Melancia pop

[3 ago 2018 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

 

Melancia e Jack Nicholson, em foto histórica de Willy Rizzo

 

Quem diria, a melancia, gigantesca, quase inconveniente, mas de polpa fresca, de um vermelho irreproduzível, já era pop há mais de um século, muito antes que chefs como Carlo Cracco e Andoni Anduriz, do Mugaritz, trazerem seu frescor para os contrastes de suas degustações. Aqui, foram seguidos por Pedro de Artagão, Felipe Bronze e, no melhor dos casos, por Tomás Troisgros. Foi pop na lente do fotógrafo Willy Rizzo, que fez a foto da fruta sendo massacrada por Jack Nicholson em um café da manhã com cara de ressaca.


Mugaritz e o carpaccio vegetal de melancia

 

Antes deles, Paul Cézanne e Umberto Boccione deram suas interpretações da fruta, que já estava no imaginário de outros pintores de narturezas mortas, entre eles James Peale, que fez pelo penos quatro tentativas de retratar uma fruta que chegava na Europa com frescor comprometido. Na mesma época, o americano Levi Wells Prentice e outros pintores e naturalistas mostravam o lado sexy da melancia. Em termos de climas, Cézanne e Boccione se deram bem – pintaram em climas quentes, tão amigáveis à fruta. Jane Grigson confirma essa felicidade, em seu gigantesco “Fruit Book”, em que faz o melhor histórico da origem que muitos julgavam tropical e nativa de um cenário de cocos e abacaxis. Ledo engano.

 

Uma das quatro naturezas mortas com melancias que James Peale pintou em 1824

Grigson entrega a viagem de David Livingstone (o mesmo de “Dr. Livigstone, I presume?”) que viu, em 1850, campos inteiros da fruta surgindo, espontâneos, do meio do deserto de Kalahari. E denuncia a surpresa que a a descoberta causou na época, já que os arquólogos já sabiam de restos da fruta em tumbas egípcias das primeiras dinastias. Gregos e romanos já a conheciam, mas, curiosamente, não a classificaram. Pior: somente em 1597 elas chegariam a Londres. E cruzariam o Atlântico, em 1629, para assombrar o povo de Boston.

 

Os anais gostam de reproduzir as bobagens de José Juan Tablada, um diplomata mexicano que, que ninguém nos ouça, era parecidíssimo com Monteiro Lobato tanto na aparência quanto no estilo infantil. Ele declamou, em métrica haikai, constrangedora:

 

¡Del verano, roja y fría

carcajada,

rebanada

de sandía!


Salada de melancia e melão com ovas de ouriço, de Carlo Cracco.

Hoje, italianos e espanhóis são os maiores produtores de melancia da Europa. Israel, o maior fornecedor do continente. Mouros e bérberes a introduziram na Espanha e na Sicília, durante a ocupação nas regiões, no século 11, e nos então existentes campos africanos próximos ao Mediterrâneo. Além da polpa refrescante e luxuriante, os espanhóis usam a semente para picá-la com água e transformá-la em um dos refrescos mais originais e festejados dos bares e lanchonetes ibéricos, a horchata. Na Sicilia, o “gelo d’anguria” é um doce gelado de melancia triturada, misturada com chocolate e açúcar.


Cocomero, natureza morta de Umberto Boccione (Repordução)

Curiosamente, a melancia vai contra o caminho das etimologias de outras frutas, que são semelhantes, mesmo em regiões diferentes, ou se dividem em nítidas áreas linguísticas. O watermelon dos ingleses está em todo o mundo normando-germânico, por exemplo, como uma descrição quase óbvia de uma fruta com polpa com mais de 98% de teor de água. É o wassermelone dos alemães, o watermeloen dos holandeses; o vattenmelon dos suecos, o vandmelon dos dinamarqueses, o vannmelon dos noruegueses.

 

Mas dali pra baixo, quase não há equivalências. Como em praticamente todo o seu vocabulário, a própria expressão portuguesa poderia ser uma corruptela de “melón de sandía“. O mais próximo dos árabes, que fizeram a fruta circular pelo mediterrâneo, teria sido o francês pastèque, a partir do original ‘bathyk’ ( بطيخ ). Para os italianos, a influência grega gerou o cocomero e a anguria. Coco, miolo; angurion, idem.

 

 

 

 

 

 

 


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