Ingredientes locais, refrescantes, crocantes, um breve estaladiço contra o calor. Mesmo que não soubéssemos do que estamos falando, sabemos que o palco acima é testemunho de uma deliciosa guerra entre franceses e italianos – provençais e genoveses, para ser mais exato. As armas são as mesmas: tomates, cebolas, azeitonas, pepinos, cenouras, vagens (ou favas e pimentões, como nos lembra Prosper Montagné), alcachofras, anchovas e atum em conserva, todos temperados com um alho que é apenas esfregado na borda da tigela. E azeite do bom.
O motivo da briga, a denominação. Afinal, que prato é esse? Salade niçoise ou insalata mediterranea? Até aqui, todos ganharam, e com direito a distinções e medalhas, já que praticamente todas as hortaliças têm seus selos de denominação de origem nos dois lados das fronteiras.
Como se trata de uma receita de tradição oral, o que se tem aqui é uma base, que a modernidade enriqueceu com ovos, batatas e beterrabas, todos cozidos, embora os puristas desprezem qualquer ingrediente que não seja cru – e com rédea bem curta no uso de conservas como as de azeitonas, alcachofras, atuns e anchovas. Mas quando esta rédea se solta, temos artilharia de outras origens, da mozarela da salada capresa ao croûton da Caesar Salad.
Essas anchovas, aliás, seriam a base da salada original, cortada em iscas e servidas com quartos de tomates e generoso azeite de oliva, ao longo de todo o arco que liga Gênova a Mareselha. As variações sobre o tema teriam surgido nos hotéis da Riviera Francesa e da área de Cinque Terre, após a Primeira Guerra. E registrada fartamente em livros como “Hommes bonne”, de 1939, embora uma primeira citação tivesse surgido em 1900, no “Almanach Hachette”. Ponto para os franceses.
Porém, há um compêndio da época que pode dar pistas. O Dictionnaire de la Cuisine Pratique, tão antigo que seu autor, Joseph Favre fala em “empire du Brésil, fala em niçoise como forma de preparo de caças e ovos. O mais próximo da fórmula da salade está na receita à la sicilienne. Ponto para os italianos, que, se não fossem os peixes e os ovos, teriam diante do comensal a igualmente clássica insalata del’orto. Seria ponto para a Itália, mas como, se a Grande Enciclopedia della Arte Culinaria já se refere à insalata nizzarda?
Mas aí chega Paul Bocuse e quebra tudo. Na receita que publicou em seu livrão, nada de peixes ou de conservas, mas sim uma curiosa atenção ao ingrediente pelo qual é apaixonado, a batata. “Três partes iguais de batatas cozidas em água, descascadas e cortadas em tiras finas, tomates bem maduros, sem pele nem sementes, cortados em quartos, vagens cozidas em água e sal ao ponto – tudo misturado em uma saladeira, com uma quarta parte de centros de alfaces desfolhados. Temperar com azeite, vinagre, sal e pimenta, cebola picada fina e uma boa pitada de cerefólio, desfolhado na hora”.
Como sugere a boa conduta na escolha de vinhos, a especialidade da região é a indicação, com vinhos provençais como os rosés de Bandol, os brancos de Bellet, estes ainda mais próximos de Nice, se tomarmos partido dos franceses. Se os vinhos genoveses estão ainda tímidos por aqui, a harmonização será como indica Favre, à la sicilienne. Um branco da uva grillo. Nos dois casos, atende à sugestão do crítico Hugh Johnson, em seu “Wine Pocket Book”, que implora apenas que se evite a derrota dos vinhos, o vinagre. Ponto a mais para a Itália e para a França. E, pelo vinagre, ponto a menos para Bocuse.