Entendendo o português das denominações antigas dos novos cardápios de Lisboa
(Seqüência da matéria Lisboa Remix, publicada no Caderno ELA Gourmet, do jornal O Globo)
Aljezur (I.G.P.)
Da localidade do mesmo nome no litoral do litoral oeste do Algarve, denominação da variedade ‘lira’ de batata-doce, de tubérculos pequenos, menores do que um punho e de casca avermelhada. Por dentro, uma polpa amarela e macia, nem um pouco fibrosa, e de adocicado adorável que vem sendo usado na guarnição de frutos do mar. Há quem diga que a reconquista da região dos mouros, em 1294, deu-se pelo fortalecimento das tropas lusas com uma certa “feijoada de batata-doce”, embora o tubérculo tenha sido introduzido apenas após as Navegações, dois séculos depois. O texto do reconhecimento de sua Indicação Geográfica Protegida (IGP) foi publicado em dezembro de 1998.
Barrosã (D.O.P.)
Diz-se da carne de Barroso, uma das região em que o extremo norte de Portugal encontra a Galícia, integrando-a ao Minho e de Trás-os-Montes. Denomina um gado robusto, com provável origem de antigas castas mauritanas, que teriam chegado nas rotas exploratórias dos fenícios, quase dois mil séculos antes da formação de Portugal. A genética desta raça antiga não trouxe somente os chifres avantajados e vistosos ou o manto castanho de avelã que caracterizam seus touros, mas também uma carne de textura e suculência, de sabor fino e de paladar suave, que se revelam na grelha, em assados no forno ou em ensopados e estufados, como no caso das tripas à moda do Porto, já que a denominação abrange também os subcortes do gado. Na nomenclatura válida para o embalamento, o boi (ou ‘vaca’, como se refere a denominação,) é abatido com idade entre 3 e 4 anos. Antes disso, serão novilhos, entre 9 meses e 3 anos. Ou vitela, quando abatido entre 5 e 9 meses de idade. O reconhecimento oficial como DOP (Denominação de Origem Protegida) pela União Européia veio em 1996, após mais de 10 anos de ingerências e de severas obediências ao seu caderno de especificações.
Beldroegas
Portulaca halimoides. Do espanhol verdolaga. Hortaliça semelhante ao espinafre, ao qual substitui com especial charme saloio e um travo de amargo. É a base de esparregados e sopas, uma delas especialidade do inverno do Alentejo (Concelho de Arronches), servida com queijo de cabra em pedaços e ovos escalfados e acompanhamento de pão alentejano. No Egito, é conhecido como ‘regla’ (رجلة) e usado no preparo de um ensopado consistente, do mesmo nome.
Besugo
Equivalente que o pargo encontra nas costas lusitanas.
Cachaço
Diz-se do corte de carne localizado imediatamente atrás do pescoço, entre as paletas das rezes, especialmente as bovinas e as suínas. Proporciona textura finíssima sob o assado lento e cuidadoso.
Caiotas
Secchium edule. Ou, simplesmente, chuchu. A expressão é uma corruptela do espanhol chayote.
Canilhas
Bela variedade de búzio, de concha decorativa e carne de paladar finíssimo.
Cantaril
Helicolenus dactylopterus. Também conhecido como cantarilho ou boca negra. Peixe de rochedos e fundos arenosos, que lembra o salmonete pela cor avermelhada de suas escamas, embora pertença à família de espécies como a rascasse (obrigatória na bouillabaisse). No Brasil, seu parente próximo é o raro mangangá. É pequeno no tamanho (máximo de dois palmos), mas, no forno, responde grande.
Capelins
Peixinhos de rio que são empanados e fritos aos punhados, no melhor estilo das manjubinhas.
Carvão de choco
Modismo à base de chip de lula embebida em sua tinta e frita até esturricar. Lembra um mandiopã negro.
Chanquete
Pescadinhas mínimas, que se fritam aos punhados para o acompanhamento de açordas ou outros peixes maiores.
Escamudo
Diz-se do bacalhau do tipo saithe, quando fresco.
Escolar
Pequena variedade de atum dos Açores.
Estupeta
Conserva salgada de carne de rabada de atum. É melhor como petisco do que como ingrediente de pratos elaborados.
Galega
Variedade de ostra cultivada no norte de Portugal.
Langueirão
Esplêndida espécie de marisco, de concha em forma de navalha e carne que, quando cozida, lembra um aspargo.
Merdinha
Diz-se da carne de caranguejo que é misturada com creme de leite e servida em centro de mesa, para ser atacada com pão ou às colheradas.
Moxama
Também conhecido como “presunto de pescador”, é uma fatia cortado da prezadíssima carne da barriga do atum, depois de seca, tal como o faziam os mouros, que disseminaram a técnica no Algarve e na Andaluzia, onde é conhecido como mojama. O salgado delicado lembra mesmo um presunto cru e pouco remete ao travo de maresia de um peixe em conserva. Por isso, é usado tanto como petisco quanto em criações modernas, em que faz contraste com molhos e guarnições suaves, do gaspacho à batata.
Pato mudo
Espécie de pato selvagem de carne mais intensa do que a variedade doméstica. reconhecido nos cardápios internacionais como muscovy duck, tem o bico e máscara avermelhada e o corpo preto (branco nas fêmeas) e robusto, pesado e carnudo. É dito mudo por uma deficiência na traquéia, que o impede de grasnar. Hoje criado em cativeiro, vem se transformando em opção preferencial ao pato comum. É menos badalado no Brasil, onde é conhecido como pato-do-mato.
Patudo
Um dos novos tipos de atum que vêm dos Açores. Tem a carne mais fina, lisa e rosada.
Peixinhos da horta
Especialidade das entradas portuguesas que não envolvem peixes, mas vagens ou aspargos, que são empanados e fritos.
Pregado
Imensa variedade de linguado, de carne firme, fina, magra de muito saborosa. Na comunidade internacional, é conhecido como tourbot.
Ria Formosa
Braço de mar na região em que o Algarve beija a Espanha. É berço da flor de sal portuguesa e alguns de seus mais prezados mariscos, especialmente ostras e mexilhões.
Ruivo
Peixe de rocha de cor vermelha muito viva, de sabor fino como o de um robalo e uma simpática carinha de dragão.
Sado
Região costeira de Setúbal, no outro lado do Rio Tejo, de onde vêm algumas das ostras mais frescas da capital.
Xara
Dois significados: porco (no Alentejo) e certo tipo de cação.
Xaréu
Papa de milho doce, usado com o mesmo encanto de um purê de baroa.