O Guia da Gastronomia
Josimar Melo
Na semana passada, Alex Atala foi a estrela máxima da gastronomia brasileira, após a divulgação de uma votação promovida por uma revista inglesa. Mas um dos mais festejados do grupo do Brasil, que foi a Londres para o anúncio não recebeu prêmio nenhum. Foi o crítico de gastronomia da Folha de São Paulo, que tornou-se o chairman do corpo de jurados para a América do Sul. Desde que ele assumiu, a sua atuação valeu a entrada de vários restaurantes da região, especialmente os brasileiros, em uma lista antes restrita aos grandes chefs moleculares e aos medalhões de França, Estados Unidos e Sudeste Asiático.
Mas seu trabalho vai além: à frente do portal Basílico, Josimar Melo, 55 anos, é um pesquisador incansável. E chegou a dar a cara ao programa de tevê O Guia, exibido pela National Geographic, e autor dos guias anuais de restaurantes paulistas e brasileiros, editados pela DBA, que levam o seu nome. Sinônimo de idoneidade e rigor, Josimar é um dos avaliadores de restaurantes mais respeitados e temidos na área. Não raro, as cozinhas do Brasil, especialmente as da capital da gastronomia, estampam fotos suas nas paredes de azulejos, próximas à “boqueta” (de onde saem os pratos).
Se reconhecê-lo é, hoje, tarefa fácil para cozinheiros e garçons, o jornalista procura tomar todas as precauções necessárias para poder trabalhar no maior anonimato possível: nunca faz reservas em seu nome, não frequenta festas de restaurantes ou chefs, não abre mão de pagar a conta. “O atendimento pode até melhorar com a minha presença, mas, como só avalio a comida, não vejo problema nisso”, diz.
Ele considera impossível que haja alguma mudança significativa nos pratos por conta de sua aparição no salão. “Os três itens que observo para fazer uma crítica são: produtos, execução e criatividade. Coisas que não podem ser trocadas de uma hora para outra”, explica.
A entrevista que concedeu à repórter Roberta Malta, revela um homem direto, de respostas cortantes e humor afiado. Sem papas na língua, Josimar fala sobre suas preferências à mesa, o conservadorismo das estelas Michelin e o conceito de cozinha molecular.
Como vai seu fígado?
Bem passado.
Quantas idas a um restaurante para uma crítica precisa?
Quantas dêem para comer o máximo possível (num rodízio, pode ser uma só).
Quais as suas inspirações para “O Guia”.
Os outros programas: a idéia era ser diferente de todos. E a pegada que mais diferenciou foi introduzir elementos de ficção, fazer um documentário com pinceladas de dramaturgia.
Qual o próximo projeto?
Descansar um pouco desse… Antes de embarcar em outro programa de TV, ainda em segredo. E fazer rádio, se alguém me quiser.
Quais foram as primeiras experiências marcantes em um restaurante?
Comer sarapatel, quando criança, no restaurante do meu pai – e sair à calçada para fazer propaganda, convidando os passantes a comerem também (já era um comunicador!).
E as mais recentes?
Talvez comer comida amazônica no Peru, no restaurante El Bijao. Tudo tão diferente, mas tão familiar.
O que você evita?
Só comida ruim, de qualquer tipo. O resto vale tudo.
Alguma restrição alimentar?
Prato vazio.
E a “nouvelle cuisine”?
Foi bom. Deixou marcas.
E do mar?
Angulas, percebes, e sashimi de peixe “velho”, maturado.
A opinião sobre…
Ferran Adrià – É o futuro do presente.
Heston Blumenthal – Vem logo atrás.
Alain Ducasse – O empresário do gosto – e de bom gosto.
Robert Parker – Um grande nariz, com direito a ter seus gostos – o problema é a manada que vai atrás sem pensar.
Ruth Reichl – Não me atende, mas gosto dos textos dela mesmo assim.
Anthony Bourdain – É um grande contador de histórias e um grande apresentador (mais do que chef ou crítico).
Andrew Zimmern – Tem menos carisma.
Nigella – Tem carisma de sobra.
Jamie Oliver – Mau chef, grande apresentador e empreendedor.
Vinhos brasileiros – Não tem como ser pior. A boa notícia é que, diante disso, resolveram melhorar.
Foie gras – Dame dos.
Os novos caviares – Que venham, provavelmente serão os únicos possíveis de comer.
Cozinha molecular – Toda cozinha é molecular. Esta espanhola é sensacional, mas não sei se viaja bem.
Cordon bleu – Foi bom para “Sabrina”, mas ficou por lá.
Flores no prato – Desde que comestíveis, e com sabor pertinente à receita, está ótimo, como qualquer ingrediente.
Gastronomia carioca – Retomando seu espaço, embora não seja lá muito carioca.
Gastronomia paulistana – Reafirmando-se, embora não seja lá muito paulistana.
As estrelas do Michelin – Conservadoras, mas indispensáveis.
Pequenas e grandes preferências:
bolinho de bacalhau – crocante e com bacalhau.
o pastel perfeito – crocante e com recheio.
o hambúrguer ideal – mal passado.
o sorvete celestial – mais fruta e menos leite.
a fruta fundamental – manga.
o sanduíche sensual – tem moça que deve achar o cachorro-quente (pela salsicha), mas eu acho que é o pó boy sandwich de New Orleans – o de ostras.
o chocolate dos céus – o que derrete só com a respiração.
o maior dos doces – não gosto dos muito grandes.
o grande queijo – o que é contra a lei (não pasteurizado) – camembert, serra da estrela…
o conhaque final… – um Hennessy Paradis (nem é o mais caro deles).
… e seu charuto – com um Hoyo de Monterrey doble corona.
o belisco da infância – feijoada nordestina (com legumes) aos domingos.
o café da manhã dos sonhos – com Champagne.
o petisco quando assiste TV ou o futebol? – comida é coisa séria.
o que come quando dá insônia – bebo um drinque – Rivotril straight.
o que mais irrita em coquetéis? – não ter onde colocar o copo enquanto come o salgadinho e anota um telefone.
o programa de culinário que não perde – não vejo TV (só a trabalho), mas quando ligo ao acaso, vejo todos, gostando ou não.
Qual a cozinha do mundo que o conquistou em suas viagens?
A única que eu não conhecia, e me encantou, foi a turca.
What’s hot e what’s not na gastronomia?
Hot: recuperar cozinhas locais. Not: imitar o que quer que seja.
O que come sozinho em casa quando ninguém está vendo…?
O que eu sempre como: a minha comida (cada dia uma coisa).
Quem melhor come e quem melhor bebe no mundo?
Beber deve ser os franceses. Comer, talvez os japoneses.
Você tem fome de quê?
Comida boa – qualquer uma, mas boa.
Você tem sede de quê?
Bebida boa – qualquer uma.