Quando fui ao Oro, experimentei uma série de dez itens. Um dos que me chamaram a atenção foi o bacalhau preparado à baixa temperatura. Tenro, dessalgado na medida, elegante no paladar, sem as aflições – e desidratações – de um forno exageradamente quente.
Veio guarnecido com uma espuma de tomates defumados que não se continha e que quase derreteu (por que as espumas não se contêm e derretem entre nós – seria a umidade do Rio?). Mas era intenso, de massagear a boca. E sem aquele ataque rasteiro das essências que simulam a defumação.
As batatinhas a murro e o toque do presunto cru frito deram o norte dos açúcares das féculas. E o sul da ponta salgada. Fui bem orientado. Tínhamos bacalhau. Esse aí, da foto vertical.
Até ri sozinho, imaginando como ia comentar isso com o Manuelzinho, orgulhoso que é dos seus bacalhaus dos conventos alentejanos. Já tinha até passado por enrascada semelhante quando citei, de uma outra vez, o bacalhau do Claude Troisgros, o da mousse de batatas com azeite trufado verdadeiro – essência de trufa é outra que não me engana.
Foram meus dois alentos depois de quatro experiências desastrosas de bacalhau à lusa: duas no Adegão Português e uma no Rei do Bacalhau, no Encantado. O Bacalhau do Rei, na Gávea, esse, eu já desisti. Se o bacalhau está sem rei, vivam os reis.
Mas vamos ao manifesto. Ia produzir, para o Sábado de Aleluia, notas sobre os diferentes tipos de bacalhaus que a Páscoa nos trazia. Esse do Oro seria um deles. Mas uma amiga esteve na casa e me trouxe o luto: o bacalhau saíra do cardápio.
Já fui dono de estabelecimento e sei que mudanças desse tipo não são gratuitas. E que há substitutos, como o simpático bacalhau com purê mestiço e alho negro, esse da foto horizontal. Que hei de provar, se a Páscoa – no sentido da renovação – assim o mantiver.
Mas fica o protesto – pacífico, posto que inútil – pelo desaparecimento precoce de um prato que merecia ser citado. E fica também o voto pela sua ressureição, especialmente nesses tempos de Semana Santa.