Ciúme e bairrismo não têm encontro marcado entre pratos, muito menos entre copos. Mas temos um pouco de vinhas, com nossas próprias reações ao sol quente. Ou às chuvas frias. Uma delas, para mim, foi a saída do crítico de gastronomia François Simon do Le Figaro, não importa a qualidade da substituição. É natural ser bairrista com quem sai e ciumento com quem entra.Especialmente à mesa.
Para o leitor, é largar uma zona de conforto à força – e ser lançado, por exemplo, a desconfortos como a matéria de capa da última Wine Spectator, sobre champanhe. Dura, técnica, sem o que a bebida mais transmite: prazer. E prazer é o que nos trazia o Simon, que tinha a liberdade para tiradas como essa, que reproduzo abaixo, com os dez mandamentos do champanhe, mais atual do que nunca mesmo depois de dez anos de publicado, no caderno Madame, do jornalão francês.
Concorde com uns, discorde de outros, discuta todos. Mas o fato é que a liberdade do críticoera tanta que os dez mandamentos tornaram-se onze…
1. DECANTAR
Não é crime. Desde que seja um vintage e procedido com a leveza “glissante” de uma dama ao sentar-se com graça em um evento de gala.
2. CURTIR A SÓS
Indicado para dias tristes. A gente desperta para a vida como uma arrancada de um carro.
3. GELE-O
Sem medo do paladar ou do olhar desaprovador do sommelier, como fez Hemingway. Gelar, sim; congelar, nunca.
4. DEIXE O DEMI-SEC
Mas não o ignore. É uma questão de guardá-lo brevemente, para que a sua dimensão açucarada cuide do resto e reserve boas surpresas para o futuro próximo.
5. ANTECIPAR
Ao mesmo tempo em que abre o apetite, é leve e celebra os convivas.
6. LEVE-O À MESA
Se começou com ele, por que não continuar com ele? É um companheiro experiente, que viu lágrimas, alegrias, misérias e momentos fulgurantes. E sabe sentar-se à relva e, na companhia de um salame, manter a mesma majestade da companhia de ostras, peixes, queijos e sobremesas.
7. DEIXE-O EM SUA INOCÊNCIA
É um vinho à parte, à prova de expertos, considerações e grandes análises, a não ser a de prová-lo, fechar os olhos e abre em outro universo.
8. ESQUEÇA TUDO
Esqueça as regras do vinho. O champanhe não os observa e até os contraria, por ter várias origens, por confundir suas pistas, por serem tão iguais, mas tão diferentes. É um vinho para a cabeça, que prefere sonhar em outros vinhedos.
9. LIBERTE-O
A vocação do champanhe é ser liberado para a vida. Não deixo de sentir compaixão pelos amadores que me exibem, orgulhosos, suas adegas de champanhe.
10. PELA BELEZA DO GESTO
O champanhe não é uma bebida de roqueiros. Não é coincidência, por isso, que seja personagem de Flaubert, Maupassant ou Fitzgerald, ou que prefira a nobreza do salão ao agito urbano. É um vinho ereto e que conduz, naturalmente, o gesto elegante.
11. ASSUMA O LADO FEMININO
O champanhe nunca foi um vinho viril. Começa aí a sua ligação íntima com as mulheres, que entendem em sua companhia uma dose de magia, um breve de sonhos solúveis, um brilho de inteligência comunicativa e uma fonte de surpresas e momentos inesperados.