Itália: entre o país e a nação

[29 mar 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Se país não é sinônimo de nação, taí a mesa italiana para nos confirmar essa aparente contradição. Lá, cada cozinha é uma pátria. As cidades são divididas em estilos e cada bairro pode cultivar o seu tipo particular de pão com orgulho de quem empunha uma bandeira nacional. O cozinheiro de uma região ri de como o seu colega de outra cidade prepara o que ambos consideram uma especialidade nativa, das simples massas aos seus mais elaborados molhos.

 

Quem ganha com isso é o visitante, que passa a ter, em cada pelotão do seu grande exército gastronômico, do garçom ao chefe medalhado, um cabo eleitoral de seu orgulho culinário.

 

L'Incontro e o resultado da discussão sobre o que é um tiramisù clássico.

Reunidos no fim de um jantar, na varanda do restaurante L’Incontro, no Savoy Hotel, no epicentro cultural de Florença, os chefes e maitres divertiam-se com o relato de um grupo de brasileiros a respeito dos formatos dos tiramisus que temos aqui. A conversa veio à mesa após a degustação de uma sobremesa untuosa, cremosa, intensa, servida em uma taça de sorvete – na aparência e no paladar, inteiramente diferente daquela que tivemos a desgraça de nos habituar.

 

A refeição foi de uma simplicidade inesperada, por se tratar de uma casa que, apesar de nova, já conta com sua primeira estrela do Michelin – a incidência dos estilos contemporâneos no ranking do guia chega a ser irritante. Mas foram carpaccios, lulas à dorê e saladas de um admirável culatello. No prato principal, um generosíssimo peixe espada alla griglia, que, garantia o chef, fora pescado naquele dia.

 

A parte interna vista da parte externa

Grande, bem servidíssimo, desmanchava-se na boca – e pareceu pouco. Mais do que no preparo delicado de cada prato, o orgulho da equipe se revelava na explicação sobre cada ingrediente, do tratamento dos legumes orgânicos ao transporte de peixes, passando pela origem e a denominação dos pães, da manteiga, da origem do boi do carpaccio e do porco do culatello.

 

O patriotismo à mesa também estava no bar da casa, um lounge que entra no Savoy Hotel, pérola sofisticada da Rocco Collection, que disseca, já no cardápio, cada item que compõe uma enorme seleção de martinis. Nativismos à parte, italiano ama martini.

 

Lulas à dorê: simplicidade que valeu estrela

Quanto mais simples o restaurante, mais firme é a defesa da gastronomia local. Perto do hotel, está a Trattoria Buzzino, uma das diversas casas familiares que atendem aos grupos que saem da Galeria delle Uffizi. Cioso de sua cozinha, o pai patrão da casa, Sr. Giuseppe, ignorava solenemente as tentativas de mudanças nos pratos. “Ecco no è Disney. Ecco è Firenze”, exclamava para uma mesa de coreanos. Assim, vieram risotos de frutos do mar, massas com funghi e uma autêntica bistecca, o vertiginoso corte de contrafilé, que ultrapassava a circunferência do prato.

 

À noite, as estrelas voltam a brilhar e reinicia-se a parada do orgulho gastronômico. E que orgulho. No Relais Santa Croce, duas atrações: o Ghelfi e Ghibellini e o Enoteca Pinchiorri. No primeiro, o frescor de massas, frutos do mar (especialmente o camarão) e legumes como as abobrinhas e os tomates fazem jus ao estilo do hotel, um monumento que ainda conserva a antiga sala de música do tempo dos Medici e as estruturas de candelabros desenhada por pupilos de Leonardo da Vinci. No segundo, a fama de melhor restaurante da cidade, que lhe conferiu uma independência que pegou o repórter no contrapé: estava fechada para as férias de verão.

 

Bar do Savoy e o bartender incidental: os italianos adoram martini.

 


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