Tão famosos quando os cozinheiros que retratam,
fotógrafos mudam os rumos da imagem e do foco na gastronomia.
Fim de outubro é a estação de caça na Europa. Mas em Paris, há um evento para gourmets em que há disparo, mas nenhum animal é abatido; há corte, mas nenhuma horta é desmatada; há tratamento, mas nenhum legume é decapitado; há calor, mas nenhum fogo é aceso. E o que não falta é comida. Trata-se do Festival International de la Photo Culinaire. São duas semanas em que as imagens estão na mira e a grande caça é pela grande foto de gastronomia da temporada.
Cada ano é um tema diferente. Na edição do ano passado, o ovo foi o assunto escolhido – é a mais presente de todas as tendências nas mesas europeias: não há um menu degustação que dispense a sua receita de ovo. E elas não faltaram no evento. Centenas deles foram enfocados das formas mais diversas, em um encontro entre a técnica publicitária, o recurso das câmeras modernas e, claro o talento dos fotógrafos.
Mas 2011, o Brasil marcou sua presença graças ao prêmio conquistado pelo paulistano Sérgio Coimbra. Aqui, surpresa e festa. Lá fora, reconhecimento e fama, que lhe valeram acessos a cozinhas como as de Heston Blumenthal, Massimo Bottura e Alex Atala, três de um grupo de mais de vinte chefs estrelados. O resultado está em um livro sem título, de tiragem limitada a mil exemplares, mas que já garantiu novo prêmio, como livro de foto culinária do ano pela Paris Cookbook Fair.
De volta ao Brasil, Sérgio trouxe na bagagem uma tendência que, entre os chefs e os gastrônomos já é uma realidade: a da multiplicação dos livros de luxo, ditos “de arte”, sobre a cozinha. É através deles, em edições tão refinadas quanto disputadas que chefs do mundo inteiro exibem seu trabalho ao público. Com o prato feito, entram em cena fotógrafos como o catalão Francesc Guillamet, que assinou todas as fotos (e os livros) de Ferran Adrià, no antigo El Bulli.
Entre as temporadas, ele montava um verdadeiro estúdio no antigo restaurante, com jogos de luzes, câmeras e ações, com direito a conjuntos de lentes macro e modelos da Karl Zeiss de lentes de 50 e 100 milímetros. “O grande recurso é a luz natural”, diz Francesc. “A iluminação artificial é um apoio para dar uniformidade e harmonia à imagem”, afirmou na época.
Na contramão do catalão, Sérgio Coimbra levou os pratos para o seu estúdio em São Paulo para sair com os originais de um dos mais impressionantes trabalhos da foto culinária contemporânea: o livro do chef carioca Felipe Bronze.
Moderno mas reverente com o passado. Inteligente, portanto. A referência é do século 16 e remete ao trabalho do pintor renascentista Giuseppe Archimboldo, um louco do seu tempo, o primeiro a retratar o lado gourmet. Era fotógrafo e não sabia. Quatrocentos anos depois, aquele que é considerado por alguns como o melhor restaurante do mundo, o Noma, René Redzepi ganhou a honraria de um dos retratos no estilo do mestre milanês – aqui, sob lentes e ângulos de última geração.
Em uma das imagens mais badaladas dessa década, um estúdio mexicano fez um portrait do chef dinamarquês para uma revista de bordo usando somente ingredientes, talheres, copos e garrafas, em um efeito de ilusão, do tipo trompe-l’oeil, que remete ao trabalho do pintor renascentista Archimboldo. “O grande desafio foi manter todas as proporções dos itens e não usar qualquer tipo de acabamento sem relação com a mesa, como desenhos ou tratamentos de imagens”, declarou o fotógrafo El Yorch, responsável pela criação do retrato inusitado.
Outras duas criações recentes jogaram novos padrões na foto de gastronomia. A primeira é a coleção Modernist Cuisine, considerada a nova bíblia dos chefs contemporâneos. Para ilustrar os bastidores de cada relação entre chef e ingrediente, o fotógrafo Ryan Matthew Smith cortou panelas, montou aquários e até deu tiros em ovos. O resultado, que mostrou a explosão de gemas, o mergulho de morangos e uma inacreditável anatomia de um cheeseburguer surpreendeu o próprio Ferran Adrià, que revelou “essas imagens nos ajudam a enxergar a cozinha de uma outra forma”, declarou o chef, na época do lançamento, em 2011. Nas boas livrarias do ramo, o estojo em acrílico com os seis livros da coleção não sai por menos de 2 mil reais. É o preço da glória.
Mas os americanos têm suas lentes sempre bem focadas, com destaque para duas levas de criações. A primeira, na série Modernist Cuisine, em que Ryan Matthew Smith dá um show de criatividade ao lançar a onda de painéis em vidro que cortam as panelas e mostram o preparo em plena ação.
A segunda leva de criações chegou com dois lançamentos de restaurantes que balançaram o mercado internacional: o Alinea, de Chicago, e o Mugaritz, de San Sebastián. O segundo grande lançamento é do livro do restaurante Mugaritz, um dos 5 melhores do mundo, que ressurge das cinzas, literalmente: pegou fogo em 2010. “Retratamos a nossa maturidade”, disse Andoni Luiz Aduriz no ano passado, quando lançou seu livro, um tijolo com todas as fotos em fundo branco. José Lopez de Zubiria as registrou e, claro, foi premiado.