A bordo do Lidador

[22 mar 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Lidador do Centro: extinto. Ficou a poesia

O Rio de Janeiro era um porto seguro. E turístico, essencialmente, antes de se tornar um porto aero, com a passagem do primeiro avião. As chegadas dos barcos, ditos paquetes, variação mercante do francês “paquebot”, eram crônica nos jornais, muitas vezes com os destaques vibrantes ao desembarque de celebridades e dignatários. Dois desses barcos eram conhecidos nas rotas atlânticas: o magnífico Westphalia e o bravo vapor Lidador. Era comum batizar prédios com esses nomes. Ou bares como no caso daqueles que Vinicius de Moraes nos lembra, na homenagem a Pedro Nava.


Ao se imortalizar – e, nessa semana, nos mortificar em naufrágio -, o Lidador não era um empório de delicadezas e grosserias: assim como o Westphalia, era ponto de encontro de gentilezas e fidalguias. Todas em torno de poetas e políticos, de pretendentes a presidentes, escritores e boêmios, vinícius e navas, navegados e navegantes. Ficaram os versos, legaram os destroços do bar ao fundo da loja, não do mar. Não era atendimento de balconista, mas um oceano de sutilezas de uma nobreza que as ondas tragaram, de maitres e garçons que conheciam mais do que os clientes de sua sede – e eram hábeis com os habitués que chegam com sede às suas sedes.


Há dias, a última mesa já tinha desaparecido. Foi nela que ouvi todas essas histórias. Por mais sólido que fosse aquelo mogno de lembranças, o barco soçobrou diante da especulação. Calaram as letras, sobrou a canção. Mas nenhum empreiteiro demole a poesia. Dos escombros sobrou a pedra de Nava – ele morreu há exatos 30 anos. E emergiu o Pedro de Vinícius.


Canção de Pedro Nava

(de Vinicius de Moraes, no livro Poemas, Sonetos e Baladas, de 1946)

 

Meu amigo Pedro Nava

Em que navio embarcou:

A bordo do Westphalia

Ou a bordo do Lidador?

 

Em que antárticas espumas

Navega o navegador

Em que brahmas, em que brumas

Pedro Nava se afogou?

 

Juro que estava comigo

Há coisa de não faz muito

Enchendo bem a caveira

Ao seu eterno defunto.

 

Ou não era Pedro Nava

Quem me falava aqui junto

Não era o Nava de fato

Nem era o Nava defunto?…

 

Se o tivesse aqui comigo

Tudo se solucionava

Diria ao garçom: Escanção!

Uma pedra a Pedro Nava!

 

Uma pedra a Pedro Nava

Nessa pedra uma inscrição:

“- deste que muito te amava

teu amigo, teu irmão…”

 


Save

Save

Save


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *