A rotina de lições e prazeres que fazem do vinho uma grande viagem
“O Porto é uma nação!”, bradou Pedro Branco. E é mesmo. A região já existia como personalidade política antes mesmo que alguém imaginasse a futura fundação da República Portuguesa. Pedro Mansilha Branco é nosso anfitrião. É um dos herdeiros da Quinta do Portal, uma das mais celebradas entre as novas vinícolas do Alto Douro, que carrega a história do vinho do porto no próprio sobrenome.
Afinal, foi por esforço do padre beneditino João de Mansilha que a região foi demarcada, em 1755, para tornar-se a primeira denominação de origem do mundo. Com um brinde patriótico Pedro Branco encerrava os três dias do melhor que se pode obter do chamado agro-turismo, cumprido à risca por um risonho grupo de jornalistas, sommeliers e proprietários de restaurantes do Rio e de São Paulo.
Para os mapas, era Celeirós, freguesia de Sabrosa, concelho de Vila Real. Coração do Douro. Para nós, era a Casa das Pipas, a pousada da vinícola Quinta do Portal, nova em folha, inaugurada dias antes da chegada de nosso grupo. Um ano depois, a propriedade já estaria na revista Forbes, no topo do ranking dos mais importantes destinos do enoturismo.
A pousada conta com todos os recursos de uma arquitetura européia moderna, mas respeitosa com os restos da adega do século XIX, sobre a qual foi erguida. Os dez quartos de decoração simples cercam dois andares de salões amplos, que combinam um projeto moderno, explorando objetos arqueológicos da vinicultura da região com a vanguarda intimista e minimalista da hotelaria européia.
A aventura eno-cultural inicia-se se às 9 horas, logo após o café da manhã. O grupo se divide entre os bancos e caçambas de jipes e picapes Land Rover e parte, em caravana, para visitar as três propriedades que integram a vinícola.
No caminho entre cada uma delas, separadas pelo Rio Pinhão, a primeira aula: desenhadas de alto a baixo pelas rias e varandas paralelas onde florescem as vinhas, as encostas íngremes, quase verticais, exibem um grafismo estonteante.
Cada uma delas foi erguida e mantida ao longo de mais de 2 mil anos de vinicultura na região, tornando o vale do Douro a maior escultura já feita pelo homem.
Duas horas depois, o grupo está de volta. Sem tempo para escalas nos quartos, seguiram todos para o salão do café da manhã, que fora remodelado para a primeira degustação do dia. Com a orientação do enólogo da casa, inicia-se a aula prática sobre vinho do porto, com prova de seis diferentes tipos e safras.
Depois, com seis doses na cabeça, todos partem para o restaurante, montado dentro da quinta e já com exigência de bom prazo para as reservas. Antes de comer, uma parada no bar para degustar três tipos de vinhos brancos. Sopas de nabiças e couve-penca, pernil de cordeiro, salada e sobremesas portuguesas. Para cada prato, um vinho tinto diferente.
Ás 15 horas, uns estão esgazeados, outros simplesmente arrasados. Pausa para aquela deitadinha básica que completa a digestão, certo? Errado. O autocarro (ônibus) está à espera. E lá se vão todos para Peso da Régua, pequena no tamanho, grande na história do vinho do porto. Um passeio pelo Douro nos aguardava.
Um dos participantes do grupo, Carlos Cabral, estudioso brasileiro, autor do primeiro dicionário dos vinhos do Douro, assumiu as explicações. Sabe muito. Os guias calavam-se diante dele e da evidência de que os brasileiros interessam-se mais pela gastronomia portuguesa do que os próprios portugueses. Não por dedicação, mas por admiração.
Às 19 horas, retorno à Casa das Pipas. Ninguém reagiu ao ver a mesa do café montada para nova degustação. O vigor que os novos vinhos trouxeram ao grupo estão entre os mistérios que nenhum dos envolvidos investigou. No fim da prova, lá estava o autocarro, pronto para nos levar de volta ao restaurante.
Aperitivos brancos, um caldo verde, um leitãozinho, bacalhau, salada, sobremesas de ovos. Vinhos da reserva, varietais de touriga nacional e um porto diferente em cada sobremesa. E nesse ritmo, com degustações, almoços, jantares e passeios, sobreviveu-se entre o prazer das descobertas e o desconforto das despedidas.
Por isso, ninguém hesitou em brindar com Pedro Branco. Afinal, o Porto provou que é uma nação.
Belo texto, Pedro. Vc soh nao confessou as sonecas que “a mocada” tirava no autocarro! Mas as vinhas do Douro, escalando aqueles degraus de pedra, entre azeitonas e rosas, parece uma paisagem biblica. E me fez lembrar do Eca de Queiroz que dizia que “todo vinho tinto, se pudesse, seria do Porto!”
Esplêndidas observações, Reinaldo!
Ola. Bela descoberta de um texto de talento. E pena eu ja não ter sufeciente para escrever assim o português. Cumprimentos.
Também apaixonado pelo Douro e os vinhos, de mesmo que pelas quintas, de preferência portuguesas, como a Q. do Portal, que tanto gosto, da qual falo muito, para mais de ter vendido os vinhos em França, para mais de a meter sempre em frente, continuo então a seguir tudo isso com Facebook, Paulo Coutinho, os amigos da QP, etc, etc, desde que o tempo permite.
Obrigado então por este momento de leitura sobre QP e Pedro Mansilha Branco, pedindo autorização para traduzir em francês, desde que terei tempo.
Saude e felicidades.
Antoine PINTO
Lyon França