Portugal: vinho + cerveja

[3 abr 2018 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Nada como um evento de vinhos para saber o que acontece no mundo das cervejas… em Portugal. Qual a lógica? Muitas delas estão investindo em rótulos próprios, com parcerias com cervejarias artesanais locais, com uma vantagem extra: as vinícolas já têm o que é necessário para atender a uma das exigências atuais, o barril para envelhecimento. A tendência em Portugal não é novo lá e nem aqui – a Exame já deu isso há dois anos, mas com poucos exemplos e sem a espuma devida. Fica a dica: os enólogos portugueses sabem muito sobre cervejas.

 

No ano passado, quando Pedro Mansilha Branco, da Quinta do Portal, no Douro, apresentou sua safra nova, me trouxe também a cerveja que estava lançando, a Portal Oak, uma dark ale produzida na Letra, produtora badaladissima da região. A cura, por um ano, foi realizada em barris de vinho do porto que a família Branco produz em Pinhão. Redonda, torradinha, longa e, mesmo com seu álcool alto (12%), equilibrada, com direito a rolha, mostra a rota de Portugal no descobrimento de novas cervejas.

 

T - Copos - Cervejas - PORT - Portal Oak Port Barrel Aged 04 Dark Ale (Foto Pedro Mello e Souza)

Portal Oak, dark ale da cervejaria Letra, maturada em barris de porto da Quinta do Portal – as parcerias entre vinícolas e cervejarias estâo chegando (Foto Pedro Mello e Souza)

Em fevereiro, em outro evento de vinhos, um famoso alentejano me soprou o surgimento de outras tres outras cervejas ligadas ao vinho. A primeira, que a nobre Niepoort, outra referência em vinhos do porto, que já estaria, discretamente, envelhecendo sua primeira partida em barris próprios. A segunda, que a Quinta de La Rosa, e nossa intrépida Sophia Bergqvist (portuguesa, apesar do nome), autora do que há de mais moderno entre os vinhos do Douro, lançará o seu rótulo nos proximos dias. 

 

A terceira e mais barulhenta de todas, a que a vinícola Herdade do Esporão entrou firme no mercado de cervejas, não em alguma parceria, mas com a aquisição da Três Cervejeiros, que já tem a sua linha Sovina consolidada com rótulos em vários estilos.  A notícia foi confirmada, ontem, no Porto, onde a Esporão mantem as operações da espetacular Quinta das Murças.

 

Tagus no aeroporto, uma das boas lagers da cervejaria artesanal portuguesa (Foto Pedro Mello e Souza)

Tagus no aeroporto, uma das boas lagers da cervejaria artesanal portuguesa (Foto Pedro Mello e Souza)

A ação não é exatamente uma novidade. Na Califórnia e no Oregon, a ação é corriqueira e segue a escola das cervejas maturadas em barris de bourbon e hard cider, em técnica que os franceses aplicam com barris de conhaque. No Chile, o núcleo da cerveja artesanal de Valdivia e Puerto Varas já se esbalda nos barris de vinhos fortificados do Valle Central. No ano passado, chegaram ao sul do Brasil as primeiras unidades que um dos proprietários da vinícola Juanicó produz com envelhecimento em seus próprios barris.

 

Nas visitas a vinícolas do Douro, nota-se que a convivência da cerveja com o vinho não é de hoje. No ano passado, a própria Sovina já podia ser degustada na rota do Vinho do Porto. Mesmo no Porto, em pleno estádio do frescor dos vinhos verdes, experimentamos iniciativas artesanais como a Bohemia (a deles), da gigante Sagres, tanto a pilsen quanto a bock, da boca da garrafa. A Tagus, que só fui conhecer no aeroporto, para limpar a boca dos taninos, foi uma das boas lagers que eu venho experimentando.

 

Bohemia, no Bar Baixa, no Porto. Passo da Sagres rumo ao paladar das cervejas artesanais. (Foto Pedro Mello e Souza)

Bohemia, no Bar Baixa, no Porto. Passo da Sagres rumo ao paladar das cervejas artesanais. (Foto Pedro Mello e Souza)

Tem mais corpo do que os diversos tipos da cerveja alemã de lagar, que mata a sede e, ao mesmo tempo, dá uma sensação de comfort beer. Coisa de quem está acostumado com a estrutura do vinho. Aroma trigueiro, de malte rico, paladar de pera e um lúpulo discreto completam o conjunto da cerveja, batizada com o nome que os romanos deram ao rio Tejo, que começou artesanal e, hoje, pertence ao grupo Sumol, marca que se dedicava aos sucos que tomávamos no café da manhã, eu e meu irmão, antes de irmos para a fria escola de nossa infância. Hoje, integra outro grupo cervejeiro, o Damm, das cervejas espanholas Estrella e das séries especiais que desenvolveram com o uber-chef Ferran Adrià.

 

Por conta das experiências de cervejas com barris, os portugueses cruzaram fronteiras que os produtores de uísque na Inglaterra já tinham tentado. A O’phelia, da Maldita, de Aveiro, norte de Lisboa, tem o trabalho feito em duas mãos. Antes, a cerveja matura no barril. Depois, o barril vai para a Irlanda, onde envelhece uma versão do clássico irish whiskey Jameson – e ganha esse apóstrofo do nome. Em cinco anos, o barril está de volta e torna a receber a O’phelia. O resultado, dez meses depois, é uma irish red ale por nada módicos 12,65 euros, algo em torno de 50 pratas.

 

Sovina, pioneira nas cervejaria artesanal portuguesa, agora com o Esporão (Divulgaçao)

Sovina, pioneira nas cervejaria artesanal portuguesa, agora com o Esporão (Divulgaçao)

Para quem quer saber qual o pedigree da Maldita, Aveiro é a cidade dos ovos moles, sobremesa indicada para a robust porter da marca, eleita a segunda melhor do mundo na categoria “cerveja escura internacional”, na International Brewing Awards de 2015. Para acompanhar o café ou o charutão depois dessa farra, outra referência lusa, a sua english barley wine, campeã absoluta na Europe Best Beers 2014.

 

Agora, é aguardar os próximos eventos de vinhos portugueses… e conhecer melhor as suas cervejas. Aparentemente, lá, nao há jogo de enólogos x cervejeiros, mas sim enólogos + cervejeiros.

T - Copos - Cervejas - PORT - Maldita O'Phelia Stout, Barley Wine Pilsen (Divulgação)

 


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