temperatura de 0 a 5 ° em taças de licor.
Trois Mousquetaires Doppelbock é uma cervejona canadense, de Québec, uma micro-cervejaria daquelas eleitas, com a mesma justiça que temos, hoje, com uma Mikkeller ou uma DogFish Head. Pesquisam, experimentam, fazem várias, portanto. A experiência acima é pura classe da cerveja belga de abadia: cheia, compotuda, de boca volumosa, generosa, densa para uma cerveja própria para o inverno. E que traz potência, mas sem perder a ternura jamais.
Tem a cor muito escura como a de um café, mas de espuma que cede mais rapidamente do que um espresso. No fim é longo e traz poucos amargores, apenas uma ou outra ponta no fim de boca. Volta saboroso, com um quê de infância. Mas que acompanharia facilmente um grelhado adulto ou uma carne mais gordurosa como a costela. Um cheeseburguer é parceiro fiel dessa bela cerveja, de tampa champenoise, que espoca mas não explode.
Trois Mousquetaires Doppelbock
País: Canadá
Região: Québec
Estilo: Doppelbock
Álcool: 8,6%
Formato: Garrafa escura de 500ml
Beer Advocate: 93 (very good) 100
RateBeer: 98 (geral) 99 (estilo)
Brejas: (não avaliada)
Talheres: 95-95
Da série cereais matinais: Blumenau e a contribuição catarinense para o equilíbrio das cervejas do estilo IPA. Sob essa roupa dourada, a boca estala de frescor, de perfume de manga e daquele amarguinho que nos faz avançar no primeiro pato com repolho roxo que as rotas catarinenses me fizerem encontrar. Mas como não encontrei repolho roxo, tive de me contentar com um joelho de porco para um café da manhã mais sorridente.
Deu no Le Figaro, do qual traduzi o título acima. Até o dia 15 de agosto, o abate de patos está suspensa na França. Segundo o jornalão, naõ se trata do resultado de qualquer grita contra os processos de produção do foie gras, mas pela contaminação epidêmica das aves por um vírus, o H1N5, mortal para as aves e potencialmente perigoso para o ser humano, por ser uma nova forma da temida gripe aviária.
Com isso, espera-se uma pressão sobre os preços não somente da mais cultuada das iguarias obtida dos patos, mas também sobre itens igualmente cobiçados como o magret e o confit. Para quem importa, o problema é ainda maior, já que, além dos choques cambiais, o artigo estima que os preços relacionados aumentem em torno de sete vezes.
Ficou claro que a medida é restrita ao Sudoeste da França, que representa mais de 70% da produção total de derivados de patos no país. O que não ficou claro é se os produtores de gansos, tido como origem do melhor foie gras, também serão atingidos pela quarentena.
Outro aumento que podemos prever é o das importações de outros países, como a Hungria, que produzem o foie gras exatamente para suprir o apetite do mercado francês pela iguaria.
Os produtores de uísques, conhaques, vinhos e até de cachaças costumam chegar ao Brasil e promover seus eventos com apresentação exigindo passeio completo e o anúncio com as devidas pompas e circunstâncias. Merecidas, até, muitas vezes. Mas com a cerveja, parece que a história muda de guarda-roupa. Que o diga o escocês Jamie Watt, um dos proprietários da polêmica Brew Dog. Ele chegou de bermuda e foi direto para uma mesa de alguns e muitas degustações no BeerJack Hideout, em Botafogo.
Em cartaz, uma descontraída apresentação de rótulos como a 5AM, a Tokyo e as IPAs Punk e Hardcore. Espetaculares e, em relação ao que se consome nas latinhas de supermercados, é como o próprio Jamie diz: “cerveja não foi feita para ser sem graça, sem sabor e sem simpatia”.
De início, a prova das duas últimas, incluindo a forma irreverente, guerrilheira com a qual se intitulam, sem a banca do preparo com uma água puríssima, das highlands escocesas.
Punk IPA
Post Modern Classic Pale Ale
5,6% de álcool
Maracujá e abacaxi cozidos. Melão muito maduro e pêssego, na evolução. Enfim, uma autêntica guerra de fim de feira. Jasmins, lichia. Isso não é uma cerveja. É um riesling com manga. Mais informações no nariz: cítricos finos, tangerina, flor de laranjeira, todos os zests, com cara de casca de laranja, que remete ao belo bronzeado da cor dessa variedade de cerveja.
Hardcore IPA
Explicit Imperial Ale
9,2% de álcool
Compotuda, densa, amargosa, pede uma sopa sopa aveludada, tipo a de cogumelos, com condimentos à vontade, para segurar o tranco dessa cerveja de cor escura, mas de profunda transparência.
Zelândia, sempre Nova. E inova o sauvignon blanc e o pinot noir, o syrah e o gewurztraminer. E lembrando a camiseta que eu cobiço até hoje, parodiando o Pink Floyd: Momentary lapse of riesling. Não há lista de grandes vinhos no Novo Mundo à base de pinot noir ou sauvignon blanc que não inclua um ou mais rótulos desse país, que conta com cerca de 700 vinícolas em um espaço pouco maior do que o do Paraná, mas com metade da população da cidade do Rio de Janeiro.
Vamos ao cenário, deslumbrante, por sinal, já que são comuns paisagens como os picos nevados que despencam no mar com a classe de um fiorde: são duas ilhas, a Norte, mais quente e onde a cultura se iniciou; e a Sul, bem mais fria e de vinhedos mais recentes. Há vinhas badaladas em ambas, com absoluto predomínio, em qualidade e quantidade, da pinot noir entre os tintos e da sauvignon blanc entre os brancos.
Foram esses brancos os primeiros a abrir o caminho da fama da Nova Zelândia pelo mundo, há exatos 30 anos, com a chegada do Cloudy Bay (hoje no portfólio da Louis Vuitton Moët Hennessy) ao mercado mundial. Foram as pontas de lança de um novo sauvignon blanc, moderno, vibrante, com pouca ou nenhuma madeira, de acidez esplêndida e notas diferentes, de frutas como a goiaba, longe dos maracujás das Américas.
A façanha lançou também a região de Marlborough, no alto da Ilha Sul, ao estrelato e à condição de sinônimo de vinhos neozelandeses. É de lá que nos chegam rótulos de diferentes categorias de qualidade e, claro, de preço, do Yealands, que já esteve nas prateleiras do Pão de Açúcar por cerca de 60 reais, ao Dog Point Section 94, que já circulou no site da importadora Viníssimo por 250 reais, passando pelo medalhado Saint Clair Vicar’s Choice, que, na data deste post, estava por 144 reais na Grand Cru.
No Norte, tudo começou. No Sul, tudo se consolidou. A comparação é de Nick Mills, enólogo e herdeiro da Rippon, uma das vinícolas do momento, tanto pela beleza do cenário do Lago Wakaka, em Central Otago, quanto pelos vinhos que vem produzindo: o branco, com a riesling, os tintos, com pinot noir, com destaque para o Jeunesse, delicado e complexo, com uma cor mais fechada do que os que a uva proporciona na Borgonha.
Hoje, a pinot noir é a segunda uva mais plantada da Nova Zelândia e, tal como em Champagne, é mais usada para os espumantes. Para os tintos, levaram um tempo para encontrar os tipos certos e os clones mais adequados. Com os ponteiros acertados no início dos anos 80, foram produzidos em larga escala, em Marlborough (Sul) e Hawkes Bay (Norte), com rótulos como Sileni e Framington, Trinity Hill e Craggy Range.
Esses dois últimos estão em um dos terroirs mais recentes e cobiçados do país, o Gimblett Gravels. A alegre novidade é resultado de uma enchente: em 1867, o Rio Ngaruroro transbordou e causou inundação. Mas deixou esse pote de ouro em forma de cascalho (gravel, em inglês) que segura o calor e permite a maturação ideal das uvas, num local geograficamente protegido das fortes brisas marítimas.
Mas o fenômeno Nova Zelândia ainda vai trazer novidades. Vale a pena prestar atenção aos vinhos brancos à base de pinot gris e gewurztraminer, além da própria riesling. As três são produzidas pela Framingham, vinícola que a Zahil representa por aqui.
E atenção também para os tintos à base de syrah, como o Trinity Hill, que conheci na Porto di Vino, na Gávea. São surpresas que podem não chegar aqui tão baratas — a Nova Zelândia é do outro lado do mundo. Mas que vêm mudando a forma de tratar uvas tradicionais, de uma forma moderna e, principalmente, descontraída.
Depois do gim espanhol, do peruano e até do alemão, que citamos acima, quem diria, um dos exemplares mais badalados da bebida inglesa não vem dos arredores de Londres, mas de um inesperado Faubourg Saint-Denis. Isso mesmo, em pleno coração boêmio da capital francesa está a Distillerie de Paris, uma pequena destilaria, criado por crowdfunding, que batiza o gim do mesmo nome.
Chega nas versões da bebida fresca, aromatizada com cascas de tangerina ou ainda enriquecida com quinino, o que poupa do bartender amador metade do caminho para um gim tônica. O charme fica por conta das garrafas no estilo dos antigos boticários e, para quem quer algo ainda mais exclusivo, com as novidades recentes da pequena empresa: o rum e a vodca.
Mizu shingen mochi é o nome original dessa belíssima sobremesa com forma de gema e limpidez de um diamante, de estética irresistível de uma gelatina perfeita. Em Nova York, onde pulou para o mundo, é conhecida como raindrop cake (bolo de gota de chuva), mas suas origens estão em confeiteiros de Yamanashi, uma comunidade aos pés do Monte Fuji, já famosa por produzir, na área de Koshu, os melhores rótulos do nascente vinho japones.
A expressão original do japonês, 水信玄餅, significa, literalmente, “bolinho de bolsa de água”. Trata-se de uma solução de alginato (ágar-ágar), água pura e uma liga de kinako, a farinha de soja japonesa e kokumitsu, um xarope de açúcar mascavo.
Sozinha, não tem gosto de nada e as guarnições devem vir de lado, como açúcar mascavo, geleias e outras doçuras que serão meros consortes diante de um prato que é consumido, acima de tudo, pela textura e pela beleza da apresentação, que, na primavera, pode ganhar uma incrustração digna de joalheiro: uma flor de cerejeira.
A chegada da iguaria aos Estados Unidos é atribuída a um dos vendilhões do Smorgasburg, mercado de gastronomia a céu aberto, no Brooklyn. Ele é Darren Wong, que afirma ser o criador da receita. Não é. Ele é apenas o autor da bela foto que ganhou o mundo na última semana.
O
Para quem for a Roma, fica a dica para a saideira. No terminal internacional do aeroporto de Fiumicino, há um pequeno oásis contemporâneo para a despedida dos aromas e dos paladares da região. É o Spazio Bolliccini, um meio termo entre wine bar e restaurante, mantido pela Ferrari, não a dos carros, mas a dos melhores espumantes do mundo fora de Champagne.
Ali, podem ser degustadas pratos simples na composição mas complexos nos sabores. Entre as taças do Perlé Rosé, atrações como o sfiattino di carne di cavalo, uma carne equina seca, delicadíssima, levemente salgada e desfiada. E a insalata mediterrânea, que é como os italianos se referm à salade niçoise.
Perfil Luis Gutman
O máximo do mínimo
por Isabelle Lindote, para a edição 58 de Magazine CasaShopping
A formação em Informática e a vida estável não foram páreo para a vontade de Luis Felipe Gutman de fazer da fotografia mais do que um hobby. Apaixonado por paisagens, fez das grande angulares suas melhores amigas no início da carreira. Ao buscar a especialização em escolas como a Trilharte e o Ateliê da Imagem, descobriu a macrofoto, com lentes que enxergam tão próximo que o olho humano não consegue distinguir. Com esse recurso, é preciso um olhar minimalista para encher a detalhes mínimos de belezas máximas. Apesar de parecerem estar em lados opostos, os olhares convivem em harmonia no portfólio do fotógrafo, que se divide entre a diretoria de tecnologia da Universidade Veiga de Almeida e as viagens e os equipamentos necessários para continuar encantando com sua arte.
Apesar de sua primeira exposição ter sido de macrofotografias, no segundo semestre de 2015, seu trabalho é composto prioritariamente de imagens amplas, com fotos etéreas, nas quais a natureza salta aos olhos em mares, neblina, formações rochosas e luzes que nem parecem terrestres. Também há espaço para o registro de rostos, corpos e movimentos das ruas das tantas cidades onde Gutman já esteve, sempre em busca do que possa tornar cada clique único. Depois de sua première, na Casa Carandaí, no Jardim Botânico, mais duas exposições a caminho, uma delas também com olhar macro, o artista de 36 anos segue fazendo poesia com a câmera para quem puder ver, muito mais pleno do que há cinco anos, quando começou a mostrar o seu trabalho.
Como você enxerga a fotografia como arte?
A fotografia foi o modo que escolhi para expor ao mundo como vejo, sinto e vivo a natureza. Tenho grupos para viagens com os quais buscamos o que há de mais belo a ser visto em diversos lugares. Também em grupo, já fotografei diversas paisagens do Rio, normalmente em horários pouco usuais, com o amanhecer e o entardecer como testemunhas. Essa é a arte: a beleza está ali, mas é preciso encontrá-la, seja na amplitude ou nos detalhes.
Sua primeira exposição teve como tema o uso de miniaturas de pessoas e de animais em cenários formados por alimentos. Como surgiram essas imagens?
Eu já tinha feito macrofotografias da natureza, como insetos, flores e plantas, quando conheci os trabalhos inspiradores dos fotógrafos Christopher Boffoli (americano) e Akiko Ida (japonês), especialistas no assunto. Encontrei um site que vende miniaturas aqui no Brasil (www.brasilhobbies.com.br) e comecei a investir em alguns cenários, que é a forma como são vendidos os bonecos. A brincadeira acabou virando coisa séria e se tornou uma exposição que me deixou muito feliz e orgulhoso.
Você não teve receio de parecer querer fazer uma cópia deste tipo de trabalho?
Cada imagem foi muito pensada, estudada. Eu achei que era mais fácil fazer macrofotografias assim, mas percebi que a dificuldade de encaixar os personagens com os alimentos é tão grande quanto outros tipos de registros. A diferença é que eu conhecia com um queijo, dois bonecos de plástico e um aparato de equipamentos, chegar em um canto e ficar três horas fotografando, em diversos ângulos e com diferentes luzes e filtros, até que fizesse sentido. Então eu sabia que estava fazendo um trabalho autoral e muito particular, tendo referências de grandes fotógrafos, mas sempre em busca de como levar o meu olhar para aquela cena.
E quais são as dificuldades principais das fotos de paisagens?
Capturar a luz ambiente é sempre um grande desafio. E também é o que torna este tipo de fotografia tão instigante e saborosa de ser feita. Existe um ápice da luminosidade e depois disso é como se a luz fosse se esvaindo, lentamente, vai caindo a cada minuto. Para aproveitar bem cada registro, uso um aparato de lentes e acessórios, muitos importados, para valorizar os momentos. Por isso alguns imagens ficam mais alaranjadas, outras mais azuladas, e componho o portfólio com aquelas que mostram melhor o modo como me inseri naquele ambiente. Até as paisagens mais óbvias podem ser vistas de uma outra forma e essa é a magia da foto.
Você pensa em investir integralmente na carreira de fotógrafo?
A fotografia entrou na minha vida como um hobby e se tornou uma profissão sem que eu planejasse. Estou feliz em poder me dividir entre duas carreiras que eu gosto, tendo êxito em ambas, de formas distintas. A fotografia artística, de exposições e ampliações para a venda, ainda é muito recente em minha vida. Por enquanto não tenho planos concretos de seguir por um caminho ou outro. Os dois se complementam: uma carreira ajuda a outra a acontecer.
É a mesma relação entre a fotografia de paisagem e a macrofotografia?
Com certeza. São duas formas de exercitar o olhar. Muitas vezes eu aproveitei um cenário para fazer os dois tipos de imagens, até para entender qual deles funcionaria melhor. Comecei treinando muito na Lagoa Rodrigo de Freitas, que fica perto da minha casa. Minha esposa ficava impressionada como, muitas vezes, uma hora de trabalho rendia apenas uma fotografia. E era o que bastava.
O equipamento é primordial para a realização das imagens. Você é fiel a marcas?
Quando começamos com uma marca, o ideal é continuar com ela, já que os acessórios normalmente são feitos nos tamanhos específicos das câmeras e lentes daquela marca. Mas não defendo uma ou outra não. Sendo de caráter profissional, há boas opções no mercado. Acabo comprando itens importados por conta do custo, mas é uma escolha muito pessoal, de adaptação mesmo. Alguns são mais leves, outros mais maleáveis. O mais importante é pensar na segurança na hora de fotografar, por isso que as externas são feitas normalmente em grupos.
Você tem diversas imagens do Rio de Janeiro, mas também fala muito das viagens. Quais são os lugares que mais inspiram você?
Sou apaixonado pelas belezas naturais do Rio de Janeiro e já fiz inúmeros cliques dos principais cartões-postais, das praias, das florestas. Foi a minha base, onde comecei a me entender como fotógrafo e onde também aprendi a fazer a arte com técnica. Mas adoro os parques dos Estados Unidos também, já fui algumas vezes. O Grand Canyon tem uma das visões mais espetaculares do mundo, não me canso de fotografar lá. É o paraíso entre as paisagens. Também admiro a região costeira da Inglaterra.
É raríssimo pra mim sugerir salmão como prato do dia. Enjoei não pelo sabor, mas pela falta desse sabor com preparos trágicos, alguns tão bem passados que cheiram a maresia. Mas quando é feito com atenção, vale a pena. Aqui, salmão é atento, selado sobre massa harusame, moyashi (broto de feijão), edamame, wakame e sunomomo de pepinos. Refrescante, leve, e, com seu jeitão oriental, a gente se sente mais orientado. Com trocadilho, claro…
Zazá Bistrô
Rua Joana Angélica 40
Ipanema
Aberto todos os dias para almoço e jantar
www.zazabistro.com.br/zazabistrotropical
“O vinho é a poesia da terra”, dizem os versos de uma antiga trova siciliana. A ternura das palavras reflete o amor com que aquele país (as regiões italianas denominam-se paese) dedica aos seus vinhedos e às suas regiões, que, conta a história, cultivaram as primeiras uvas de qualidade que viriam, no futuro, a se espalhar pela Itália continental. Mas a tradição não se traduz em facilidade: a história do vinho da Sicília foi dura e, se conquistou o zelo dos gregos, os primeiros a levar as técnicas da vinicultura para a região, enfrentou também a hostilidade de outras invasões, os rigores do clima, do solo e de seus vulcões e, internamente, até das antigas políticas agrícolas.
A história do vinho da Sicília é rica. Contá-la é fácil. Mas para fazê-la real e perpetuá-la exige técnica, talento e, sobretudo, dedicação e insistência. E recontá-la, sem que se fale apenas nos vinhos de sobremesa, pelos quais a região foi conhecida por mais de um século, é a tarefa do Conde Lucio Tasca e de seus filhos Giuseppe e Alberto. Parte dessa jornada já está na página de livros como a do crítico Oz Clarke, que tem a marca como a mais importante dos vinhos do sul da Itália.
Da bela propriedade, na região central da ilha, a família administra cinco regiões distintas, que mostram a diversificação que a ilha proporciona a seus rótulos. O mais importante deles é o Tenuta Regaleali, produzido a partir dos vinhedos espalhados em mais de 500 hectares em torno da sede. Do extremo leste da Sicilia vêm os vinhos da Tenuta Tascante. De Camporeale, no norte, próximo a Palermo, estão os vinhos da Sellier de La Tour, enquanto, a oeste, está a ilha de Mozia, onde são produzidos os brancos a partir da casta grillo. Seus vinhos generosos vêm da área de Capofaro, um arquipélago ao largo de Messina, entre a ilha e o continente, área da esplêndida uva malvasia.
O ambiente das vinhas no sopé do Etna é de uma beleza quase sinistra. A terra negra, que batiza alguns dos rótulos, é densa e escura como um pó de chocolate amargo. Mas suave, que cede ao passo do homem. E do tempo. Algumas ruínas pontuam a paisagem e dão o testemunho de uma atividade mais devastadora do que qualquer das erupções do belíssimo vulcão siciliano: a legislação.
Foi nos anos 40, quando o governo italiano taxou a produção de bebidas alcoólicas na Sicília. O resultado foi o abandono progressivo das uvas que geram o vinho rico e capitoso daquele terreno vulcânico. “É um solo rico e de uma estrutura ideal, em três camadas. A última delas retém a água necessária e faz com que as vinhas ganhem raízes longas e robustas”, comenta o engenheiro agrônomo Domenico Dantoni, engenheiro agrônomo, responsável pela Tenuta Tascante, um dos rótulos da grife Tasca D’Almerita.
No caminho entre as diferentes parcelas da propriedade, onde predomina o cultivo da casta nerello mascalese, Domenico ia mostrando, entre os terraços que esculpem a paisagem, algumas marcas recentes da atividade do Etna. Em uma delas, uma língua de 50 metros de largura de uma lava já esfriada, que devastou vinhedos na vizinhança imediata. “Não há como conter. As populações nos vilarejos apelam para os santos – e cada local tem o seu”, diz o engenheiro.
Mas no passo da tragédia está, ironicamente, o caminho para a personalidade dos vinhos do Etna (os IGT Etna Rosso), em uma área que, vista de cima, toma toda uma meia-lua em torno da cratera, descendo de norte ao sul pela vertente leste. Há vinhas plantadas em terrenos mais altos, mas a área da Tascante está em torno dos 400 metros, que garantem os graus de maturação das uvas e as suas expressões de mostos e terrenos: frutas vermelhas, couros e um quê de mineral. São essas características que marcam a prova do Tascante 2009, sua segunda safra e uma das levas de vinhos mais recentes dos pés do Etna.
As uvas sicilianas:
Catarrato – Uma das castas que se desenvolvem na Sicilia, proporciona vinhos de bom corpo e ricos em especiarias. Apesar de pouco conhecida, já foi a segunda uva mais plantada da Itália.
Grillo – Branca, já foi muito associada à produção do marsala. Segundo Nicola Massa, que já foi crítico do Gambero Rosso, a bíblia dos vinhos italianos, é uma uva que traz flores e vegetais ao paladar de vinhos brancos de mesa.
Inzolia – Matriz de vinhos leves e perfumados, é outra uva usada na produção do vinho de marsala, mas que vem ganhando fama pelos seus brancos de mesa, quase sempre associada a outra uva local, a catarrato. É a casta que dá origem a um dos vinhos mais sentimentais da Sicilia, o Nozze d’Oro.
Nero d’Avola – Riqueza, textura e longevidade são os adjetivos usados por Jancis Robonson para definir os vinhos produzidos com essa uva, temperada pelo calor da Sicília. Pode gerar vinhos de impacto, como os da parte ocidental da ilha. Ou mais elegantes – sublimes, no entusiasmo de Hugh Johnson -, como os da parte oriental. “É uma uva que tem que ser colhida no momento preciso, pois o sol siciliano pode passa-la de verde a madura de um dia para o outro”, conta, novamente, Nicola Massa.
Nerello mascalese – Nas palavras do crítico Hugh Johnson, é uma uva que gera vinhos de considerável elegância e de grande caráter e personalidade. Seu balanço de acidez é obtido nas frequentes combinações com o nero d’avola
Abaixo, um guia bem humorado de como usar o Azumi, através de itens ainda pouco conhecidos, como ankimo, karasumi, myoga e shishito, e outros hoje consagrados, como o usuzukuri e o yakitori, que, ao longo dos anos, conheci lá. É uma relação de dicas para que o cliente saia da sua própria zona de conforto e prefira um japonês à brasileira do que um califórnia à americana. Não está em ordem alfabética, mas em desordem analítica, observando um pouco de como se desenrola um omakase comandado pela Alissa Ohara e pelo Manabu San.
ANKIMO
De 鮟肝. Fígado de tamboril, que os japoneses tratam e cultuam como “o foie gras dos mares” – no país, ‘kimo’ fígado e coragem são sinônimos. Os experimentados relatam uma textura sedosa, semelhante ao do fígado de vitela, mas de sabor menos intenso. Seu preparo exige pouco esforço, além de uma marinada em saquê e mirin, limpeza das veias e enrolamento em plástico ou papel de alumínio, antes de ir à fervura – similar ao tratamento que o foie gras recebe no Ocidente, aliás. Pronta, é fatiada e servida como um finíssimo petisco, com molhos como o ‘ponzu’ e uma salpicada de ovas de peixe. No varejo, o pacote de 300 gramas sai por cerca de 20 dólares.
SHISHITO
Pimenta recheada com pimenta. Que tal? A maior, verde, longa como um quiabo, é o shishito propriamente dito, com algo de picante e muito daquele toque herbáceo. No recheio, aí sim, o calor da pimenta vermelha, preparada forma que não ataque de cara e, em vez disso, aqueça lentamente até a incandescência que o sadismo do sensei planejar. A palavra, fofa e oxítona, é abreviatura de shishitogarashi, interpretação de 獅子唐辛子, que significa, literalmente, pimenta (‘togarashi’) da cabeça de leão (“shishi”).
KARASUMI
Do hiragana からすみ. Petisco que lembra um brinco tropical, à base de ovas prensadas de tainha ou salmonete, em estilo similar ao da poutargue provençal, da bottarga sarda e ao avgotaraho grego. Como tais, é cortada em tiras finas (o tal brinco) e servidas como ‘tsukemono’, o acompanhamento salgado do saquê.
GOBO
Interpretação de 牛蒡, ゴボウ ou ごぼう, alcunhas da raiz da ‘bardana’, usada como petisco (cozido, deixa um paladar quase adocicado) ou guarnição de sopas e ensopados de massas. Ou ainda recheio de bolinhos de peixe prensado, conferindo-lhes um toque crocante.
MYOGA
茗荷. Conserva de variedade japonesa de gengibre, da qual aproveita-se a flor, que é preparado como tempurá ou como guarnição de massas ou sopas. Sua fama como um tônico para a concentração e outras atividades cerebrais remete a uma lenda sobre certo monge que seguia Buda – era esquecido e o sacerdote o fez usar uma folha da planta com seu próprio nome. A história se prolonga até hoje com a crença de que brotos de myoga costumam surgir ao lado da tumba do cura.
KARASHIMENTAIKO
De 辛子明太子, prensado de ovas de bacalhau, condimentadas com pimentas vermelhas e, preferencialmente, o karashi, espécie japonesa de mostarda. Há quem tente prepara-lo aqui no Brasil, mas o mais seguro é apelar para os importados, que são mais saboroso e intensos o suficiente para alcançar o objetivo: nos levar às lágrimas de dor.
LÍRIO
Schedophilus ovalis, para quem quiser identificar pela cara esse peixe horrendo, beiçudo, de olho esbugalhado ao exagero e pinta de desconfiado como a de quem sempre sofreu bullying dos outros cardumes na escola porque tinha a lancheira do Mickey. Mas no corte, é um dos peixes mais admiráveis das últimas redes que apareceram por aqui. Pudera: é da família do xerelete. Mas tem a carne rosa muito clara, quase marfim, untuosa, rica. Mas é um peixe incidental, raríssimo. Por isso, pergunte sempre, cobre, e choramingue, pois é o caso. Detalhe: é sushi brasileiro – como não tem na Ásia, nem nome japonês ele ganhou.
KURAGE (água viva)
De 海月, que significa, literalmente, “lua do mar”. O leitor pode tremer, mas não falamos aqui da temível e medonha criatura gelatinosa, pesadelo dos banhistas tropicais, mas a espécie que se torna uma iguaria nas cozinhas orientais para recondicionamento, quando é seca até o ponto de uma gelatina consistente e, na hora do uso, recondicionada em levíssima fervura e uso em saladas ou sopas. No caso do Azumi, é cortado como uma massa do tipo cabelinho de anjo e colocada sobre um sushi com alga. Delicadíssimo.
YAKITORI
Hoje, os espetinhos japoneses, os yakitoris (焼鳥) estão em todos os cantos. Até naqueles réchauds baforentos de churrascarias e restaurantes a quilo (uma contradição em termos). Mas nos primeiros tempos do Azumi, ainda eram uma raridade com cara arqueológica e que despertavam reações sociológicas. Uma delas era essa aí, da foto, a de tentáculos de lulas, que a imprensa tratava com a simpatia de quem abriu o crânio de uma galinha pintadinha. E com uma certa razão, até, já que o autor Richard Hosking (A Dictionary of Japanese Food) cita os pardais como uma das especialidades do gênero – hoje em desuso.
BUTA KAKUNI
Transcrição original de 豚角煮, que denomina a receita dessa barriga de porco – sim! porco em restaurante japonês. É cozida em sojas e mirins até a ternura completa. Desmancha-se sob o olhar é suculento, intenso, leve e, creiam neste depoimento: melhor do que o de Monsieur Ducasse. Seu eu fosse chef, me algemaria na cadeira até que a Alissa Ohara entregasse a receita.
UMESHU
Não esse lixo que encontramos por aí, mas o artesanal, preparado pela mãe da Alissa – e também pela própria. O mel não está só na cor, mas também na untuosidade e no paladar generosíssimo que a o “ume”, a ameixa japonesa fermentada, muito ácida, confere à poção, um licor preparado com aguardente. Na garrafa, transmite um sabor de infância, uma lembrança da família da marmelada. Mesmo em seu serviço mais comum, “on the rocks”, a cor alaranjada é linda, atraente, luxuriante, enganadora: quem se empolgar, vai cair – e feio. Por trás da doçura, há um álcool que, em tempos de carnaval, nos invoca outras entidades, como a que nos faz lembrar o Império Serrano de 77, com “O canto da sereia…”. Especialmente depois de umas doses a mais de saquê.
A cena aconteceu há cinco anos. E lembrava o cenário desconfiado dos antigos filmes de gângsteres, da época da lei seca americana, no melhor estilo da série Boardwalk Empire: dois homens com sacolas grandes e disformes entrando no restaurante, olhos alertas, suspeitando do risco em cada canto. Uma mulher, o contato, os acompanhava, um repórter os aguardava. As sacolas foram para debaixo da mesa. Dela, puxaram duas garrafas sem rótulo, com cara de coquetel molotov. Os copos vieram com o garçom conivente.
Quando as tampinhas voaram, iniciou-se um ritual de sociedade secreta. Era uma cerveja artesanal, que descia untuosa, com o colarinho dançando sobre aquele líquido de cor escura como o de um caldo de cana. Os quatro provaram com a reverência que se vê em uma eucaristia. O repórter ficou com aquele olhar parado e, ainda imóvel, perguntou:
– Onde vocês conseguiram isso?
– No Leblon, respondeu um deles.
Não, leitor, não compraram em alguma loja. Fizeram aquela cerveja de corpo magnífico, de doçuras e amargores equilibrados, na cozinha de casa, no panelão. Foram 60 garrafas de uma cerveja em estilo American Pale Ale, em pleno Leblon. O repórter choramingou por duas delas. Fez uma oferta generosa, em dinheiro vivo. Recusaram.
Aventuras à parte, essa história mostra que a produção de cervejas artesanais está mais próxima de nós do que imaginamos. Se os vizinhos fazem a própria cerveja, podemos fazer a nossa. Facilidades não faltam, já que kits completos e itens fundamentais como maltes e lúpulos já estão disponíveis. Online, inclusive, com direito a assessorias e tutoriais para cada tipo.
Para as cervejas artesanais, a exigência é maior, especialmente para o estilo que as especiais dos brasileiras (e do mundo inteiro) mais seguem, o da American I.P.A., de nossos amigos da história acima. Tem algum corpo, muito aroma e um amargor que não é para fracos. Há exemplos fáceis de se encontrar, como as da carta do Aconchego Carioca, com a Maracujipa, da 2Cabeças, e a Mistura Clássica. Ou a da Adega do Pimenta, em que temos a Noi Amara e a Colorado Indica, de Ribeirão Preto.
Muito desse caráter está na seleção dos lúpulos, como o amarillo, americano, um dos mais usados para dar o aroma cítrico característico e algum toque de maracujá. Para quem quer fazer a sua própria tentativa, um pacote de um quilo, na Malte e Cia, sai por R$ 252,85, o que aromatiza, em média 100 litros de cerveja, dependendo do tipo e do amargor. Outro lúpulo desse estilo é o centennial, também americano, normalmente associado ao amarillo, para combinações no melhor estilo do que os produtores de Bordeaux fazem com cabernets e merlots. .
Enfim, com as facilidades de acesso, as muralhas caíram e estilos como os da American IPA espalham-se como fogo de palha, aqui e em todo o mundo. Com isso, os padrões antigos foram, revistos e recriados. Tínhamos as belgas como as veneráveis. As alemãs, tchecas e holandesas como respeitáveis, as inglesas como as amargas, as americanas como intragáveis – e as brasileiras, tragáveis, desde que estupidamente geladas.
Isso mudou. Experimente casos modernos como os da alemã Schneider Tap5 ou da americana Rogue Yellow Snow Indian Pale Ale para ver como as antigas fronteiras dessa volta ao mundo da cevada já estão virando espuma. E como está tranquilizando o produtor artesanal, que já pode degustar a própria cerveja do panelão com os amigos sem passar pelo papel de gângster.
Está lá, na porta do último Grey’s Papaya que sobrou, o da 72, Boradway: é a pedida para quem está quebrado. E um duplo cachorro quente desses, por ser a pedida, foi batizado de Recession Special. É alta gastronomia entre dois pães de leite, um café da manhã para todos os campeões, um dos ícones do paladar de Nova York.
As casas têm o nome Papaya pelas suas origens, uma loja de sucos de inspiração havaiana dos anos 30, tempos de profunda recessão. O mamão papaya era uma novidade e assim continuou até que a moda dos sanduíches no pós-guerra trouxesse a novidade para a casa.
Deixou de ser um corte de sociedade secreta. Isso, para os brasileiros, que se acostumaram a olhar com desconfiança para qualquer carne que não seja uma peça limpinha de boi. Entre os alemães, eisbein é a denominação que o ‘joelho de porco’ costuma ganhar, com especial apetite quando vem de mesas de bávaros e alsacianos.
É um daqueles cortes que ganham textura e graça por estar junto ao osso até o momento do serviço. Mesmo o cozinheiro mais incompetente não vai tirar e suculência de sua carne, protegida que é por uma capa de gorduras que a revestem no sistema da articulação do animal.
Normalmente, é defumado e frito em óleo para a graça crocante de sua pele, antes de ir à mesa guarnecido com batatas e repolhos, preferencialmente o chucrute.
É a quintessência das IPAs, com algum corpo, amargor elegante, frutas presentes mas sem exuberâncias ou exageros. O maracujá é só um traço. Há um quê de cítrico e uma acidez que só se encontram em frutas tropicais como a carambola e algo mais que o lúpulo simcoe possa nosa trazer – e que nos remeteria a um estilo mais americano, coisa que os canadenses não precisam ser. Belo nariz, manto de ouro curtido, turvor e colarinho ‘mousseux’. Vale a compra. Pelo RateBeer, vale até mais, já que temos ali uma nota máxima na categoria Estilo.
Rótulo: Alchemist Moralité
Cervejaria: Dieu du Ciel
País: Canadá
Cidade: Quebec
Álcool: 7%
Estilo: IPA (Indian Pale Ale)
Lúpulos: centennial, citra, simcoe
Locais de prova: Herr Pfeffer e Delirium Café
RateBeer: 99 / 100
Brejas: 4,1