Logo vocês, que sabem de cor qual o santo do dia, como me deixam esquecer da especialidade do dia? São várias ao longo do ano para fazer companhia à farsa do nhoque do dia 29. Pois é, mesmo assim, deixamos escapar o último dia 20 e não saltitamos em torno do Jour du Macaron – em Londres e Nova York, o Macaroon Day. Para quem acusa os capitalistas selvagens por essas efemérides, entrego logo o judas: foi o pâtissier Pierre Hermé, que inventou a data, em 2012, ele que já tinha feito história com a iguaria e, agora, a coloca no calendário Elisabeth Arden.
Mas o que sabemos da história pregressa do macaron, enquanto olhamos esses exemplares da Carla Daudt como quem examina uma escultura? Pouco sabemos. Os historiadores concordam em alguns pontos: a origem italiana, com pedigree idêntico ao do marzipã. E o caminho à França pelas fórmulas dos emissários de uma Veneza (sempre) renascentista. Mas começam a discordar na denominação: Montagné fica com macarone, que significaria “massa fina”; Favre e Vitaux aplicam o óbvio macheroni, das massas secas.
Mas a explicação pode estar longe das fornadas italianas e mais próximo do vestuário francês, especialmente o que sai do armário dos militares, em que as insignias de distinção ou de patente eram – e são – conhecidas como… macarons! Eram botões ou pequenas rosetas, antes físicas, depois desenhadas nas lapelas ou nos brevês. Um deles, o do Guia Michelin, que não dava estrelas – dava ‘macarons’, hoje relegadas a julgamentos opacos.
Mas os franceses insistem na denominação. O Dicionnaire de L’Académie credita o mais antigo registro a Rabelais, no Quarto Livro, com o Pantagruel de 1552: “petite pâtisserie ronde aux amandes”. Outros autores franceses vão ainda mais longe e atribuem a um certo Irmão João, da abadia de Cormery, no Loire, a própria criação do docinho, no ano de 791 – mais de sete séculos antes dos italianos. Eram conhecidos como nombril de moîne, ou “umbigo de monge”.
Verdade ou não, o fato é que os franceses disseminaram fama e receita, com disputas pelos melhores nas mais diferentes regiões: Melun (a mesma do Brie, próxima a Paris), Douai (extremo norte, na Picardie). E Commery, claro. Mas eram brancos, simples, de massa de amêndoas com claras batidas e açúcar. As de Nancy, na Lorena, as carmelitas seguiam os ditos da madre Teresa de Ávila, que dizia “as amêndoas são adequadas a moças que não comem carne”.
A exceção era a de Niort, que preparava seus macarons com aroma de angélica, abrindo as portas para o fenômeno do início do século 20: misturas com baunilhas, canelas, chocolates, que fizeram a fama da Ladurée desde a fundação da maison, em 1871. A partir dos anos 80, vieram as versões coloridas, com as frutas vermelhas e pretas dando brilhos rosados, rubros, arroxeados ao preparado, inclusive aos do gordinho Hermé, que preparou, nesse ano, uma fornada de sabores para excitar qualquer foodie: raiz de lótus, jujuba, água de rosas, longan e crisântemos. Tinha que badalar, claro…