Que os enólogos não se aborreçam comigo, mas é muito mais fácil obter retrogosto de uma uva no copo do que de qualquer outro ingrediente no prato – (alho não é retrogosto). Até onde eu sei, não há grandes vinhedos na Bolívia. Mas há retrogosto vindo de lá, e sem qualquer interferência de temperos e refogados severos.
Já tinha essa questão fechada na memória do meu paladar quando experimentei, em meados de 2004, as experiências de Checho Gonzalez.
Ainda lembro do cardápio que elaborou na época, em parceria com a Marina Tasakhi, no recém-inaugurado Benkei. Eram nages em caldos delicadíssimos, rudimentos dos ceviches modernos e pequenas poesias sobre o tema da fusão que ainda estariam por se revelar nas mãos de um Alex ou de uma Roberta.
Resgatei essa experiência nessa semana, quando voltei a reencontrar o Checho em uma degustação para a imprensa no restaurante Mok, no Leblon.
A semelhança do que senti há anos – e, depois, há dias – foi nítida e a lição que me ficou foi de que certas personalidades, cientes que são do seu talento, não se preocupam tanto em evoluir, mas em aprimorar, em deixar o seu gosto. Ou seu retrogosto.
A textura dos peixes, o ponto das carnes, o aveludado das raízes, a interação entre as essências e a estrutura das especiarias era a mesma – mas ainda mais refinada e, como dantes, reverente aos sabores originais. No resultado, a façanha de uma seqüência longa, persistente e elegante, como convém ao retrogosto digno das mais exigentes adegas.
Lamento que a passagem de Checho pelo Mok seja curta e se encerre nesse domingo. Mas, com a licença dos arautos urbanos, agosto não se discute – e nos resta a expectativa da próxima estação dele por aqui, não importa o mês.
Até para que cultivemos um pouco do orgulho patriótico à mesa ao constatar que, por mais boliviano que seja, ele é um dos expoentes brasileiros mais importantes da realidade gastronômica desse hemisfério. E isso, poucos enólogos conseguem.
O que teremos até lá:
Trio de ostras com vinagrete de nirá e canela, com brotos e bacon confitado e com echalotas em vinagre (R$ 22)
Ceviche de robalo ao ají, em salsa de jitomate com mote de milho e crocantes de batata baroa, gomos de tangerina, hortelã chafonada e pimenta rosa (R$ 25)
Ceviche morno de camarões e cogumelos em capim-limão com salsa de milho verde em brotos de rabanete (R$ 27)
Atum em gergelim sobre salteado de mangas em shissô com calda de leite de coco (R$ 46)
Anticuchos de cordeiro temperados com ají e sevidos em espetos de cana de açúcar sobre creme de batata doce e vinagrete de nirá (R$ 58)
Bananas carameladas com açafrão e creme de coco (R$ 18)
Mok Sakebar
Rua Dias Ferreira 78
Leblon, Rio de Janeiro
Reservas: (21) 2512-6526