Tradução direta da expressão Chez Claude: Na Casa do Claude. Tradução ainda mais direta: Claude Está em Casa. Mais ainda, Claude Está se Sentindo em Casa. Ele anda circula, mete a cara nas mesas, checa se está tudo bem. Anda, mexe, dá ordens, faz observações, tira pedidos. Não é renascimento, é renacença de Claude Troigros, com seus 62 anos de ainda jovens, levando os clientes à sua cozinha – e, após décadas, levando sua cozinha aos clientes.
E leva literalmente: “quero que as pessoas se levantem e metam a cara na panela, cheirem, como se estivessem cozinhando em casa”. Mas ninguém se levanta – ninguém se senta também, já que a multidão ali fora espera, desde as seis da tarde, lugar na casa que não faz reserva. E vão chegando pratos. Muitos de centro de mesa. Talheres em um copo, o pessoal vai se servindo. Todos se sentem em casa.
O ovo com seu tradicional caviar de tapioca e a farinha panco é o único que chega com cara de individual, mas um vai metendo a colher na casca do outro. O mesmo com o carpaccio de palmitos, vieiras e mousse de haddock, o mesmo com o risoto de camarão. “Tô fazendo tudo de novo, revisitando o que eu já fiz antes e vou mudando aos poucos”. Muda quando? “Sei lá, daqui a pouco, eu mudo”, ri. Claude está em casa.
O salmão é um clássico que provou do pai. O cordeiro, um clássico que serviu ao filho. Nesse, ele mostra o que quer não só do restaurante, mas também do público. Ele abre as costeletas tenras e firmes e mostra o molho meio queimado no fundo. “Chega de cozinha teflon. Quero as pessoas passando o garfo no fundo das panelinhas e raspando aquele crocante queimado do fundo de ferro”, reclama, estendendo a casquinha na ponta do talher. Claude está se sentindo em casa.
Entre os vinhos, o protesto: não vai mais trazer os rótulos que mandava fazer, nas áreas vinícolas perto da área em que nasceu e cresceu: Roanne, na nascente do Loire, mas próxima ao frescor das uvas gamay, do Beaujolais. “Chega dessa loucura de vinhos que, lá, custam dois euros, mas que chegam aqui por 80 reais”, reage. “Agora, a aposta é no nosso vinho, o nacional”, entrega ele. No Brasil, Claude está definitivamente em casa.
O resultado está na sua carta, servida só em taça, marcada pelos vinhos que fez com Adolfo Lona, o mago dos espumantes brasileiros. “E dos brancos também”, retruca o chef , dando um spoiler para o chardonnay que produziu com a Dom Abel, guarnição da codorna. Com as carnes, um merlot suave e sumarento, que casou até com o calor do prato quente de frutas vermelhas da sobremesa, outro clássico de suas origens. Tudo como dantes, quando Claude já desconfiava de que estava em casa.
O chocolate é assombroso, a história, adorável. “A maioria do que vocês provaram vem de gente que eu achei na rua, que me deu coisas pra eu experimentar na esquina”. Nada de vinho de sobremesa – o espumante de Lona bastou para todas, inclusive para o clássico definitivo do chef, a crêpe de maracujá. Para quem não se lembra, precisou ele chegar da França para que a fruta ganhasse, degrau a degrau, a cozinha, depois a alta cozinha. Claude não sabia, mas já estava em casa.
“Vamos comer mais?”. Brincadeira, claro. Mas bem que ele gostaria. A noite já vai longe, ainda tem gente lá fora, desde o primeiro minuto da reinauguração do restaurante. Digo reinauguração pois aquele mesmo endereço do Leblon foi o primeiro de Troisgros. Hoje, tantos anos depois, Chez Claude ganha novo significado: Claude está de volta à casa.