A prova de Adrià

[2 fev 2012 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Ferran Adrià em ação no El Bulli (Fotos: Francesc Guillamet)

 

(Planejei essa entrevista em 2006. Como quem não quer nada, passei um email pra assessoria do chef, achando, quem sabe, um dia, poderiam responder aquele jornalista desconhecido do Rio de Janeiro. Tolinho, eu. Em minutos, veio a resposta, já com hora marcada, para a entrevista por telefone, na conexão direta com a sede do antigo restaurante, em Roces. Corremos, eu e Paulo Roberto Matta, atrás de perguntas de quem sabe: Alex Atala, Roberta Sudbrack, Flávia Quaresma e Claude Troisgros. E agitamos, eu e Eduardo Matta, um aparato para gravar a entrevista. Ligamos para o número combinado. Ele mesmo atendeu. A assessoria garantiu 15 minutos. Mas o papo foi longe e durou mais de uma hora. O resultado, publicado na primeira edição da revista EatinOut, de 2007, reproduzo abaixo.)

 

Tímbalo gelado de damasco e toffee de amaretto com espuma de amêndoas

Ferran Adrià já provou de tudo. Primeiro, o sabor amargo das reações às experiências em sua cozinha. Depois, provou o doce sabor da fama, com as estrelas do Michelin e o bi-campeonato do ranking da revista inglesa Restaurant. E agora, experimenta o sabor complexo da curiosidade dos chefs brasileiros. Para essa degustação intelectual, reunimos Claude Troigros, Alex Atala, Roberta Sudbrack e Flávia Quaresma, que elaboraram uma série de perguntas ao polêmico chef catalão. Enquanto se preparava para a abertura da temporada 2007, que já tem reservas esgotadas, Adrià revelou sua admiração pelos jovens chefs, da expectativa que tem por conhecer cozinhas internacionais (inclusive a brasileira) e das bases filosóficas de sua culinária, cujo sucesso atribui à equipe que comanda, sem assumir a sua condição de ídolo do momento.

 

Polenta gelada

ALEX ATALA, chef proprietário do D.O.M. (São Paulo)

 

ATALA: A Espanha é hoje o maior centro gastronômico do mundo e o senhor é o líder, o chef de maior destaque. Conte-nos um pouco sobre os anos que precederam a explosão gastronômica espanhola e como isso influenciou seu estilo.

ADRIÀ: Entre os anos 90 e 95, surgiram as técnicas da cozinha da nova geração. Não houve uma guerra com as gerações antigas, mas houve uma grande ruptura em direção a uma cozinha que, na realidade, não sabemos exatamente como se chama. É uma cozinha de técnicas, que tivemos condições de absorver e aproveitar. Há quem diga que todos copiam a mim. Mentira. O que acontece é que todos se aproveitam dos resultados dessa ruptura.

 

ATALA: Sua liberdade é total? Sua relação cotidiana com Juli Soler, Oriol Castro, o seu irmão Albert e o Luiz Garcia, além da equipe do Taller, envolve reuniões e brainstormings?

ADRIÀ: Toda a nossa relação é baseada em diálogos e muita seriedade. Somos uma grande família e discutimos juntos os problemas e as soluções. Assim, ficamos sempre de acordo, pois antes de mais nada o restaurante é o sustento de várias famílias e muita gente depende dele.

 

Tagliatelle de consomé a la carbonara

CLAUDE TROISGROS – Dono do restaurante Olympe.

 

TROISGROS: Hoje, você é a principal influência para a nova geração de chefes de cozinha do mundo. Como convive com isto?

ADRIÀ: Antes de mais nada, procuro não influenciar ninguém. Sou amante dos jovens, pois eles abrem caminhos e quero que sejam melhores do que eu. Meu sonho é que, em dez anos, eles façam mais revoluções do que está se fazendo agora. Mas eles devem ter muita paciência. Uma boa carreira começa com pelo menos dez anos de experiência. Não se pode passar na escola de hotelaria e querer ser chefe em três ou quatro anos. Eles são ansiosos, mas a culpa não é deles.

 

TROISGROS: O senhor acredita que esteja havendo um retorno às origens da cozinha, rumo a uma culinária mais autêntica?

ADRIÀ: Não. São “tonterías” (bobagens). Tudo é evolução, pois ninguém pode fazer hoje a cozinha de Carême. Escoffier fez diferente de Carême. E a nouvelle cuisine fez diferente de Escoffier. Não vejo motivos para voltarmos para 1750 mas temos que fazer a diferença entre a alta cozinha e a cozinha regional. Essa vai sempre existir e sempre terá clientes, pois a cozinha tradicional é como a comida de casa. Afinal, o gosto pelo tradicional não deixa de ser um vínculo com o ambiente.

 

Pirulito de chocolate branco e bala de limão e café

ROBERTA SUDBRACK, chef proprietária do restaurante Roberta Sudbrack (RJ)

 

ROBERTA: Em sua opinião, qual é a primeira emoção que um prato deve despertar em alguém?

ADRIÀ: O gosto. Podemos pensar em uma série de sentidos e partir para um raciocínio intelectual mas o fato é que a pessoa tem que gostar. Pode parecer simples, mas existem coisas boas que muita gente não gosta e coisas ruins de que muitos gostam.

 

ROBERTA: E a última?

ADRIÀ: Atingir algo mágico, que misture emoção e sensibilidade. Assim, fazemos a diferença entre a boa comida e a cozinha que encanta. Ou, como dizemos, “que tiene duende”. É como acontece com os filmes. Existem os bons filmes mas existem aqueles que emocionam.

 

ROBERTA: Você leva sempre isso em consideração no seu processo de criação? Acha possível?

ADRIÀ: É o que tentamos. Uma das questões de nossa cozinha é sempre preparar algo que gere emoção. A cozinha é uma linguagem através da qual é possível expressar harmonia, criatividade, felicidade, beleza, poesia, complexidade, magia, humor e provocação.

 

Crocante Gaudi

FLÁVIA QUARESMA, chef proprietária do restaurante Carême (hoje, encerrado)

 

FLÁVIA: Qual o roteiro mais recente durantes suas últimas férias?

ADRIÀ: Visitei muitos restaurantes de Nova York, outros na França e na Alemanha, todos eles de chefes jovens. Em Sydney, experimentei uma cozinha de grande sensibilidade. Mas as técnicas e as filosofias são parecidas. As diferenças são pessoais.

 

FLÁVIA: Como encara a briga pelas estrelas do Michelin? Elas ainda valem tanto desgaste?

ADRIÀ: As estrelas do Michelin são o prêmio maior da cozinha mundial. Em termos de prêmio mundial, é importante, claro. Nos faz felizes (risos). É uma conquista muito difícil mas não é um prêmio impossível e, por outro lado, conheço muitos chefes sem qualquer estrela e que são tão felizes quanto eu.

 

FLÁVIA: Quando vem ao Brasil?

ADRIÀ: Por mim, iria imediatamente. Tenho amigos no Brasil e um grande interesse em sua gastronomia. Mas, no fim do ano, devo iniciar um giro mundial para a divulgação do novo livro e pretendo incluir o Brasil.

 

A versão do chef para a sopa de letrinhas...

 


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