Não se ofendam as demais referências do gênero: falo de dois formatos diferentes de restaurantes. De um lado, os sushi bares, espetaculares, contemporâneos, antenados, evoluções dos sushiyas (寿司屋), as casas de balcão simples que, no Ocidente, tornaram-se ambientes elegantes de ver e ser visto. E muitos deles de olho nas tradições e até de agradáveis contradições, inovando com o inesperado, as antiguidades: provem o battera do Sushi Leblon e a sardinha marinada do Ten Kai e entenderão o que eu digo.
Do outro lado desse formato, há os restaurantes que mostram a cozinha japonesa como ela é – e uso o plural para falar de uma casa singular, de uma culinária idem, onde os clientes vão para comer uma coisa só. Passei anos indo ao Azumi por conta dos combinados de sushi e sashimi, antes tão diferentes, tão lindos, uma atitude tão fashion – e era a escola que eu tinha de outros japoneses da época, como o Kotobuki (o da Marina Tasakhi, claro) e o Madame Butterfly. Falamos de fim dos anos 90, portanto. Não, nunca fui ao Mr. Zee.
Chegávamos cedo e o único movimento era da televisão sintonizada no canal NHK, de Tóquio, com as notícias na língua original. Atentas à tela, as mesas, todas de japoneses, quietos, diante de um locutor aos berros. Nunca tinha visto isso: o japonês que os japoneses frequentam, mesmo com o cardápio com todas as especialidades unificadas – lá, cada restaurante dedica-se a uma única especialidade.
Mas passei a prestar atenção às mesas. Nenhum sushi à vista. Apenas cumbucas com umas palhas, uns bolos de arroz, uns mingaus e os caldeirões elétricos de shabu-shabu, em centro de mesa. Invejei. Meio tímido, ainda, comecei a sair da zona do conforto das entradinhas de nirá e dos sushis de salmão e, quando eu vi, já não pedia mais os combinados.
E, debochado e superior, ainda zombava de quem se deliciava com aqueles mosaicos de califórnias e filadélfias, que os incautos, desatentos aos nomes, julgavam (julgam ainda) ser da tradição do sol nascente. Há sol mais poente do que o oriental da Califórnia?
Comecei a pedir os caldos, os petiscos, os grelhados, as conservas – me senti um náufrago, devorando a minha primeira cabeça de pargo; ou um monge, sorvendo, reverente, um soba com carne de ganso; ou ainda um pescador de estirpe, crocando os tentáculos de uma lula rosada no espeto, coisa impensável naqueles tempos em que a internet ainda engatinhava e a pesquisa do que comíamos era quase inexistente. Se chegava algum peixe cru, era pela pesca de algum peixe exclusivo, do lírio horrendo à lula gigante.
Não tive dúvidas: mesmo com a desconfiança do meu editor, Marcus Barros Pinto, cravei no tijolinho da revista MyRio, na edição da virada do ano 2000: é o melhor restaurante japonês da cidade. E continua sendo. Expliquei exatamente o que disse acima: não é um sushi bar contemporâneo – é um modulado três em um, com o balcão no solo, a grelha acima e as mesas no subsolo. Bateu orgulho quando vi o Sr. Ohara recebendo anos depois, mais do que os prêmios, os reconhecimentos. E ele nem me conhecia.
Aqui, um guia de como usar o Azumi, através de itens ainda pouco conhecidos, como ankimo, karasumi, myoga e shishito, e outros hoje consagrados, como o usuzukuri e o yakitori, que, ao longo dos anos, conheci lá. É uma relação de dicas para que o cliente saia da sua própria zona de conforto e prefira um japonês à brasileira do que um califórnia à americana.