Térèze: modo de usar

[23 nov 2013 | Pedro Mello e Souza | Um comentário ]

Janelões e ambiente chique, com o jardim assistindo a tudo (FOTO Pedro Mello e Souza)

O gourmet que viaja volta sempre com uma pequena ponta de dúvida na bagagem, depois de ir a um restaurante de decoração leve e inteligente, de paladares intensos mas simples, atendimento  charmoso de adega bem escolhida e bem sugerida – e que se possa ver e ser visto, enfim, um lugar. -“Por que não temos restaurantes assim por aqui”. É impulso, sabemos, pois há muitas casas assim no Brasil, como o Mani e o Bazzar, e que não estão necessariamente no eixo Rio-São Paulo – ou no eixo Jardins-Ipanema, Leblon.

 

Muita madeira de construção nos móveis, pisos em pedra curtida, jardins expostos, janelões abertos sobre a Guanabara e está montado o cenário de padrão internacional do Térèze, no topo do Hotel Santa Tereza, que mostra há 5 anos o alto de um Rio que mostra as suas caras: a moderna do local, o antigo da região. Ficou combinado com a sommelière Livia Guerrante que os vinhos seriam de boa relação custo-benefício e os pratos, alguns dos mais populares do cardápio do francês Philippe Moulin, que veio de temporada no México com suas ideias de chipotles na mão e um belo guacamole na cabeça.

 

Viva la Francia: tartare de salmão com chipotle e guacamole (FOTO Pedro Mello e Souza)

Ambos chegaram logo em uma das entradas, com o tartare de salmão fresco, a pimenta no molho e o mole na guarnição, em combinações finas de sabor e textura, talvez menos do que em um “Arriba, Mexico” e mais como um “Viva la Francia”. Na apresentação inclusive, que foi campeã de audiência no registro feito no Instagram. No copo (de agora em diante, será restrito e policiado o uso da palavra harmonização) , um Amalaya em inesperado corte riesling-torrontés.

 

Porto e foie gras não são combinações famosas, mas o vinho chegou à mesa na forma de uma gelée que cobria a terrine da iguaria máxima da nossa existência – não a dos humanos, mas a dos humanistas. A fatia, como a de um bolo é linda e dá cada nível dos contrastes entre os doces, os salgados, os acridoces e os trufados, este o do vinagrete. Chandon rosé para o brinde e para o frescor das combinações.

 

Mil folhas de foie gras e gelée de porto (FOTO Pedro Mello e Souza)

A vida no México foi boa para o chef Moulin. Especialmente para dicas como a do preparo da lagosta, que chegou como o nome prevê, rosada, não em algum molho, mas no preparo. Nem em Paris se vê assim: delicada, com o rosado que Zeus lhe deu. A guarnição, o risoto de moqueca, deveria ser um prato à parte pela qualidade do resultado: a força do risoto sem o exagero do dendê, que, mal usado, amolece nossa boca e a nos condena a dois dias de paladar cego.

 

De qualquer forma, duas soluções bem adequadas à alegre transgressão de Lívia ao nosso acordo de custo: um pouilly fumé  com T maiúsculo, literalmente, o Mademoiselle de T, com a garra dos minerais, uma acidez esplêndida e mais um rótulo que nos livra da ditadura do sauvignon blanc do tipo Maguary, com tintura de maracujina, insônia na certa.

 

Lagosta rosada: ponto incrível: nem em Paris (FOTO Pedro Mello e Souza)

Mais um prato “dois-em-um”: o principal, o cordeiro em crosta de castanhas, e seus acompanhamentos, a polenta branca frita e a batata-doce picante. Gagnaire e Ducasse sempre se preocuparam com isso: fazer valer cada item como se cada um fosse o principal. A prova fica nos pratos – ou não fica: tudo raspado, do crocante da castanha à folhinha que cobria uma tendência para esse tipo de carne: a costeleta e mais um petisco da costela. Desconstrução inteligente é isso aí.Tudo combinado com um belo Côtes-du-Rhône Les Abeilles, com sua syrahs e grenaches sempre calientes.

 

A sobremesa de cupuaçu já tinha revertido um efeito que o Bazzar, supra-citado, já tinha conquistado: a minha simpatia por esse primo menos reconhecido do cacau. Em ambos os casos, o excesso de acidez foi devidamente domado e o perfume dos grãos, sempre muito forte, tornou-se delicadíssimo. No acabamento do Térèze, uma fatia de mousse da fruta com seu leite, crumble de castanhas e um shot de capim limão com pinga, com canudinho e tudo.

 

Churrasco de cordeiro: castanhas crocantes haciendo toda la différence (FOTO Pedro Mello e Souza)

Esse cardápio-degustação deveria ser adotado. Fusão é outra expressão em vias de banimento nesse veículo, mas cabe no caso, com as frutas e castanhas brasileiras e as fórmulas e condimentos mexicanos bem equilibrados pela técnica francesa, em estilo que calaria a boca do nosso personagem nada fictício do primeiro parágrafo. Dois créditos, um à casa, outro ao Bruno Agostini, guerreiro da gastronomia carioca, paladino intransigente da qualidade, amante nada secreto da criatividade. Sem ele, esse post seria impossível.

 

Chef Philippe Moulin e a conexão France-Méxique (FOTO Pedro Mello e Souza)

Pouilly Fumé: mademoiselle de T, no encontro com a lagosta (FOTO Pedro Mello e Souza)

A sommelière Livia Guerrante: alegres irreverências (FOTO Pedro Mello e Souza)




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Depoimentos

  1. Renata Moritz disse:

    Mais um post super interessante e didático. Adorei! Dá vontade de ir hoje mesmo jantar no Therèze. parabéns, Pedro!

    Abraços, Renata Moritz.