Mais uma vez, o Atera, em Nova York, não está sequer na relação dos 50 Best, votação promovida por uma empresa de águas minerais, a italiana San Pellegrino, para prestigiar seus clientes. Isso não coloca o restaurante em dúvida, mas sim a própria lista. A casa está um degrau acima daqueles grandes de Manhattan que foram relacionados, especialmente aqueles de influência francesa. O resultado final da visita ao restaurante pode ser resumido em duas expressões: comida excepcional e diversão pura.
Já que falamos em número, o inesperado sobre a casa começa na chegada – não há número ou qualquer outra indicação na porta, que, como na entrada de um galpão. temos de bater com um murro. O primeiro indício de que há algum restaurante ali é depois do elevador, que desce dois andares abaixo do chão e abre no bar minúsculo, de pequenas mesas e grandes rótulos, como o Ployez-Jacquemart Extra Brut, já previsto no cardápio com uma série de delicadezas (nove delas) na beira do precipício do inacreditável: crocante de tendões, sonho de olhete, macarons de lobster roll com um caviarzinho.
O salão não tem mesinhas com flores. Tem um balcão com um curioso número de 13 pessoas na mesa do chef (americano tem um pavor de 13 que nem eles entendem bem porquê) e mais 5 na mesa anexa ao salão, que fica no subsolo. Nos pratos, cerca de 25 etapas de pequenas delicadezas, dos crocantes de peles de caças aos sashimis que exploram frutos do mar muito frescos. Nos copos, a harmonização – peça, pague, vale a pena apostar em uma das mais espetaculares sequências de vinhos e, sim, saquês, cervejas e cidras – em que há Bandol, rieslings de dentro e de fora da Alsácia, e um branco enlouquecido em seu corte de godello, torrontés e loureiro. Como disse, diversão pura.
Há saquê junmai, há uma cidra, há cerveja porter Meantime, um monumento em forma de fermentação. Quando começa o jantar pra valer, vem o riesling com o halibut, um linguado do tamanho de um fusca; tem um sémillon com pombo assado; tem um Côtes du Rhone com o cordeiro, que sangra com syrah na veia.
Na sobremesa, a piração vai adiante, com o cheesecake com spritz de gamay, licor de pinho e óleo de limão, volta com a tradição do moscado d’Asti para os morangos com creme, e prossegue com a inteligência do pedro ximenes para o sorvete de ovos e o sundae de castanhas.
E tem o mais importante: o chef Matthew Lightner, que está ali para proporcionar o que alguém espera de quem paga 400 dólares pelo ticket da entrada: that’s entertainment. Os sommeliers, sem qualquer postura marcial, descrevem as combinações com a atitude de quem te conta uma fofoca, olho no olho. E rindo, às vezes, quando trazem sugestões que revelam a linha da escolha de cada bebida: a ideia não é servir os melhores vinhos do mundo, mas aquele adequado para aquele prato, para aquele momento.
Não eram aleatórios. Eram premonitórios, já qua alguns dos rótulos começariam a salpicar nas cartas dos restaurantes do hemisfério vizinho. Para completar, o registro da dose de alto astral e daquilo que separa os chefs que se garantem com o sorriso dos inseguros tremelicantes, o incentivo a foto dos pratos e, principalmente dos selfies risonhos com os convivas, ao som de David Bowie ou The Police.
Como disse, diversão pura, com pratos excepcionais e copos especiais, em uma experiência que esse século ainda há de entender.
Hora da caça: pombo com alho negro, funcho e berries da estação (Foto: Pedro Mello e Souza)