O design da Páscoa
Os artesãos por trás do lado contemporâneo dos ovos de Páscoa.
Foi-se o tempo em que a criançada aguardava ansiosamente pela caça aos ovos de Páscoa, que aconteciam entre os móveis de casa ou os recantos do jardim. E foi-se também o tempo em que essa criançada ainda tinha algo a ver com a doce atividade. Hoje, os ovos de chocolate podem ser encontrados em outro cenário: o das pranchetas de designers e de alguns dos mestres confeiteiros mais badalados do mundo. De Armani a Ducasse, a Páscoa passa hoje por um processo criativo que se ainda tem algo de lúdico, passou a ser referência em design – e em negócios no mercado do luxo.
Os grandes nomes das cozinhas nunca abdicaram das grandiosidade dos ovos de Páscoa, de seus belos desenhos, de seus chocolates finos e de seus recheios milionários. Mas o design contemporâneo deu novo traço à iguaria e voltaram à evidência. Com os catalães, naturalmente. A influência de Ferran Adrià – e de Mirò, e de Dali, e de Picasso – chegou a chocolatiers como Enric Rovira e Oriol Belaguer, que deram a formação e a deformação do surrealismo aos ovos de Páscoa. Hoje, suas criação são aguardadas com o mesmo suspense da nova linha da Lamborghini. Ou da mais recente coleção de um Armani.
Falamos em Armani? A própria marca faz parte dessa caça ao chocolate. Anualmente, as suas criações para a Páscoa, dentro da linha Dolci da grife italiana, são divulgados em janeiro e chegam às lojas flagship da marca já em meados de fevereiro – e ficam em exposição até maio. Em destaque, um pacote chique como se espera, o chocolate finérrimo e o acabamento com o objeto maior de desejo: um gigantesco monograma “A”, ícone da grife, que sacia qualquer paladar pelo luxo. E não adianta perguntar: eles não divulgam preço.
Mas a criatividade não se esgota na forma simples do ovo. A mudança de conceitos chega invocando artes, histórias, geografias e até lendas insolúveis. É o caso dos ovos que o confeiteiro parisiense Jacques Génin desenvolveu, invocando não a data, mas a Ilha de Páscoa. As peças, espetaculares, são baseadas nos moais, as estátuas gigantes, que olham para o infinito, gerando ansiedades existenciais na humanidade que só o chocolate pode sanar. Da arte, veio a peça “Ceci n’est pas um oeuf” (“Isso não é um ovo”), inspirado no surrealismo do pintor René Magritte, que todos os anos ganha uma versão diferente, desde que tornou-se sucesso com a série de vitrines da rede de lojas Jadis et Gourmande, em 2012.
Mas a culpa não é da verve inventiva dos chefs contemporâneos. Na realidade, todo fascínio pelos ovos de Páscoa tiveram a sua época áurea nos tempos dos czares, quando as Rússias se uniam para bancar o sorriso de Maria Fiodorovna, mulher de Nicolau III. No pivô de toda essa história fofa estava o talento de Pierre-Karl Fabergé, um russo de nome francês e origem dinamarquesa. Ele, que era ourives, fazia ovos de Páscoa preparados não com chocolate, mas com ingredientes ainda mais saborosos: ouro, prata, marfim, diamantes. O império caiu, mas Fabergé, não. E, hoje, tal como as peças da realeza, são objetos de arte dignos de destaques em museus como o Louvre.
Na realidade, Fabergé apenas cobriu com traços finos e metais pesados aquilo que já era uma tradição de milênios, a de decorar ovos de Páscoa, em um rito bem pagão de fertilidade, um dos raros que as patrulhas religiosas não conseguiram proibir. Do Egito ao norte da Europa, o ovo era símbolo do ressurgimento que aquela época, nos meses de abril, chegavam com as primeiras colheitas e, com o aquecimento, as galinhas voltavam a por ovos regularmente – no Hemisfério Norte, a Páscoa acontece na primavera. As cascas dos ovos eram pintadas com motivos decorativos, em exercício familiar em que todos participavam e, muitas vezes, o estilo dos desenhos funcionavam como uma assinatura de estilo.
Para quem tem apego pela tradição, nem tudo está perdido. O velho formato dos ovos de Páscoa ainda são os favoritos dos grandes chefs. Há Pierre Hermé, que derrama sua calda criativa em ovos que podem remeter à obra de Fabergé ou ganhar um belo acabamento em pois, em um estilo que lembra o de Yayoi Kusama. Há o olho mítico no centro da peça de Armand Demodel. Há o olhar para a natureza, da marca À La Mère de Famille, que se inspirou na forma recheada de um espinhoso baiacu. E há a visão sempre dinâmica de Alain Ducasse, com a beleza do seus ovos em forma de hemisférios em rotação, que mostram o vigor desse mercado, que, por muito tempo, ainda estará girando como antigamente.
excelente post, revela a páscoa unida na área gastronomica com a esfera da arte