Devia ter meus 18 anos quando meu tio me enviou uma mensagem que os antigos chamavam de carta. Tinha o timbre do charmoso Hotel Plaza, em Nova York e, nela, ele descrevia, com caneta tinteiro, o pedido que fizera para seu café da manhã no quarto, meia dúzia de ostras de uma garrafa de chablis. Nunca consegui reproduzir o programa completo e, claro, só fiquei nas ostras e no chablis. Faltou o hotel, que teve classe para ser cenário do filme O grande Gatsby e, refinado que é, ainda elogiara a escolha do vinho para os pratos, sem achar nada estranho um pedido daqueles para um desjejum matinal.
Vinho branco alegre, fresco, mineral, cítrico, o chablis é isso, uma parceria festejada com os frutos do mar, mais ainda com as conchas, por conta de um requinte da natureza, o solo calcáreo de tempos jurássicos, em que a região era mar e deixou de herança uma terra rochosa, de pedras tão brancas quanto suas parentes próximas, as pedras portuguesas do calçadão de Copacabana.
É chardonnay na veia, sem qualquer outro aditivo a não ser o orvalho do clima frio daquela área, que, por mais que seja uma região da Borgonha, está localizada em planos mais altos e entre outras três regiões do mais fino vinho branco: duas delas no Loire, Sancerre e Pouilly-Fumé. A outra é uma tal de Champagne.
Ninguém sabe ao certo como surgiu Chablis. O que se sabe é que segue roteiro semelhante às regiões vinícolas da Europa: os romanos implantam o cultivo da vinha, enquanto os monges a desenvolvem durante os séculos. A cidade é mínima, com uma população menor do que a de um condomínio na Barra, mas está cercada de uma grandeza de terras nas colinas adjacentes, que geram as quatro categorias do vinho, do petit chablis ao grand cru.
Terra branca, clima e pouca intervenção são os segredos desse vinho em que vale a máxima do “laisser le sol parler” – deixar o solo falar -, como revelou Fabrice Roelandt, representante de um dos mais importantes produtores da região, o La Chablisienne. Trata-se de uma cooperativa de 250 famílias, sócias no projeto e bonificadas cada vez que suas uvas ultrapassam os padrões de qualidade.
Na apresentação que fizeram no Rio, exibiram as quatro categorias, começando pelos dois rótulos sem envelhecimento em madeira. Um, o Pas si Petit (não tão pequeno), um petit chablis que estalava na boca de tanto frescor, graças às uvas que vêm dos topos das colinas da área. Das encostas dessas mesmas colinas veio o segundo rótulo, o Chablis propriamente dito, ainda mais intenso, mas com acidez suficiente para que a região vença um dos tabus na degustação de vinhos: os ovos.
Mont de Milieu era o representante dos premiers crus e o Château Grenouille, o dos grand crus, ambos densos, mais austeros, mas com acidez sempre marcante e que garantem até algum tempo de guarda, na garrafa, algo em torno de 5 ou 6 anos. Poucas lojas têm os quatro rótulos. Uma delas é a casa Carandaí, no Jardim Botânico. Outros dois grandes produtores da região estão presentes no Rio em faixas diversas de preço. É o caso de William Fèvre, o favorito da região, segundo o crítico inglês Oz Clarke. Ostras à parte, hotel idem. Mas é classe garantida entre os vinhos mais instigantes para um café da manhã digno de timbre e de registro em carta.
Letras garrafais