Pelo menos para os dicionários tradicionais, a fraldinha, deliciosa, suculenta, corte fundamental para um churrasco digno de menção, não existe. A pesquisa nas versões que eu tenho de Aurélio Buarque de Hollanda e de Antonio Houaiss, que se dizia gourmet, levam a gracejos como fraldilha e fraldicurto. Tentei “fraldão”, mas sem item com relação com cozinha. “Fralda”, sem qualquer referência que esteja sequer fora do armário, em qualquer uma das OITO definições.
Fui ao étimo que é tido como francês, mas está com todas as letras no dicionário da Real Academia Española: “falda” – carne de la res, que cuelga de las agujas, sin asirse a hueso ni costilla. Aqui, nada, apenas sinônimos de “fralda”. Estranho, pois a pesquisa dos dicionários é tão minuciosa no ramo do paladar que inclui estrangeirismos como fondue, kebab, paella, sukiyaki e teriyaki. A única exceção visível a toda essa regra não está no papel ou sequer nos softwares: está nas versões online de antigos dicionários – Aulete entre eles – em que o usuário contribui com novas entradas.
Indigesto, mas perdoável – a gastronomia é ciência cada vez menos exata, posto que mais humana. O que eu prefiro é que o corte assuma logo a sua identidade entre nós, antes que chegue como um sinônimo americano, como skirt steak ou flank steak, cada vez mais presentes nos cardápios medalhados de Nova York. Pior, argentinos e chilenos tem na entraña
Enfim, é uma questão tão fibrosa quanto pode se tornar este corte, que, antes do preparo certo, deve vir do gado adequado – ou do boi adquado. Mas estamos aqui para contribuir. Antes de mais nada, quem conhece (ou tem, não é o caso dos churrasqueiros – eu inclusive) a barriga de tanquinho, reconhece a fraldinha como as duas faixas laterais que sustentam os órgãos dos animais. Longe de ser objeto de um comenario invejoso, mostra-se aqui uma parte sensível, pois faz exercícios além daqueles previstos em sustentação e locomoção.
Vários desastres podem acontecer no preparo da fraldinha em um churrasco. O mais comum é o desleixo de quem prepara. Deve ser sempre mal passada. Qualquer ponto além desse, a suculência necessária para que as fibras deslizem desaparece e o destino é o lixo, tanto a carne quanto o churrasqueiro. Outro desastre é o corte, que deve observar a regra geral das carnes: sempre perpendicular às fibras, ou vão se contrair e dar à peça a mesma tenrura do pneumático de um caminhão de terraplanagem.
O último desastre também cai na distração: deixar esfriar é desequilibrar o conjunto. Uma vez pronta, o corte deve ir à mesa sem escalas. Claro que estamos nos refeindo a churrascos. O cozimento lento e longo, no bafo e no líquido, traz resultados para qualquer carne fibrosa. Os sinônimos americanos que citamos aqui não são exatos, pois os cortes de lá são completamente diferentes. E, os resultados, idem, idem.
Bom dia
Há algum tempo descobri seu blog e venho acessando mesmo com regularidade. Com este post que fez sobre maneira adequada de se preparar a fraldinha, me fez querer saber se existe algum curso no Rio de Janeiro sobre o preparo de um churrasco, desde o corte das carnes até a hora de servir.
abraço e parabéns pelo blog
Obrigado pelas palavras, Fernando. Que eu saiba, não há curso de churrasco por aqui. Mas sabe que isso é uma ótima ideia?