“Il riso nasce nell’acqua e muore nel vino”. O belíssimo adágio lombardo define, em uma única sentença os rudimentos, na base e na nobreza do ‘risotto’, o destino glorioso do arroz no altar dos prazeres. Há quem afirme que a especialidade seria uma variação da ‘paella’, já que os próprios espanhóis teriam introduzido o arroz na região, quando a administraram sob Felipe, indicado pelo pai Carlos V para ser duque de Milão.
Mas vamos olhar um pouco os fatos mais de perto. Os dois séculos de hispanidade teriam deixado poucas marcas no ‘risotto’, desde o próprio arroz, que assumiu variações – ‘arborio’, ‘vialone’, ‘carnaroli’ – a partir do tipo ‘japonica’, distintas do original arroz bomba do delta do Ebro, exigência da verdadeira paella valenciana. Aos defensores do arroz árabe, a sentença científica: o arroz do pilaf não se cria nos alagadiços do vale do Pó.
E o modelo italiano também estaria distante do espanhol por conta do vinho branco, um dos fundamentos do risoto moderno, bem mais comum no norte da Itália do que nas panelas ibéricas. Por outro lado, o açafrão do primitivo ‘risotto alla milanese’ é ponto para os castelhanos, mas o território encerra a questão com a fundamental unção extrema do queijo ‘grana’.
O ponto de serviço é um desafio ao relato – cabe à poesia descrever o invisível. Ao chegar diante do comensal, o risoto deve estar montado, sem estar seco; úmido, mas sem se escorrer… enfim, um complexo de saborosas contradições. A liturgia do preparo prevê simplicidade como resumo de um tratado de recomendações e um mar de segredos abissais. E requer um sistema normas furiosa e apaixonadamente defendidos por quem os domina – e que ganha a majestade de um alquimista e o garbo de um valete de espadas, que não empunha uma nenhuma arma além de uma indestrutível colher de paus.