“A Christmas Carol”. No Brasil, “Contos de Natal”, um dos títulos famosos de Charles Dickens, que a minha geração conhece mais por David Copperfiels e pelo dilacerante Oliver Twist. É um conto meio baixo astral, com a lição de moral sobre o avarento e velhaco Ebenezes Scrooge, que, mal saberia o escritor inglês, viria a influenciar um dos personagens – este, sem moral nenhuma – dos últimos 60 anos, o Tio Patinhas. Ou, em inglês Scrooge McDuck.
Mas Dickens, indisciplinado que era com as finanças, tinha de bolar umas coisas diferentes para o jornal que escrevia, para garantir, além de seu sustento, o custo de uma de suas manias, os vinhos. No próprio cenário do conto, as correntes do fantasma da história se arrastam sobre a adega do negociante de vinhos – “mesmo os barris parecem ecoar de forma própria”, descreve, com a familiaridade de quem tinha o seu próprio canto de garrafas.
Em maio de 2017, foi revelado um inventário com os rótulos da adega de Dickens, realizada logo após a sua morte, em 1870, quando já tinha uma situação mais confortável e uma garrafeira mais bem recheada. Muito Bordeaux. Uma caixa de Château d’Issan e seis de Brane-Mouton, futuro Mouton-Rothschild. Mais três de Margaux e cinco de Léonville, fora um ou outro Lafite. O cara bebia bem.
Curiosamente, nenhum champanhe, que demonstrou admirar em “Conto das Duas Cidades” – Paris, uma delas, mas durante a Revolução Francesa. Em um trecho, dá seu diagnóstico: Champanhe é um dos grandes extras da vida. Mas ficou por isso. No sombrio “Contos de Natal”, nem uma palavra sobre uma borbulha ou o espocar de uma rolha.
Tanto em autores como Dickens quanto em crônicas de historiadores, tento identificar, para trazer ao leitor, os antigos hábitos de celebrações que sempre nos pareceram eternas. Brindavam o Natal com champanhes? Pouco provável. Convenhamos que, na Londres de Dickens, um espumante festivo, no mais profundo solstício de inverno, era menos adequado do que um tinto austero para acompanhar a ceia, que acontecia depois da missa – os brindes finais e os votos de boas festas eram regados a vinhos do porto.
Aqui no Brasil, as celebrações com champanhe, na época do escritor, eram mais tímidas e, ao que parece, muito voltada a lançamentos de barcos – ou ao naufrágio de governos. No Baile da Ilha Fiscal, que aconteceu 19 anos depois do enterro de Dickens, relacionam-se o generoso Lacryma Christi e, em um serviço de 32 vinhos, apenas três rótulos de champanhe: Clicquot, Heidsieck Monopol e Louis Roederer.
Mas a conta de Natal de um Dickens no fim da vida, já abastado, era bem mais modesta do que a que temos hoje. Mesmo longe da avareza de seus personagens de Natal, ele fazia bons negócios com seu dealer de vinhos, de forma a nos influenciar em nossa conta de fim de ano. Aqui, não encontramos champanhes por menos de 300 reais. Se a situação permitir a audácia, a importadora Belle Cave oferece um rótulo que pouco se vê por aqui: o Louise Brison Rosé, de cor fechada, manto e paladar elegantes: R$ 336 a ampola.
Entre os espumantes de pura celebração, temos o Prosecco Luna Argenta, o cava Juvé y Camps, o Lambrusco Concerto Reggiano e o Clima Prosecco Brut. Reparem que só citei espumantes sobre os quais recaem preconceitos: cava, lambrusco, prosecos, que se mostram tão festivos e alegres, e tão avesso às averezas que precisamos enxaguar em tempos de renovação e de renascimento. Dickens gostaria desse conto de Natal.