Gastronomik

[30 abr 2011 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Gastronomik: Alice e o coelho assado, no conceito da fotógrafa Danièla Jérémijévic

 

Fotógrafa francesa reinventa o livro de receitas

Pedro Mello e Souza

 

Publicado no Caderno ELA, do jornal O Globo, em 30 de abril de 2011

 

Fetiche, transgressão, mitos, feminismo e um toque de erotismo chique são elementos incomuns em um livro de cozinha. Mas eis que surge a fotógrafa francesa de moda Danièla Jérémijévic, que combinou todos esses ingredientes e os transformou em retratos inéditos das criações de 20 dos mais badalados chefs da nova guarda francesa. E os reuniu no livro Gastronomik – recettes toquées (Editora Apoteoz, 176 páginas, 40 euros), um misto de livro de arte e de receitas.

 

Uma das capas do livro mostra uma Eva de cabelos esvoaçantes, prestes a abocanhar uma maçã. Não uma maçã qualquer, mas a pomme d’amour de Camille Lescecq, do restaurante Le Meurice, em Paris, eleito Confeiteiro do Ano 2010. Essa introdução ditou o ritmo da obra, que conta com duplas como Alice, que janta o coelho branco de sua viagem lisérgica; com Cinderela que devora a abóbora da carruagem; com Branca de Neve, que degusta um dos passarinhos – com foie gras, bien sûr – do seu famoso piquenique da versão Disney.

 

Modelos deslumbrantes, ângulos sensuais, visuais retrôs e cores vibrantes já faziam parte do trabalho de Danièla Jérémijévic, uma fotógrafa de moda e de publicidade, que já tem um livro publicado sobre os bastidores do Moulin Rouge. Os mesmos efeitos foram aplicados nas imagens de Gastronomik, que foi lançado com exposição das fotos em uma galeria de arte contemporânea em Paris. “É uma fusão de memórias dos personagens da minha infância e dos elementos de cozinha que fizeram parte da minha vida”, resume Danièla.

 

Todas as entidades retratadas pela fotógrafa são femininas. Mas somente duas mulheres estão entre o time de chefs convocados para a elaboração das receitas. Uma delas é Christelle Brua, medalhada confeiteira do restaurante Pré Catelan (o de lá), que assinou uma gelatina de kiwi para compor a foto com a deusa Shiva.

 

A religião também esteve na pauta de ousadias de Danièla, que dedicou três receitas a personalidades bíblicas, além da maçã de Eva. Uma é Salomé, que posou com uma “tête de veau” (cabeça de vitela) de Julien Duboué, do bistrô Afaria. Outra é Sherazade, em dueto com o mil-folhas de Carl Marletti. A terceira é ninguém menos do que a Virgem Maria, homenageada com o éclair de Christophe Michalak, do Plaza Athenée, um dos gênios da confeitaria atual.

 

 

Mas a criatividade do Gastronomik foi além das fotos. A forma de descrever as receitas quebrou o tradicional do passo-a-passo e invadiu as narrativas de cada tema. É o caso da receita do coelho de Alice. Ali, os ingredientes e as etapas do preparo são incorporados ao texto original do autor, Lewis Carol, pelo chef Stéphane Jego, do restaurante Chez l’Ami Louis. “Não costumo participar de livros de receitas, mas o trabalho de Danièla tem um desprendimento semelhante ao meu”, declarou.

 

Vênus e a vieira, Joana d’Arc e um lagostim flambado, Scarlett O’Hara com um chapéu de pêssego melba, Cleópatra com uma granité de morangos e Barbarella com sua torta de limões completam o painel criativo – e gustativo – de Danièla Jérémijévic.

 

 

 


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