O Rio de Janeiro era um porto seguro. E turístico, essencialmente, antes de se tornar um porto aero, com a passagem do primeiro avião. As chegadas dos barcos, ditos paquetes, variação mercante do francês “paquebot”, eram crônica nos jornais, muitas vezes com os destaques vibrantes ao desembarque de celebridades e dignatários. Dois desses barcos eram conhecidos nas rotas atlânticas: o magnífico Westphalia e o bravo vapor Lidador. Era comum batizar prédios com esses nomes. Ou bares como no caso daqueles que Vinicius de Moraes nos lembra, na homenagem a Pedro Nava.
Ao se imortalizar – e, nessa semana, nos mortificar em naufrágio -, o Lidador não era um empório de delicadezas e grosserias: assim como o Westphalia, era ponto de encontro de gentilezas e fidalguias. Todas em torno de poetas e políticos, de pretendentes a presidentes, escritores e boêmios, vinícius e navas, navegados e navegantes. Ficaram os versos, legaram os destroços do bar ao fundo da loja, não do mar. Não era atendimento de balconista, mas um oceano de sutilezas de uma nobreza que as ondas tragaram, de maitres e garçons que conheciam mais do que os clientes de sua sede – e eram hábeis com os habitués que chegam com sede às suas sedes.
Há dias, a última mesa já tinha desaparecido. Foi nela que ouvi todas essas histórias. Por mais sólido que fosse aquelo mogno de lembranças, o barco soçobrou diante da especulação. Calaram as letras, sobrou a canção. Mas nenhum empreiteiro demole a poesia. Dos escombros sobrou a pedra de Nava – ele morreu há exatos 30 anos. E emergiu o Pedro de Vinícius.
Canção de Pedro Nava
(de Vinicius de Moraes, no livro Poemas, Sonetos e Baladas, de 1946)
Meu amigo Pedro Nava
Em que navio embarcou:
A bordo do Westphalia
Ou a bordo do Lidador?
Em que antárticas espumas
Navega o navegador
Em que brahmas, em que brumas
Pedro Nava se afogou?
Juro que estava comigo
Há coisa de não faz muito
Enchendo bem a caveira
Ao seu eterno defunto.
Ou não era Pedro Nava
Quem me falava aqui junto
Não era o Nava de fato
Nem era o Nava defunto?…
Se o tivesse aqui comigo
Tudo se solucionava
Diria ao garçom: Escanção!
Uma pedra a Pedro Nava!
Uma pedra a Pedro Nava
Nessa pedra uma inscrição:
“- deste que muito te amava
teu amigo, teu irmão…”