Boni: perfil gastrô 2.1

[11 dez 2013 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

A polêmica linha gourmet de Boni, em entrevista a Elisa Marcolini (Imagem: Marcio Irala)

Existem vários Bonis, no imaginário carioca: o workaholic, o mago da televisão, o visionário da propaganda, o amante do jazz, o entendedor de vinhos e o que ama gastronomia. Perguntado sobre qual seria o Boni segundo ele próprio, surgiu de cara a personalidade do gourmet: “Boni é uma mistura dessas coisas todas, porque, no fundo, a base de tudo isso é a cozinha”.

 

A filosofia faz sentido – ele começou a cozinhar aos 7 anos de idade – pois o processo de fazer televisão, segundo ele, é um processo de temperar, de salgar, de colocar fogo, de esfriar, de servir. “O processo do vinho é a mesma coisa, o processo de jazz, de seleção de ingredientes produtos, no fundo acho que a gente faz na vida é uma grande cozinha”, diz.

 

Essa entrevista, eu editei em 2012 e foi conduzida pela jornalista, gourmet e enófila Elisa Marcolini, para a revista Magazine CasaShopping. É posterior ao perfil gastronômico (leia aqui) mas bem coerente, especialmente na forma de expor as ideias, umas inesperadas, sobre os restaurantes brasileiros, outras quase debochadas como o culto ao 50 Best, que considera não mais do que uma brincadeira.

 

Pratos espanhóis como a paella do Eñe: "atávicos, criativos, de sabores totais, intensos, preservados".

O que qualifica ou desqualifica um restaurante?

Primeira coisa que qualifica um restaurante é a qualidade dos produtos que o chef trabalha, a segunda coisa é a criatividade com que ele usa esses produtos. Se você não juntar essas duas coisas, você dificilmente terá uma boa cozinha. Voltando aos espanhóis, por que a cozinha espanhola é boa? Porque ela é atávica, é uma cozinha criativa, de pequenos pratinhos, mas eles estão lá, com seus sabores totais, intensos, preservados. Tem alguns cozinheiros que deveriam ser pintores, em vez de ser cozinheiros.

 

O que você acha da lista dos 50 melhores restaurantes do mundo?

Eu acho uma brincadeira, acho que aquilo ali tem a ver só com a fraternidade de alguns chefs, tem a ver com os interesses da Pellegrino que patrocina a revista. Por exemplo, você pega o Michelin: o Noma, que é o número um nessa lista, não está entre os 300 melhores restaurantes do Michelin. Eu vou nesses. Eu vou lá checar. Eu gosto muito do Ferran Adriá, sou amigo dele, e teve um tempo na frente. Mas eu estive agora no Noma e fiz uma experiência agradável, não decepcionante, mas não é o número um do mundo. Então não é assim.

 

Noma: "agradável, mas não é o número um" (Foto: Ditte Isager)

Hoje, em Paris, há uma tendência da aproximação do grande chef com o produtor. No caso do Willian Leudeuil, ele cria uma ponte com o japonês que produz o melhor legume e faz com perfeição. O que você acha disso?

Isto é fundamental. E vale para tudo. Não basta ser um foie gras, tem que ser o melhor foie gras. Não basta ser o caviar, tem que ser o melhor caviar. Esse caminho que eu acho perfeitamente correto. O caminho da associação do produto com a criatividade.

 

De onde vem o melhor vinho?

Eu diria a você que o vinho a gente não pode escolher a nacionalidade, porque você tem que combiná-lo, tem que harmonizá-lo com o que está comendo. Eu, por exemplo, gosto muito dos vinhos tintos espanhóis, mas sou apaixonado pela Borgonha. Eu gosto de tomar um bom pinot noir, tem algumas de Bordeaux também que eu gosto, mas eu ficaria aí nessa linha: franceses, espanhóis, californianos e italianos. Mas tudo isso só vale a pena se você tiver uma grande companhia. É uma coisa que você tem que compartilhar e opinar sobre ele porque não vale nada beber vinho se você não puder comentá-lo. O vinho não foi feito para ser analisado, mas para ser compreendido.

 

Quais foram as primeiras experiências de vinho?

Meu avô era um espanhol e ele voltou para cá pro Brasil depois da Segunda Guerra Mundial. Mas cometeu um grande equivoco de mercado. Ele era um homem de vinho, mas não era um homem de mercado. Então ele imaginou que no pós-guerra, o Brasil fosse ser o atual, com um desenvolvimento extraordinário no Brasil e que a cultura fosse correr muito e que os brasileiros fossem tomar vinhos franceses, italianos, etc e tal. E ele montou uma casa, uma pequena casa, no Guaruja e colocou vinhos de altíssima qualidade, que ninguém sabia o que que era e que ele acabou não vendendo e ele teve que beber o vinho dele.

 

Um homem fora do seu tempo…

Ele foi fora do tempo dele, mas eu aprendi. Primeiro, eu comecei a aprender a colocar os vinhos para fazer a exposição das garrafas. Comecei a a conhecer vinhos através de rótulos… eu tinha sete anos de idade.

 

Vega Sicilia Unico 1999, ícone espanhol (FOTO Pedro Mello e Souza)

Quais são os vinhos espanhóis do momento?

Há o Vega Sicilia, mas hoje nós temos vinhos extraordinários, os vinhos tintos especialmente, eu acho que o maior numero de vinhos pontuados com 100 pontos no Parker na Europa são os espanhóis. Você tem o Pingus, o Sastre, o Benjamim Contador, o Aalto PS, feito pelo enólogo Mariano Garcia, que já fez o Vega Sicilia. Então hoje nós temos vários tipos de vinho na Espanha com uvas diferentes, quer dizer você tem o vinho do Priorato, que tem o Clos Erasmus. Tem o La Hermita. Tem os vinhos da Rioja, da, do Sardon del Duero. Então a produção de vinhos tintos na Espanha hoje é muito rica, muito diversificada, e são vinhos extremamente bem pontuados.

 

Espanhol ou frances?

Eu diria você que o vinho a gente não pode escolher a nacionalidade porque você tem que combinar ele, tem que harmonizar ele com que esta comendo. Eu por exemplo gosto muito dos vinhos tintos espanhóis, mas sou apaixonado pela Borgonha. Eu gosto de tomar um bom pinot noir, tem algumas de Bordeaux também que eu gosto, mas eu ficaria ai nessa linha ai: franceses, espanhóis, californianos e italianos.

 

E os californianos?

Falta ainda. Tem vinhos extraordinários americanos de pequenos produtores como o O’ Brien Estate e o Screaming Eagle. Os do Harlen Estate, sao vinhos extraordinários. São pequenas famílias que são bem próximos, bem imitados em relação aos cabernets sauvignons da Franca. São vinhos excelentes mas falta a eles aquela coisa, eles são exatamente a diferença entre uma mulher francesa e uma mulher americana (risos).

 

Screaming Eagle entre os tintos da Califórnia (Divulgação)

Beber vinho vale a pena somente…

Vale apena somente se você tiver uma grande companhia, e tanto faz feminina ou masculina . mas o vinho é uma coisa que você tem que compartilhar e opinar sobre ele porque não vale nada beber vinho se você não puder comentá-lo.

 

Quando você escolhe um vinho você busca essa informação numa revista ou com algum conhecido?

Não, eu não gosto de ver, eu tenho so para ter como background, mas tem um critico de vinho, chamado Michael Broadbent. Eu adoro ele assim: o vinho não foi feito para ser analisado, o vinho foi feito para ser compreendido.

 

Come-se bem aqui no Brasil?

Não, o Brasil tem uma comida regional interessante, tem uns restaurantes razoáveis, tem uns chefs criativos, mas de modo geral não se come bem no Brasil. Restaurantes ruins que, acima de tudo, são irregulares, não conseguem manter a tradição e a qualidade, a não ser em raríssimos restaurantes. Tem um chef brasileiro que eu admiro muito mas a gastronomia brasileira em modo geral é extremamente descuidada.

 

Come-se bem na casa do Boni?

Na minha casa come bem porque meus amigos gostam de comer e eu acho que a principal coisa que faz uma boa comida de um pais é a exigência do cliente. Entāo os meus amigos são grandes clientes e exigentes. Então eu tenho que fazer uma boa comida se não tô perdido. O brasileiro é muito tolerante com seus restaurantes. É tolerante com a comida que ele recebe. O americano é mais duro, mesmo que não seja a meca da cozinha. Se o restaurante for ruim nos Estados Unidos, o restaurante fecha.

 

Assado de tira, um dos grandes cortes de carne (FOTO Pedro Mello e Souza)

Voce ainda cozinha?

Cozinho, eu pelo menos uma vez por mês para meus companheiros e faço a minha comida para os meus amigos. E todos os fins de semana quem assume a minha cozinha da minha casa em Angra sou eu.

 

E o churrasco, ainda é uma paixão ?

O churrasco é uma paixão e uma tradição. Eu aprendi a fazer o churrasco com meu pai e a gente vem desenvolvendo, mas todos os sábados, invariavelmente, religiosamente, nós temos o nosso churrasco.

 

Qual o melhor corte da carne?

O melhor corte da carne eu acho o bife ancho, um corte extraordinário porque tem duas carnes. Especialmente o uruguaio, de gado charolês, de origem francesa. Ou o angus argentino, que tem origem inglesa. Mas sou também um comedor de costela. Mas costela no ponto de picanha, costela assada de tira, costela sangrando. Não aquela costela de horas no fogo que você acaba comendo carne velha ensopada.

 

 


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