O quibe cru é uma daquelas vítimas do bairrismo cultural e, por consequência trágica, do culinário. Conhecê-lo como o steak tartare árabe é a mesma injustiça de denominar o cassoulet como a feijoada francesa. Aos motivos: originalmente, o ‘kibbeh nayeh’, interpretação mais comum de كبة نيئة, é tradição, sírio-libanesa muito anterior à criação do tartare pelos belgas – um beijo no ombro aos tolinhos que ainda acreditam na falácia da criação da iguaria pelos tártaros, sob a cela de seus cavalos. Uma gargada e todos teriam morrido de tifo ou cólera.
Aqui, falamos de algo muito mais antigo, da carne de cordeiro magra, fresca, picada e misturada com a mesma quantidade de trigo sarraceno para formar uma massa homogênea e brilhante, que deve ir à mesa para brilhar ainda mais, dessa vez sob a regada de azeite de oliva. A ideia é ser um prato refrescante com pouca ou nenhuma condimentação, ao contrário de seu rival europeu. E sem o tempero de lendas tão infantis como a de cavalgadas épicas.
Dependendo da região, o quibe cru pode ganhar guarnições como cebolas e salsas picadas, folhas de hortelã, tomates e pimentões, como no Marrocos, e especiarias como o cominho, no Egito, e a canela e o cardamomo, em toda a Península Árabe. Em todas essas regiões, o quibe cru é tido como um dos componentes da ‘mezze’ e consumido com pão do tipo ‘pita’. Ao redor do mundo, está sempre destacado nos cardápios dos restaurantes árabes como entrada, mas quase sempre em formato próximo das carnes cruas européias. Daí a triste comparação.