O fim do verão na Europa traz as excitações e expectativas de duas colheitas para o mundo do vinho. A primeira, claro, a dos vinhedos. A segunda também envolve uvas, mas o terroir é o das livrarias. É nessa época que, quase simultâneos, surgem os dois guias mais vendidos do momento, saindo no mesmo dia, com o mesmo nome, tanto em papel quanto para kindle: Pocket Wine Book, um de Oz Clarke, outro de Hugh Johnson.
Como guias ingleses que são, desfilam os rótulos e suas safras com humor e irreverencia, mas os artigos que trazem no início e no fim, com as reflexões sobre o passado e previsões para o futuro, fazem as diferenças. Uma delas, Hugh Johnson batizou de “If you like this, try this”. Em bom português, se você gosta do vinho fulano, experimente o vinho beltrano.
Ele fez isso com champanhes contra os grandes cavas, pôs os portos tawnies diante dos franceses de Rivesaltes e, nessa última edição, envolveu duas vezes a uva syrah: desafiou quem gosta dos Hermitages, de Côtes du Rhône, a tentar o nero d’avola siciliano. E sugeriu o syrah chileno para quem curte os adoráveis dolcettos do Piemonte.
Para tirar essas duas sugestões a limpo, vale a pena tentar um cara-a-cara entre os rótulos em duas casas em que os vinhos são bem tratados. Na primeira, a Porto di Vino, onde o Crozes-Hermitage Marc Sorrel (R$ 191) duela com o Nero d’Avola 2010 (R$ 94), da siciliana Planeta. Na segunda, na Bardot, com o 1865 Limited Edition, do Vale de Elquí (R$ 169), pronto para encarar o Dolcetto, seja o de Livio Pavese (R$ 87) ou o Marziano Abbona (R$ 110).
Mas por que Johnson atacou logo com dois syrahs? A personalidade e versatilidade estão entre as respostas. Nos dois casos, a uva revela as sua boca sempre delicada e complexa. E um nariz de frutas silvestres, amora e cassis, principalmente, além do o traço levemente picante da pirazina presente ali e, não por coincidência, nos pimentões. Nós que gostamos de carnes, podemos ter no syrah uma bela opção para acompanhar um belo bife mal passado. Quem diz isso é o outro guia, o de Oz Clarke, que garante: é “a clássica uva do churrasco”. Enfim, se a se a chapa quente nos trouxer um steak au poivre, o syrah vai brilhar.
Mas os caminhos da uva syrah vão bem mais longe. No tempo, inclusive. A lenda de que tanto a variedade quando o nome vêm de Shiraz, na antiga Pérsia, já foi derrubada por estudiosos franceses como Gilbert Garrier. Mas a expressão “shiraz” tornou-se sinônimo para a uva entre os produtores de língua inglesa, especialmente a Austrália, onde estampa o Koonunga Hills, da Penfolds (R$ 105,90 na Todovino.com), ou da Nova Zelândia, com o Craggy Range Giblett Gravels (R$ 182,28, no site da Decanter). Não são baratos, mas estão entre os melhores syrahs do mundo.
Outra viagem importante da uva é para a América do Sul. Para o Brasil, inclusive, mais exatamente de Minas Gerais. Sim, acredite, o Primeira Estrada Syrah, produzido na área de Três Corações, é de uma fineza impressionante para um rótulo que está em suas primeiras safras e em uma região sem qualquer tradição vínicola. Leve no corpo, leve no preço: está em promoção no Zona Sul por R$ 55.
Mas os grandes syrahs da América do Sul estão mesmo nos sopés dos Andes. Alem dos chilenos que Hugh Johnson citou, há os argentinos da zona de San Juan, ao norte de Mendoza. Entre os exemplos mais premiados, aqueles da Finca las Moras (na Espírito do Vinho, por R$ 160), que, curiosamente, foram eleitos os melhores vinhos estrangeiros… na Austrália. É muita viagem…