Marsala, o quente da moda

[27 dez 2014 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Matéria publicada na edição

de 27 de dezembro de 2014

no Caderno ELA, de O Globo

 

A logomarca oficial da Pantone para 2015, o marsala

“O marsala é um vinho que enriquece nossa mente, nosso corpo, nossa alma, exalando consistência e equilíbrio, com seus tons e suas notas que nos envolvem como em um abraço quente”. Essa pensata não é de nenhum sommelier, nem de poeta adorador de Baco ou de qualquer enochato. Foi dita por Leatrice Eiseman, diretora executiva da Pantone, ao divulgar a cor do ano, o marsala, o antigo vinho siciliano, determinando que, no paladar ou no design, o tom avermelhado, meio topázio do marsala será o abraço quente da moda.

 

Como se vê, já se foi o tempo em que brindávamos as cores da moda com a chegada das novas coleções das passarelas, sempre escolhidas pelos grandes estilistas. Hoje, os tons chegam por influência dos designers da Pantone, a famosa referência de cores especiais, que, nos últimos anos, decretam, e com antecedência, o que vamos adorar ano que vem, do rímel à cor dos carros. Nesse ano, o brinde é pra valer, pois invoca um dos vinhos mais tradicionais do mundo, o marsala, fortificado como um porto, que pode ser doce, de sobremesa, ou seco, para o aperitivo. Ou seja, o desfile é na mesa.

 

Mas, afinal, qual a cor do marsala? Quem já esteve na cidade que batiza o vinho, no extremo oeste da Sicília, sabe que as cores podem variar de um dourado luminoso a um caramelo bem fechado, passando pelo rubi. – A cor que escolheram é a do tipo virgem, ou vergine, como dizem, que tende ao âmbar, explica o sommelier Dionísio Chaves, que tem dois rótulos bem conhecidos em duas de suas casas, o Duo, na Barra, e o Bottega del Vino, no Leblon: o Marco de Bartoli e o Pellegrino.


– Sem dúvida, o Marco de Bartoli é o mais importante, diz Nicola Massa, um dos inspetores do Tre Bicchieri, o Michelin dos vinhos italianos. Para ele, os mais tipos mais intensos são aqueles que envelhecem por 30 ou 40 anos, no mesmo método que deu fama ao Jerez, o solera. – Nesses casos, vale a pena tomar fora da refeição, puro, ou, no máximo, acompanhando um belo biscoito de amêndoas. – Acho que pela mesma razão que amo Jerez, o Marsala me traz esse espírito “solera” de prolongar o prazer. Adicionar vinhos antigos aos novos, tornando-os perpétuos ou fortificá-los, faz as bebidas e seus consumidores reconhecerem um prazer de outrora, imemorial. É o verdadeiro elixir da juventude, diz Cristiana Beltrão, do Bazzar, uma das poucas a ter no vinho na carta.

 

Mas se o marsala não é fácil de se encontrar, há motivos. Para o consultor Paulo Nicolay, é uma bebida tão nobre que fica até difícil de vender. – Precisamos de um sommelier muito bem treinado para oferecer esse vinho aos clientes, que vão ter sempre a preferência sobre um vinho de sobremesa que ele conheça melhor, como um sauternes, em vez de um tipo que se associa mais à cozinha. Nicolay se refere a dois preparados em que o marsala é fundamental: os molhos de carne, que têm uma cor semelhante à escolhida pela Pantone; e ao zabaglione, o famosíssimo creme preparado com ovos, este, bem mais claro.

 

Mas nem só de sobremesa vive o marsala. O tipo branco também tem seu momento. Para o chef Danio Braga, que tem a bebida na carta das duas casas que comanda, o Sollar, de Buzios, e o Locanda dela Mimosa, em Itaipava. – O marsala branco é um excelente parceiro para o presunto cru, tal como o que acontece com o Jerez. No marsala mais comum, o que cedeu a cor da moda, Pantone rima com panetone, que Danio vai preparar com frutas vermelhas. A acidez dessas frutas, especialmente a do morango é perfeita para o marsala mais comum, aquele da cor escolhida pela empresa.

 

Para muitos, o marsala é mais comum na cozinha do que nas adegas. Receitas como os escalopinhos ao marsala até o zabaione, um creme metrossexual, que exige a presença do vinho, estão enre os clássicos da cozinha italiana. – Não tem substitutos, comenta Danio Braga. Em qualquer das receitas em que entra, se for substituído por outro vinho, o resultado não é o mesmo, por conta da acidez do vinho, que se mantém até no molho mais diluído, completa o chef, que ainda alfineta – com outros vinhos, o molho fica doce demais.

 

Por pouco, o marsala não cai no esquecimento. Depois da grande fama que teve entre os ingleses, que fizeram fortuna com o comércio desse vinho, em meados do século XVIII, a produção sofreu ameaças sérias da máfia siciliana, que impôs um preço superior para um produto inferior. Quem tentou inverter isso foi o próprio Marco de Bartoli, que passou por dificuldades até que desmantelassem o crime organizado na área. Na época, ele foi obrigado a esconder os bons vinhos que produzia diante dos riscos que sofria. Os sommeliers agradecem. A moda também.

 

Mas a grande dívida mesmo vem dos ingleses, que praticamente “inventaram o vinho”, ao descobri-lo, em meados do século XVIII. Fizeram com o produto o mesmo que faziam com outros similares, adicionando aguardente. Hoje, os processos são bem mais complexes e envolvem exposições mais prolongadas aos materiais que vêm das uvas

 

Dependendo do tipo – e, vá lá, da cor – uma garrafa de um bom marsala pode estar na faixa dos 180 reais. Ou superar a marca dos 500 reais, como no caso do Superiore ou do Vecchio Samperi, que conquistam cotações acima dos 90 pontos, na classificação de Robert Parker. Ou os dificílimos 18 pontos em 20, da elegante crítica inglesa Jancis Robinson. Em ambos os casos, prevalece a uva branca grillo, que ganha os tons conforme o envelhecimento ou o preparo. – Na boca, dá uma sensação quente, de melaço e de nozes, analisa a expert.

 

Na área do design, o marsala estará presente em padrões de tecidos e revestimentos, nas grifes da moda e nos designs de interiores em cores de esmaltes e, já que falamos em boca, nos batons. – É um tom de cor muito sedutor, que nos traz não só uma vibração especial como também uma série de contrastes com outras cores, que ganharão destaque tanto na área dos cosméticos como na decoração, resume Leatrice Eiseman, diretora executiva da Pantone.

 

 

 


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