As uvas ocultas

[20 out 2017 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Um dos hábitos que o aumento do consumo do vinho nos trouxe é a curiosidade do consumidor em relação às uvas. Hábito bom, saudável, educador, por mais erudito que possa parecer. Não há nada de enochato nisso e as tendências das escolhas levam a indústria a dois caminhos. Um, o de seguir o gosto do público. Ou outro, de buscar ofertas excitantes.

 

Uma dessas novas tendências nos traz fórmulas novas a partir de receitas antigas – são as uvas que provamos mas não percebemos, em bebidas conhecidas por um, adoradas por outros, mas familiares a todos: os aperitivos, como o jerez do início do almoço até os conhaques do fim do jantar.

 

Essa constatação é importante por causa da procura cada vez maior do vinho de fruta fresca, com pouca intervenção de madeiras e mais preservação de sensações antes ocultas, como os aromas, a acidez e a refrescância de cada uma delas. Enfim, mostram o que é que cada uva tem.

 

No frescor de um dos vinhos brancos da desértica Falernia, a uva pedro ximenez (Foto Pedro Mello e Souza)

No frescor de um dos vinhos brancos da desértica Falernia, a uva pedro ximenez, de frescor explícito após séculos de papel secundário na terra do jerez (Foto Pedro Mello e Souza)

Vamos começar pelo exemplo mais dramático, o do conhaque, a bebida, de Cognac, a região. O corte elegante de cada trago da bebida, que balança com tanta nobreza em seu copo arredondado, que balançamos com a autoridade de um Winston Churchill, é composto por uma série de uvas das quais duas já são velhas conhecidas dos produtores de vinhos de mesa.

 

Uma dessas uvas é a colombard, que, se não é selecionada para a destilação, proporciona vinhos ligeiros, fáceis, de boa acidez e, melhor de tudo, baratos. Americanos, australianos e sul-africanos já testam os resultados da casta em seus solos. Um dos resultados é o Kumala, que a Inovini importa da África do Sul (R$ 63, na Emporio.com)

 

Outra dessas uvas é a ugni blanc, que já foi, por conta do conhaque, uma das uvas mais plantadas do mundo. É a versão francesa da italiana trebbiano e, longe dos alambiques, é usada no preparo de espumantes para ajudar a encarar os calores do Languedoc. Ou os do sul de Bordeaux, como no caso da Veuve Alban (R$ 60, no site Rua do Alecrim), seco, alegre e original o suficiente para abrir a carta de vinhos de restaurantes finos como o Oro.

 

Se África do Sul e sul da França são áreas tão distintas para se testar o comportamento da uva, podemos dar um terceiro exemplo, este, bem doméstico, o Ugni Blanc Aurora (R$ 20, na Adega do Vinho). Como os demais, fácil de beber, refrescante, quase refrigerante.

 

Os vinhos de Jerez de la Frontera, no sul desértico da Espanha, podem não ser tão caros quanto os conhaques mais finos. Mas estão, definitivamente, no sorriso de quem conhece as suas nuances, seus cortes secos, que fizeram a sua fama como principais companheiros dos tapas sevilhanos.

 

Mas há um deles, o tipo PX, à base da uva pedro ximenez, que é reduzido até um ponto próximo ao de um xarope escuro, daqueles que se derramam com preguiça que exigiria até a intervenção de uma colher de chá. Com tudo isso, quem vai reconhecer a uva por trás da iguaria? A solução vem de outra região desértica, do norte do Chile, onde a vinícola Falernia usa a uva para fazer um dos vinhos brancos mais surpreendentes do momento. Ao contrário do original andaluz, tem uma cor claríssima – citrina, como preferem os críticos – e com a leveza de uma água mineral, ou seja, nada que se espera de um solo duro, árido, agreste.

 

Poderíamos ir longe nesses novos exemplos. Somente os vinhos produzidos com os paladares das uvas do Douro, antes que se transformassem nos vinhos do Porto, dariam um livro bem divertido. Ou, se resumirmos, uma coluna à parte, que vai mostrar que a experiência, de fato, segue o gosto do publico. E é bem excitante.

 

 


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