O manual do atum 2: as fórmulas

[20 dez 2013 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Carpaccio de atum, no Bazzar, em Ipanema (FOTO Pedro Mello e Souza)

Ao contrário das peças de gado, que variam de país para país, os cortes de atum são basicamente os mesmos em todo o mundo, da Sicilia ao Japão. A parte do lombo, mais vermelha, ganha quatro separaçõesque geram filés para a grelha e cortes mais delicados para fórmulas modernas como o carpaccio. A parte posterior, conhecida como akami, é mais escura e muito prezada pelos conhecedores. “A parte escura é a mais exigida quando o atum nada”, explica Alissa Ohara, do Azumi. “Não é um corte tão nobre quanto a barriga, mas é mais pura e magra, o que dá a noção perfeita do peixe”, diz.

 

Ao falar em barriga, Alissa refere-se à alta procura – e ao alto valor – das partes de baixo do atum. Para os ibéricos e os italianos, é a prezadíssima ventresca. No reino dos sushis, é a grande preciosidade por causa da gordura entremeada. “A carne fica quase branca, mesmo em espécies menos nobres, como a de rabo amarelo (no mercado internacional, o yellowfin), mais comum no Brasil. Os maiores, os japoneses levam”, lamenta.

 

Fasano al Mare: atum na grelha (Foto: Pedro Mello e Souza)

AS FÓRMULAS E OS MEIOS

(Fonte: A enciclopédia dos Sabores)

 

Carpaccio

Prato similar aos preparados clássicos com carnes, mas com duas diferenças importantes. A primeira, o corte, que deve ser menos fino para manter o paladar do peixe. A segunda, o tempero, que deve levar não mais do que um fio de azeite e apenas um espirro de limão, como é o do Gero. O excesso marcará a carne.

 

Ceviche

Solução da moda, mas de eficácia duvidosa, já que a carne perde sua cor brilhante com a ação dos cítricos. E reage de forma menos suave do que nos preparados originais, com os peixes brancos.

 

Conserva

Forma mais comum de se encontrar o atum é a lata, com a carne do lombo ou da barriga imersa em azeite após cozimento leve. Entre os ibéricos, fórmulas antigas como a estopeta e a moxama são secos ou conservados em salmouras.

 

Grelha

Três fórmulas famosas de uso do atum em chapas ou grelhas: os bifes de atum dos portugueses, o tonno ai ferri dos italianos, os teriyakis dos japoneses

 

Pizza da série "al crudo", da Capricciosa: atum cru (FOTO Tomas Rangel)

Massas

Não as massas de atum, mas as que levam a sua carne, como no caso de pizzas e pissaladières e certos tipos regionais de pastéis e empadões.

 

Pizza

No caso, a de atum, cobertura de um dos clássicos da pizza internacional que o peixe batiza, em conservas ou cozido, em presença com outros ingredientes ou solo, como no caso das variações da pissaladière.

 

Salada

Fórmulas clássicas para a salada do atum: o maionese de sua carne cozida e desfiada, que vai gerar um dos sanduíches mais consumidos entre os americanos. E os mediterrâneos niçoise e xató, que ganham verbetem específicom logo abaixo.

 

Sashimi, sushi

Fórmula clássica da apresentação do atum entre os japoneses – e, convenhamos, a melhor forma de degustar os seus cortes diferentes.


Kinoshita: sashimi de atum maguro com foie gras (Divulgação).

Sopas e ensopados

Quando aquecido ou cozido em pontos adequados, a carne dos atuns torma-se branca e delicada, mas mantendo uma firmeza que permite a presença em ensopados consistentes como o bull catalão, o marmitako basco ou a feijoada de barriga açoriana. Ou em sopas mais finas, como as claras dos japoneses ou a garudhiya das Malvinas.

 

Tartare

Fórmula bem adequada à carne de lombo do atum, que pode reproduzir a firmeza e a cor de carnes que dão origem ao tartare original, embora os cortes devam ser mais rústicos, sem o picado fino que caracteriza o prato. Por ser cortado no mesmo estilo, há quem diga que o poke havaiano é um meio termo entre os tatakis japoneses e os ceviches peruanos.

 

Ceviche de atum com foie gras do Nao Hara.

 

AS ESPECIALIDADES

 

Aguacates rellenos (Mexico)

Um clássico caseiro, é a metade de um abacate recheado com uma maionese de atum em lata bem misturado com ovos cozidos, tomates e cebolas. Receita fácil e fresca para consumo imediato.

 

Al ferro

É o filé do atum em porção grande quanto um medalhão, que é selado na superfície externa, em calor rápido mas intenso, de forma a manter a tenrura e a bela cor do interior.

 

Atún com manteca (Espanha, Andaluzia)

A manteca no caso é banha de porco, que refoga alho e recebe um medalhão de atum temperado com sal, pimenta, tomilho e louro. A receita recomenda vinte minutos de cozimento lento até que se misture um copo de jerez e se levante o fogo por mais cinco minutos. É uma especialidade da cidade andaluza de Cádiz e deve ser degustado frio com a própria gordura do prato.

 

Atum de barrica (Portugal, Algarve)

Diz-se do atum salgado e conservado em barricas, segundo método que, garante-se, é anterior ao da técnica do bacalhau. Com a exposição à salmoura, a carne torna-se escura e firme, exigindo longo demolho – há quem prefira lavar – antes de ser usado, seja no corte fino para gerar as estupetas, seja para o preparo com batatas. Em algumas regiões, é conhecido como ‘atum preto’ e é preparado com partes do peixe que não eram usados pela indústria de enlatados.

 

Barriga de atum (Portugal, Açores)

Iguaria preparada com a nobilíssima carne do ventre de atuns, bonitos e congêneres. Os cortes são consistentes e próprios para a grelha, para os guisados ou para a feijoada de barriga, preparada com feijões, paios e refogado de alhos e tomates.

 

Bifes de atum de cebolada (Portugal)

Rudimento do escabeche em que o vinagre e a cebola entram na marinada de cortes grossos de lombo ou de barriga de atum fresco, que, então, vão à frigideira com azeite quente. Pronto e reservado, levam-se os elementos da marinada para a frigideira e, após rápida redução e dourada, cobre o bife, já no prato.

 

Bull de atún (Espanha, Catalunha)

Cozido de atum com carne de coelho, um dos expoentes do estilo ‘mar y muntanya’.

 

Dashi (Japão)

Caldo de atum seco (katsuobushi) ou algas (kombu) e molho de soja. É a base de sopas e preparados conhecidos nos restaurantes japoneses brasileiros.

 

Empanada de atún (Espanha, Galícia)

Torta fina recheada com refogado picante de atum com cebolas, pimentas e pimentões. Está entre os tapas típicos da Galícia, onde é servido em fatias e degustado frio.

 

Escabeche (Portugal)

Preparado tradicional entre os portugueses, é o atum cortado em bifes, grelhado levemente e curado longamente em azeite, vinagre, cebolas, e pimentões.

 

Estopeta, estupeta (Portugal)

Conserva salgada de carne de rabada de atum. É melhor como petisco do que como ingrediente de pratos elaborados, que pode marcar com o caráter forte da salmoura.


Estupeta de atum, petisco do SeaMe, em Lisboa (FOTO Pedro Mello e Souza)

Feijoada de barriga (Portugal, Açores)

Guisado de barriga de atum em cubos ao qual mistura-se um cozido de feijões-manteiga, embutidos e um refogado de tomates, alhos e cebolas em azeite e vinho branco. Serve-se com arroz branco como uma das especialidades das ilhas, onde se pescam, garantem muitos, o melhor atum do Altântico.

 

Lakerda (Turquia)

Conserva em salmoura de atum cortado em nacos. É um dos integrantes da ‘mezze’ turca.

 

Marmitako (Espanha, País Basco)

Especialidade basca, é um ensopado de carne de atum cortada em cubos, levemente dourada e ligeiramente assada em um refogado consistentes de tomates, cebolas, alhos, pimentões e vinho branco.

 

Marmite (Espanha)

O mesmo que ‘sorropotún’, guisado de carne de atum e batatas picados em cubos e preparado em cazuela, com cebolas, tomates, pimentões, azeite e vinho branco. A denominação da especialidade, presente em praticamente toda a costa norte da Espanha, aplica-se à região oeste da Cantábria, especialmente no porto de San Vicente de la Barquera, situado entre Santander e o litoral das Astúrias.

 

Sanduiche de atum, estrela de Calvin & Hobbes (Reprodução)

Pan bagnat (França, Provence)

Dialeto de Nice para “pão ensopado”, referência ao azeite de oliva abundante que molha um recheio similar ao da ‘salade niçoise’ – anchova, ovos cozidos e legumes crus como cebolas, tomates, pimentões e azeitonas. De sanduíche proletário, montado com ingredientes baratos mas frescos, passou a especialidade local com direito a uma receita oficial, para destacar a fórmula original dos desenvolvimentos modernos. Esta receita original prevê a substituição das anchovas por atum cozido, tal como ocorria nas épocas de escassez.

 

Pastel com diabo dentro (Cabo Verde)

Pastel frito de massa de milho ou batata recheado com uma mistura vermelha como o diabo do nome, de atum fresco picado com cebolas e tomate.

 

Poke (Havaí)

Contribuição havaiana para o universo dos peixes crus, é uma tigela de peixes como o atum ou crustáceos como o polvo cortado em cubos grandes e marinado com shoyu e guarnecidos com algas e, em prato à parte, arroz do tipo ‘gohan’.

 

Salada de atum

Menos uma salada e mais um sanduíche de atum desfiado e combinado com maionese, cebolas, cebolinhas, azeite do bom e algum vigor para transformá-lo em uma com alguma consistência para aguentar a pressão do abocanhar sem que corra para os lados. É um ícone da discreta mas gulosa gastronomia que sustenta as aventuras de Calvin e Hobbes.


Salada Niçoise (FOTO Adriana Lorete)

Salada niçoise (França, Provence)

Clássica e refrescante salada de tomates, alho, cebola, azeitonas, feijões verdes, anchovas, atum e ovos cozidos, todos temperados com alho, azeite e vinagre.

 

Shijo (Japão)

Originalmente, 市場. É como os japoneses se referem aos seus mercados de peixe, que expoem parte da cultura alimentar da região na figura dos mais diversos peixes e crustáceos frescos ou em conservas diversas. Dependendo do porto em que se situa, sedia os movimentados e histriônicos leilões de pescados, principalmente do atum, que vai servir os restaurantes da região. Os shijo são também importantes pontos de encontro, onde se degustam especialidades feitas com produtos sabidamente frescos.

 

Sorropotún (Espanha, País Basco)

Nome complexo para receita simples de carne de atum e batatas picados em cubos e guisados em cazuela, com cebolas, tomates, pimentões, azeite e vinho branco. A denominação aplica-se à especialidade na região entre Santander e as costas bascas, especialmente nos portos de Laredo e Santoña. ‘Outros ingredientes, como os mexilhões a substituir o atum, podem variar de porto para porto, de bairro para bairro, de família para família.

 

Tekkamaki (Japão)

Ou てっかまき, na grafia original deste que é o mais famoso dos ‘makimonos’. Trata-se de um sushi de tiras de atum cru, que recheia um enrolado de arroz e alga, em forma de bastão. Este bastão é cortado em seções pequenas, ideais para o bocado. Conta a lenda que a iguaria teria sido criada por um nobre que, viciado em jogo de cartas, pediu que enrolasse seu sushi em alga, que manteria a mão seca – sushi, come-se com os dedos – e hábil para o manuseio do baralho. O mais provável, porém, é que se trate de uma variação do ‘donburi’, tijela de arroz com que se cobre com carne crua de atum.

 

Tekkamaki do Ten Kai (FOTO Pedro Mello e Souza)

Tonno di tonnara (Itália)

Atum pescado no litoral e levado ainda fresco para corte e venda. ‘Tonnara’ é o sistema de redes que desvia a rota migratória dos atuns, cercando-os, o que permite que sejam arpoados e levados frescos aos portos próximos.

 

Tonno i fagioli (Itália, Calabria)

Salada fria de atum cozido e desfiado com feijões brancos ou jalos. Integra a constelação do antipasto e pede pedaços de pão de crosta e miolo macios.

 

Uova di tonno (Itália, Sicilia)

Denominação alternativa que os sicilianos conferem à ‘bottarga’, ovas prensadas, salgadas e secas de atum ou outros peixes, como a tainha e o bacalhau.

 

Vitello tonnato

Antipasto toscano, uma salada fria de vitela cozida e fatiada, servida com um molho fino de atum, anchovas, alcaparras e sumo de limão.

 

Xató

Salada de bacalhau desfiado, atum e anchovas em boa conserva e devidamente desfiados, endívias e azeitonas regadas com molho de amêndoas, alho, pimenta e páprica pilados juntos e umedecidos com azeite e vinagre.

 

Vitello tonnato, do Gero (FOTO Pedro Mello e Souza)


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