O rum brasileiro

[23 nov 2020 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Da praia do mesmo nome, na Ilha Grande, o batismo do excelente rum brasileiro e seu parceiro de nascença, o limão (Foto Pedro Mello e Souza)

 

Sendo o Brasil o país da cana e do melaço, fica a pergunta: por que não temos uma tradição de rum? Quem sabe essa trajetória não se inicia com este cavalheiro aí em cima, o Parnaioca, rum produzido por um grupo de jovens empresários cariocas, André Micheli, Pedro Pessanha, Caian Carvalho e batizado com o nome de uma praia da Ilha Grande? Tem os atributos para isso: delicadeza, equilíbrio e elegância.

 

Mas também tem personalidade para figurar em um drinque, como esse aí que preparei, com tônica, limão e gelo. Ou para ser degustado puro e gelado como uma vodca nobre. Ou ainda, com a nota terrosa que a cana-de-açúcar confere, ser degustada com um bom caldo, o de feijão, inclusive, no melhor estilo de um jerez. Em todos os casos, jamais seria um rival da cachaça, no máximo seu irmão em espírito.

 

A expressão “bebida espirituosa” ficou banal. Virou tradução direta do inglês “spirit”. Mas o original tem caráter – e o difícil hoje é conseguir bebidas com o caráter da original. O espírito a que os ingleses se referem está na “alma” das bebidas que dizem, que sabem e que vendem os sabores originais de seus ingredientes.

 

É o caso dos uísques e seus cereais, dos bourbons e de seus milhos, dos gins e de suas sementes, do poire e de sua fruta, da grande cachaça e de sua cana. O rum não é exceção, mas traz um complicador histórico: o de vender mais do que um ingrediente, mas todo um processo que vai do cozimento da cana à prévia do melaço. É a história em um copo.

 

E haja história! Foi em 1654 que a expressão entrou na literatura inglesa, ainda com o nome afrancesado “rambullion”. Durante todo aquele tempo das navegações, foi tido como uma panacéia contra o escorbuto e tornou-se ração mandatória na marinha inglesa – mal sabiam eles, era o limão, o mesmo do daiquiri, que salvaria milhares de vidas embarcadas. Por fim, foi a explosão de uma fábrica de melaço para rum, em Boston, a gota d’água para a Lei Seca americana.

 

Se citei elegância e delicadeza, para este notável rum brasileiros, esses são atributos recentes, mas de 160 anos atrás, quando um comerciante catalão radicado em Cuba inventou um método de filtragem em carvão que transformou a bebida, então brutal, em algo agradável. Seu nome ficou na história: Facundo Bacardi.