Não me levem a malga…

 

Dia desses, de volta de Portugal, o Oscar Daudt, caríssimo companheiro de degustações, lançou a questão: o que é uma malga? “Tijela ou prato fundo de louça, em que se toma caldo ou sopa”, dizem os dicionários. Mas a resposta a Oscar foi outra: ele ganhou duas de presente, antes de vir, mas o instinto o deixou curioso a ponto de transformar o tema em fórum. Dei a minha resposta, que, com a licença dele, reproduzo agora. Nas ilustrações, as malgas de arte que minha mãe faz à mão.

 

Mestre Oscar,

 

Quando era ainda miúdo, morando em Lisboa, a palavra “malga” não era de uso corriqueiro, mas também não era incomum.

 

Tornou-se freqüente na leitura de Eça de Queiroz – ele próprio do norte de Portugal – e no rastro do trabalho que meu pai faz a respeito do escritor.

 

Nas intermináveis comilanças autobiográficas, Eça destacava com insistência uma entre dezenas de outras iguarias freqüentes: os caldos.

 

“Sorria com seus dentes amarelados. O caldo que Joana deitava na malga branca, com um vapor cheiroso, cheio de hortaliça, dava-lhe uma alegria gulosa”, citava o autor em “O Primo Basílio”.

 

O formato da malga é a mesma do “bol” francês, em que tomava, já na adolescência em Paris, desde sopas até – mais comum – café au lait.

 

Sempre com as duas mãos.

 

Mas a malga de Eça, ao longo de sua obra, nos traz também outras expressões deliciosas, como “terrinas de caldos de galinha gorda”. Ou ainda a “côdea de pâo”, que dava ao próprio caldo a aparência de “prato morgado”, esse já no “Crime do Padre Amaro”.

 

Outra palavra comum, sempre ligada aos caldos: “rescender”, tomar o ambiente a cheirar bem. “Depois, desconfiado, provou o caldo que era de galinha e rescendia”. Curiosamente, a mesma frase está em duas obras, “A cidade e as serras” e “A tragédia da Rua das Flores”.

 

Esse é o Eça, esparramando o sabor do gênio em nossas malgas vazias.