Aroma, história e muita festa em torno de um ícone dos bares
(Publicada na revista Vogue, em outubro de 2010)
Pedro de Mello e Souza
Uma parte de sumo de limão, duas partes de pisco, a clara de um ovo, xarope de açúcar, gelo e duas ou três gotas de angostura. Esses são os ingredientes da receita oficial do pisco sour, a bebida nacional do Peru, um orgulho nacional que o país celebra com festas, encontros, estudos e até uma data nacional: o primeiro sábado de fevereiro. Em julho, nova festa, dessa vez, a do próprio pisco, uma finíssima aguardente de uvas antigas, que é degustada com a mesma seriedade que se dedica a um grande conhaque. E que substitui o vinho até em encontros diplomáticos.
“É um produto de bandeira, um símbolo tão importante quando nossa bandeira”, revela Margarita Pinto, há 28 anos no Brasil. Em seu restaurante, o Intihuasi (“casa do sol”), ela oferece não somente as opções de rótulos do pisco, mas também as suas variedades mais finas ou aromáticas, como o puro, o acholado, o italia e o mosto verde. “Uma técnica bem nossa é molhar a ponta do dedo mindinho no pisco e esfregá-lo nas costas das mãos para liberar o aroma do pisco”, explica Margarita, que ainda indica os coquetéis mais ácidos para acompanhar pratos como o ceviche ou os piscos mais puros para harmonizar com o chocolate.
Clássicos e variações
A versatilidade do pisco está também no copo. O barman Tiago Bezerril, do restaurante Killa, apostou no pisco para compor uma variação binacional da caipirinha. “Troco a cachaça pelo pisco, mas espremo o limão inteiro, para compensar as diferenças aromáticas”, diz Tiago, que usa seis rótulos diferentes de pisco no bar da casa, inclusive alguns macerados com folhas e frutas, no melhor estilo das vodcas modernas, com morango, amora e atá folhas de coca – infensivas, diga-se de passagem.
Os coquetéis à base de pisco estão entre os mais famosos do mundo. Instituições como a American Bartender Association relaciona o pisco sour e o pisco punch entre o clássicos como o martini e o bloody mary. Uma das alunas da instituição, a carioca Lena Jennings, levou ao Baretto Londra, no Hotel Fasano, a fórmula clássica do pisco sour e algumas de suas variações, entre elas o pisco sunrise, uma combinação de pisco, soda limonada, sour mix e licor granadine.
Origens e discussões
Tudo começou há 500 anos, com a chegada do cultivo da vinha no Peru, no rastro dos conquistadores espanhóis. As primeiras uvas chegaram das Ilhas Canárias e foram usadas na produção dos vinhos litúrgicos e da aguardente fina. O nome já existia, segundo as lendas locais, e estaria no sonho de um de seus líderes, que passava as tardes meditando e contemplando a revoada de pássaros rumo ao oceano. Esses pássaros eram conhecidos como “pishqus”.
O local exato dessa origem vem gerando discussóes internacionais em torno do pisco, entre chilenos, que consideram a denominação genérica, e peruanos, que reivindicam as origens e a geografia como provas da autenticidade. “O pisco é uma bebida de origem peruana desde a época da colonização espanhola”, explica o expert Guillermo Lago, que baseou-se na experiência de sua família no ramo da bebida para a tese de seu MBA pela Coppead, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Pisco é uma região a 300 quilômetros ao sul de Lima – e ali começou a produção da bebida”, sentencia o executivo, que sonha em trazer o seu pisco para o Brasil.