Um destino para quem quer degustar todos os aromas de uma metrópole liberal.
Bruno Agostini
Na primavera holandesa crescem flores e ervas para a alegria de chefs de cozinha e outros apreciadores mais específicos. As plantas colorem e perfumam Amsterdam, e com seus pratos, servidos nos restaurantes da cidade. Fazem a cabeça dos turistas, que encontram no país uma gastronomia que cruza influências germânicas com as nórdicas. E encantam os gourmets, trazendo muitos elementos asiáticos, resultado da tradição da Holanda em sua rota da Companhia das Índias e das trocas comerciais e da colonização da Indonésia. É uma cozinha rica.
Mas a verdade é que muito se fala nos enfumaçados cafés da cidade, mas pouco nos seus restaurantes, injustamente. Eles são complementares. Os cafés de Amsterdam servem para abrir o apetite, se é que vocês me entendem, transportando a cidade holandesa em uma mítica capital da larica. Um dos itens mais cultuados para matar a fome de forma barata e ligeira é o croquete da rede Febo, espalhada por toda a cidade. Tem recheio cremoso e com sabor de carne, um toque apimentado e uma adorável casquinha crocante. É vendido em uma dezena de sabores, por apenas um euro. É um croquete psicodélico, que se derrete na boca. Os salgados ficam expostos em vitrines, uma espécie de gavetinha que o próprio cliente abre.
Há uma oferta preciosa de bons lugares para se comer na cidade. De casas com estrelas Michelin a barraquinhas de rua onde é possível comprar arenques formidáveis, de legítimas culinárias asiáticas a parrillas argentinas de caráter duvidoso – às casas de assados dos hermanos, aliás, são uma febre na cidade: na área central, em qualquer esquina tem um “argentijns restaurant”.
Assim como é preciso visitar o Museu Van Gogh, bater pernas pelo bairro da Luz Vermelha, fotografar os canais e beber uma cerveja local, não se pode visitar Amsterdam sem parar ao menos uma vez numa das barraquinhas de rua que vendem sanduíches de arenque, enriquecidos com cebola e picles, um vício nacional na Holanda. O peixe é pequeno, do mesmo comprimento de uma salsicha. Talvez por isso o pão usado para acomodar o arenque seja do tipo “cachorro-quente”. O “dutch haring” pode ser servido cru, defumado ou marinado, mas a versão in natura é a mais apreciada pelos locais. Quer um lugar certeiro para fisgar esses peixes se sentindo um morador de Amsterdam? A Stubbe’s Haring, que prepara outras delícias frias com salmão, camarão e outros pescados.
Inebriado, entrei no salão do restaurante De Roode Leeuw, endereço clássico da cidade, a poucos passos da Praça Dam. O salão classudo tem bastante madeira e a decoração é um festival de vermelho, que aparece em carpetes e na forração das cadeiras. Depois de uma cerveja para limpar a boca, pedi novamente um arenque fora de série, servido com um creminho de beterraba, saladinha e pão preto. Para acompanhar, um destilado local feito com cereais e perfumado com zimbro, o jenever, parente do gim inglês, e melhor companhia para peixes marinados ou defumados do gênero. Aumentou o meu barato consideravelmente.
Numa linda tarde primaveril, bati pernas pelo bairro da Luz Vermelha, achando muita graça dos turistas tímidos que ficam admirados e envergonhados ao ver as meninas em trajes sumários. Parei para clarear as ideias na Bulldog original, a primeira loja dessa rede de coffee shops a ser inaugurada, e depois subi até o bairro chinês. Pendurados nas vitrines de cabeça para baixo, os patos de Pequim me chamavam para devorá-los. No fim, não resisti à indicação do guia Time Out, que classificou o New King como o melhor restaurante da cidade para “tarde da noite”, já que a casa não fecha antes da meia-noite. Uma ostra chegou à mesa sorrindo para mim, e eu retrubuí devorando o marisco, preparado com pimentas, temperos verdes frescos e um molho sensacional, ácido e cheio de sabor. Arrematei com panquequinhas de pato.
Muito bons são os restaurantes típicos e também os étnicos. Mas para perceber a grandeza dos ingredientes locais é melhor visitar endereços como o restaurante Bridges, no térreo do Sofitel, perfeita tradução da filosofia da rede francesa: usar técnicas patrióticas com ingredientes locais. Matéria-prima holandesa significa explorar peixes e frutos do mar pescados nas águas frias do mar do Norte, e colher ervas, flores e vegetais frescos. Desse modo e trazendo alguns elementos asiáticos, o chef apresenta receitas como vieiras em flor de sal e mousse de pepino com hortelã. O tartare de peixe vindo do “raw bar” estava fresco e foi cortado finamente, temperado com uma espécie de maionese caseira de wasabi, gergelim e uma ervinha típica do país, algo entre a sálvia e a rúcula. Um prato marcante foi o tamboril servido com mexilhões, favas, ervinhas, cogumelos e uma massinha tipo concha. Não se esqueça de pedir ao sommelier para harmonizar o cardápio, sugerindo a escolha de brancos holandeses, que podem surpreender.
Mas se o Sofitel tem uma, o Hotel Okura tem três estrelinhas Michelin a ostentar. Duas no Ciel Bleu, com vista fabulosa sobre a cidade, e o japonês Yamazato, que justifica a origem nipônica dessa rede de hotéis de luxo. O primeiro justifica o investimento pela combinação entre a cozinha primorosa com o serviço impecável e o ambiente elegante com um panorama raro de Amsterdam. De ficar na memória. Escolha o menu degustação, e deixe o chef montar pratos como ostras com gim, vieiras com espuma de frutas vermelhas e umas costeletas de cordeiro históricas.
O Yamazato não tem a vista do Ciel Bleu. Mas a felicidade ali segue uma fórmula muito simples. Chame o sommelier Fukue Homma e diga:
– Quero um menu degustação harmonizado com saquês.
Ele provavelmente abrirá um sorriso, advertindo que a bebida japonesa engana, tem teor alcoólico maior que o do vinho. Mas vai sugerir um percurso longo, uma sequência com uns dez pratos acompanhados de uns sete ou oito saquês. É algo estonteante. Seria inesquecível não fosse o THC… ou, melhor dizendo, o fermentado de arroz, que atua perfeitamente com delicados sushis e sashimis, tempuras, yakitoris e outras receitas executadas com precisão nipônica. Tudo é apresentado lindamente, como os rolinhos em forma de caracol (que susto), as flores comestíveis de cerejeira, a flor de lótus cortada em lâminas que revelam o formato de estrela, a louça bonita, os cortes precisos.
Além das citadas influências da Alemanha e dos países nórdicos há também um visível apreço por aspectos britânicos, o que se representa na ótima variedade de pubs, numa oferta comparável apenas aos países do Reino Unido. Nesses ambientes com paredes e mesas de madeira come-se fish‘n chips e são encontradas cervejas como Guinness – mas quase sempre as marcas locais também podem ser encontradas, como a Amstel e a Heineken. Um endereço curioso é o Louis Bar Café, da Damm, cujo tamanho é inversamente proporcional ao nome: trata-se do menor pub da cidade, com decoração cheia de elementos antigos, um bom chope e clientes assíduos que disputam os poucos lugares no balcão.
Amsterdam é uma deliciosa loucura.
(Bruno Agostini é jornalista, blogueiro, gourmet e… foi que foi)