Frutos do mar, lado B

[12 fev 2015 | Pedro Mello e Souza | 2 comentários ]

Vôngoles em caldo clarificado de bulbo, do Bazzar (Foto Pedro Mello e Souza)

As definições para frutos do mar podem, sem trocadilhos, ser bem vagas. Há quem inclua certos peixes para a explicação mais genérica. E há os radicais, que excluem certos crustáceos. É uma discussão globalizada pelo fato maior do paladar: as conchas, essas sim, incluídas em todas as classificações, estão na moda. Vieiras e mexilhões puxam a categoria desses ingredientes que são encontrados das formas mais diversas em todos os mares do mundo.

 

Dantes navegados? Nem todos. Por isso, relacionamos aqui algumas das espécies, mais e menos conhecidas, mais ou menos exploradas, nacionais ou não, que vêm influenciando os chefs mais ousados e evoluindo cada vez mais no trato dos cozinheiros tradicionais. Do simples caldinho de sururu ao caríssimo sashimi de abalone, uma lista de espécies em que o que vale é o que está dentro da casca grossa. Mas que, com fineza, rivalizam com outras que caíram na paisagem, como camarões, ostras, mexilhões, lulas, polvos… e, sim a lagosta também virou banal.

 

Canilhas no SeaMe, em Lisboa (Foto: Pedro Mello e Souza)

Os “cascas grossas”

(Fonte: A Enciclopédia dos Sabores)

 

Abalone

De abulón, palavra adotada dos índígenas ‘costanos’, que define o molusco raro e, por isso, caro, importado do Japão, Filipinas e outras águas orientais. Na aparência lembra uma ostra avantajada, do tamanho de um palmo, mas da forma de uma orelha e de desenho que lembra o submarino do Capitão Nemo. Dali, retira-se o músculo adutor fresco, que será vendido cru, salgado, enlatado, seco, ralado (kaiho) ou em pó (meiho). Está na moda hoje, mas esteve antes, nos anos 50, 60 e 70, especialmente no México e na Costa Oeste dos Estados Unidos, onde tornou-se uma das estrelas da constelação dos sashimis. Sua presença nas mesas americanas levou o crítico de vinhos Hugh Johnson a incluir a iguaria na relação de harmonizações de seu guia de 2007 – ele indica vinhos brancos secos ou semi-secos, entre eles alguns genéricos como o ‘sauvignon blanc’ ou específicos como os brancos de Beaune.

 

Akagai

Do japonês 赤貝, que significa, literalmente, “marisco vermelho”. Parte de sua carne é, de fato, escarlate, mais ainda depois de limpo da lama onde vive e levemente escaldado antes de ser servido – ou congelado para embarque para os balcões de sushis de águas mais quentes, como a do Nagayama, da foto abaixo.


Akagai, o "marisco vermelho, tal como apresentado no Nagayama (Foto: Pedro Mello e Souza)

Amêijoas

Marisco típico das costas atlânticas de Portugal, onde integra a alimentação das populações costeiras há 80 séculos. Proporciona petiscos sob o fogo delicado, como no caso das amêijoas à ‘Bulhão Pato’, entrada obrigatória em todos os restaurantes de frutos do mar de Lisboa. É uma guarnição rica de massas e tornou-se a base de pratos tradicionais como a carne de porco à alentejana.

 

Aviú

Camarão minúsculo – cabem vários em um dedal – capturado durante as vazantes de deltas e estuários do Norte, onde torna-se ingrediente para sopas, caldos e receitas tradicionais, como a ‘mujica’ do Pará. Seus congêneres do Sudoesta Asiático são fartamente usados na produção de certo molho fino de peixes.

 

Aviú, o camarão microscópico (Foto: Pedro Mello e Souza)

Berbigão

Essa é a denominação portuguesa. Por aqui, é uma das versões oficiais do ‘chumbinho’, variedade de marisco semelhante à ‘lambreta’. Sua concha triangular e pouco maior do que um polegar protege sua carne escassa mas delicada, usada no preparo de caldos e refogados que enriquece peixadas, tortas e preparados similares. O sifão que usa para filtragem de alimentos e locomoção podem ser percebidos pelos jatos de água , lançados como de um cachimbo, em áreas de arrebentação de marés – e valem à iguaria sinônimos regionais como ‘bebe-fumo’ (Bahia), ‘fuminho’, ‘papa-fumo’, ‘fumo-de-rolo’ (litoral fluminense) e ‘sarro-de-pito’ (São Paulo).

 

Cadelinhas

Também conhecido como ‘quiteta’ ou ‘conquilha’, é uma variedade de marisco semelhante à amêijoa, mas de concha mais assimétrica e triangular. Pode ser refogado com alho e azeite, como à Bulhão Pato, ou ser preaparado com arroz, como em Angola.

 

Cadelinhas ou quitetas: aperitivo no Sea Me, em Lisboa (Foto Pedro Mello e Souza)

Búzio

Concha grande, em forma de espiral, às vezes do tamanho de um punho, onde se abriga o animal de carne saborosa, mas borrachuda quando preparado por fornos inábeis. É mais consumido na Ásia e na Europa, onde tem na cozinha italiana seu clássico scrungilli marinara, do que nas Américas. Boa parte de sua produção em águas temperadas destina-se às conservas finas em azeite ou vinagre e especiarias. Está presente nas peixarias modernas de Portugal.

 

Caranguejo

Denominação genérica do adorável crustáceo de mar ou de rio, capturado pela carne tenra e adocicada sob sua carapaça ou dentro de suas pernas ou pinças. Existem centenas de espécies de todos os tamanhos e cores em todo o mundo, o que o transforma em base das mais diversas iguarias. Mas o bom mesmo é degustar a sua carne cozida no vapor, de preferência ainda em sua carapaça, que será aberta à base de marteladas secas e libertadoras.

 

Dungeness crab, o caranguejo-ícone dos americanos em um restaurante de Fishermen's Wharf, em São Francisco (Foto: Pedro Mello e Souza)

Conquilhas

Marisco semelhante ao mexilhão, mas de casca mais rígida, que lembra, na forma e na esturuta, ao da amêijoa. É conhecido também como ‘cadelinha’ ou ‘quiteta’. Proporciona sopas, canjas, açordas, arrozes, cataplanas, caldeiradas e até uma versão da ‘carne de porco ‘a alentejana, em que é estufado com cubos – ‘rojões’ – de lombinho de porco.

 

Dungeness

Da região do mesmo nome, no ponto mais a noroeste do estado de Washington, onde se origina esse caranguejo do Pacífico, festejado tanto pela sua carne colorida e adocicada quanto por seu peso, que pode chegar a dois quilos. Seu formato é o protótipo do caranguejo, o que primeiro vem à memória e, via de conseqüência, ao paladar. Tornou-se virtualmente o animal-símbolo dos portos pesqueiros da Califórnia, principalmente de San Francisco, que o transformou em emblema e atração gastronômica do bairro Fishermans Wharf. Mas a dedicação custou caro à população da espécie, hoje protegida por leis rígidas que restringem a captura ao macho e somente em alguns meses do ano, tanto na Califórnia, quanto nos demais estados do Pacífico, incluindo o Alasca, além da Baja California e da respectiva costa canadense.

 

King Crab no Nagayama (Foto: Pedro Mello e Souza)

King Crab

Denominação nobre do belo, gigantesco e carnudo crustáceo de longas pernas vermelhas e carapaça espinhosa, que podem alcançar a envergadura de um carro pequeno. Tornou-se uma necessidade entre os americanos, que o caçam nas águas furiosas do Pacífico, próximas à costa do Alasca, nas quais o risco tornou o ingrediente um astro de canais de documentários. Seu preparo mais comum é o vapor ou a água e sal e é servido com maioneses ou molhos fortes de tomate e pimenta.

 

Lambreta

Pequena variedade de amêijoa das costas brasileiras, consumida à minuta, como petisco, ou usada para aromatizar caldeiradas.

 

Lapas

No plural, sempre, para denominar esse singular molusco que vive amarrado não a duas conchas, mas a uma concha e à rocha. A mais prezada, o dos Açores, é colhida nas pedras vulcânicas que se precipitam sobre o mar, em tarefa arriscada e assumida por um grupo de ilhéus, que se ressente com a legislação que prevê a proteção da espécie e restringe sua colheita aos meses de junho a setembro. Da mesma forma, a lei restringe ao período o preparo de especialidades como o ‘arroz de lapas’, o ‘afonso de lapas’ e as ‘lapas grelhadas’. Nos outros meses, deve-se contentar com a conserva do animal em azeite, que, mesmo sem o frescor original, não deixa de ser um petisco tido como imperdível, pelos experimentados.


Lapas à venda no mercado de Funchal, na Ilha da Madeira (Foto: Cristiana Beltrao)

Langueirão

O mesmo que lingueirão ou longueirão. Mas os espanhóis vão direto ao ponto e chamam de navaja referência ao formato desse molusco de carne delicada, que se protege em uma concha bivalve, longa e reta como o instrumento de um barbeiro ou de um psicopata. O ‘arroz de langueirão’ é uma especialidade do Algarve que passou de prato rústico de pescadores a parada obrigatória do roteiro gastronômico de Portugal. Curiosamente, a palavra não consta de certos dicionários brasileiros, que preferem ‘langueirão’, usada pelos cientistas, mas ignorada pelos pescadores.

 

Langueirão no vapor, no SeaMe, em Lisboa (Foto: Pedro Mello e Souza)

Percebes

Curiosa, assustadora e polêmica especialidade das costas galegas e asturianas, trata-se de um crustáceo que se prende à rocha com um pé longo, escuro e rugoso, que termina em uma cabeça de cascas duras, dentro das quais extraem-se, com os dentes, a carne longa, delicada e muito branca. Protegida em toda a Europa, pode ser degustada somente em bares ou restaurantes litorâneos, que os servem crus ou cozidos no vapor.


Os percebes segundo José Avillez, no Belcanto, em Lisboa (Foto: Pedro Mello e Souza)

Santola

Ou centolla, como preferem alguns, apelando para o espanhol para se referir a esse caranguejo de patas longas que lembram as de uma aranha. Tem a carne branca, suave, adocicada e suculenta para ser degustada cozida ou desfiada em guisados ou saladas e ainda ligados com creme de leite e gratinado para ser dramaticamente apresentado na carapaça vermelha e espinhosa do animal. Mas é uma iguaria cara pela faixa restrita do ano em que pode ser caçado e das leis que tentam protegê-lo. Os gourmets afirmam que a carne da fêmea é mais suave, enquanto a do macho é mais agressiva. Igualmente delicada é a origem da denominação do animal junto à comunidade científica, uma referência a Maia, mitológica filha de Atlante e mãe de Mercúrio.

 

Siri mole

Diz-se do siri em muda de casca, que a torna maleável e até mastigável. A desproteção não sofre a condescendência dos brasileiros, principalmente dos baianos, que o glorificam na moqueca, e dos pernambucanos, que os celebram na fritada.


Sururu na salada de arroz vermelho, do Bazzar (Foto: Pedro Mello e Souza)

Sururu

Espécie de mexilhão típico que enriquece as costas e os cardápios nordestinos do Brasil – Alagoas, Sergipe e Bahia, especialmente – com uma série de clássicos que incluem o caldo de sururu, o sururu de capote e a salada acima, com arroz vermelho.

 

Surf clam

Espécie que não temos no Brasil, é rara em Portugal, mas que é abundante nos Estados Unidos, especialmente na Costa Leste dos Estados Unidos, onde chega arrastado pelas marés, dos seus ninhos em águas profundas. Essa chegada às areias com as ondas justifica a apelação “surf”. É saborosa e dá um espetáculo particular em especialidades como o ‘clam showder’ da Nova Inglaterra, uma delas a da foto abaixo, que o chef Daniel Humm elaborou para o menu degustação do Eleven Madison, em Nova York.


Surf clam do Eleven Madison, na versão de David Humm do clam chowder (Foto: Pedro Mello e Souza)

 

Tamurataca

O mesmo que tamarutaca ou tamburutaca. Crustáceo semelhante à lagosta, mas de corpo reto e achatado, o que o torna mais próximo de um tatuí. Muito apreciado no Mediterrâneo, principalmente na Itália, é comum do Nordeste, onde atende por uma série de denominações locais, embora seja menos usado na culinária dos que os demais crustáceos, apesar da carne delicada.

 

Vieiras

Marisco conhecido como modelo da criação em obras de Botticelli e Rafael e, posteriormente da logomarca da petrolífera Shell. Na Idade Média, já era associado à imagem de São Tiago, que lhe valeu a denominação em praticamente toda a Europa, como nas vieiras de santiago, nas coquilles st.-jacques, nos st.jacobmuschel. Tornou-se, por isso, símbolo dos peregrinos dos caminhos que levam a Santiago de Compostela, em romaria ao túmulo do santo. Por justificável milagre, a natureza o tornou abundante no Golfo de Biscaia. As espécies se multiplicam também pelo Canal da Mancha e sobem até as costas da Escócia, onde estão as colheitas mais prezadas do momento. Outro milagre acontece na mesa: seu músculo adutor, um pequeno cilindro de carne de delicado tom rosa, é a iguaria em questão, que pode ser delicadamente refogada ou cozida em vinho para o serviço na própria meia concha. Curiosamente, alguns chefes desprezam outra surpresa da vieira, o seu coral. Já na Ásia, a tradição condena o acepipe ao infeliz destino dos demais mariscos: a conserva por salga ou desidratação. A esperança está nas técnicas de coreanos e japoneses, que a criam em viveiros, com técnicas que já chegaram ao Brasil.

 

Vôngole

Espécie que já tem um nome próprio: espaguete. É com esse preparado que a carne desse pequeno molusco de concha triangular revela seu sabor intenso e sua delicadeza,, o que sugere, no máximo, cozimento ou refogados leves para preservar a sua textura macia.

 

Mais vôngoles, dessa vez no brodetto de frutos do mardo Margutta (Foto: Pedro Mello e Souza)

 

 


 


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Depoimentos

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