As ervas estão em casa. Especialmente agora, com a chegada do conceito da horta urbana, que traz plantas comestíveis, fáceis de criar, para dentro dos ambientes. Dois exemplos famosos: o da grife alemã Auerhahn, que lançou um conjunto que é puro sabor de design. Trata-se do Krautergarten (em português, jardim de ervas), uma estrutura para mesa – inclusive a jantar – montada em plástico de alta resistência. No acabamento, um kit de vasos em aço inoxidável polido. No conceito, um complexo de irrigação, que pode chegar à mesa ou à cozinha de design que mantém as plantas sadias e viçosas, podendo ser usado à minuta, com as ervas rasgadas na hora. A outra é do vegetal designer francês Patrick Nadeau, que já tinha sugerido um kit elegante de bolsas pretas em poliéster, que são penduradas na parede em estruturas de pvc e aros de metal.
As ervas giraram o mundo. Literalmente. Parte da navegação evoluiu nas rotas sangrentas em busca de novos aromas, os mesmos que, dizem os humanistas, causaram a decadência do Império Romano. Mas como toda a décadence pode ter a sua élégance, há os registros literários que Apicius, Plínio e Columella deixaram para o mundo da culinária, embora ambos também tivessem suas pitadas de exagero. Antes deles, os médicos egípcios e gregos condimentavam os doentes; depois deles, os árabes e os provençais, os druidas e os alquimistas, em uma milenar fusão entre a medicina e o paladar.
Hoje, podemos tem em casas os oréganos das pizzas, os alecrins dos cordeiros, os louros de César, os cominhos de pães, queijos e licores, a sálvia, que torna a saltimboca tão romana, o cardamomo, que encerra um banquete que lembra a dos antigos embaixadores turcos, os famosos “nababos”. Mesmo em endereços muito finos, as ervas dão o seu fumo de nobreza em hortas domésticas. São as cebolinhas que tingem de verde os jardins do hotel Bel Air, em Beverly Hills – e que dão o frescor a refeições de seus clientes famosos, de Robert Redford a Oprah Winfrey. Ou os alecrins, que os gregos denominavam “rosas marinhas”, que inspiraram os latinos, atiçaram os provençais, coloriram os mediterrâneos. E que, hoje, florescem (sim, com flor e tudo) nas hortas de santuários da enogastronomia, como o Castello di Ama, no coração do Chianti.
Mas há ervas que não podem cair no esquecimento. Segurelha, estragão e verbena estão entre os exemplos de condimentos que saíram do anonimato para perfumar o cardápio mais badalado do mundo, o do Noma, em Copanhagen. A origem, os canteiros que o chef mantém, no melhor estilo das hortas urbanas. Em Zurique, o chef Martin Sürbeck usa ervas silvestres e brotos como os de agrião, do fundo de seu restaurante, para preparar itens que lhe valeram a estrela no Michelin. Entre eles itens surpreendentes como as cidreiras do sorvete da sobremesa. No coração do Abruzzo, na costa italiana do Adriático, a sálvia é quase uma praga, de tanto que ocupa nos jardins do restaurante La Bandiera, outro restaurante contemplado pelo guia francês. Ainda mais seletivo, outro chef estrelado, Alain Passard, do Arpège, de Paris, recorre a uma horta nos arredores da cidade para escolhe pessoalmente as ervas do dia.
Quem fala em ervas, fala em chá. Mas quem fala em chá, fala em Inglaterra? Nem sempre. Pode-se falar, em vez disso, em um belo jardim de inverno de uma histórica mansão. Ali, tome um farto café da manhã acompanhado da melhor seleção de chás de Buenos Aires – deixemos de modéstia: de todo o nosso hemisfério. E com direito a música clássica na trilha sonora. Estamos falando da Tealosophy, loja de chás que se tornou uma atrações contemporâneas na capital argentina. Lá, ao lado do Hotel Alvear, a especialista em chás, Inés Berton cria “blends” variados de chás verdes, pretos e fermentados. O lugar, por si só, é uma viagem. E vale a viagem, sem qualquer trocadilho com o chá.
Nessa mesma rota entre Buenos Aires e Londres, pode-se passar por Frankfurt, com direito a escala em São Paulo. Mais do que metrópoles, são cidades-sede da grife alemã Tee Gschwendner, que sugere misturas para chás que vão da melissa à lavanda, que se associam a tons exóticos como os do sândalo indiano e outros europeus, como os do aneto e do fenogrego, só para citar dois daqueles que foram citados como obrigatórios pelo Codex Alimentarius de Carlos Magno, ainda no século X.
Mas não é só na área das infusões que o Brasil integra o fino mundo das ervas. O espírito desbravador do chef Alex Atala o levou a descobrir o potencial de ervas que, antes só serviam mesmo à farmácia popular, com as famosas garrafadas medicinais. Uma delas, descoberta em uma barraca de feira de Belém do Pará é a priprioca, que tornou-se um dos símbolos de sua bandeira pela valorização dos produtos nacionais. Outra delas é a assa-peixe, bem conhecida pelos mineiros, que a usam como a denominação indica, na frigideira. Ou ainda na polinização de um mel denso, dourado e saboroso, que ainda serve como remédio para males da respiração.
Da decoração dos ambientes para os pratos, outro elemento da moda chega, dessa vez, do oriente. É o shiso, uma erva da família de mentas e hortelãs. Além do sabor refrescante da família, a planta gera uma folha imensa, às vezes do tamanho de uma mão, usada na guarnição de pratos fritos ou crus, como o sushi. Decoração, moda e tradição também estão juntos com as ervas que aromatizam azeites, vinagres, licores e até vodcas como a Blavod, que tem a cor escura como a de outros preparados à base de plantas, da Angostura ao Fernet Branca, que, contrariando o nome de seu criador, é escura. Em todos eles, um outro tempero, o da cura, pois são receitas de antigos boticários, que tinham as ervas como a chave para curas de todos os males, dos físicos aos espirituais.
São as ervas, dando a sua volta ao mundo e sua revolta no tempo, para trazer às nossas mãos, em nossas casas, um conjunto saboroso de temperos e de histórias.