Ícone absoluto da culinária brasileira, a feijoada é, por convenção nacional e consagração internacional, a carioca: um cozido de feijões pretos devidamente refogados, que recebe carnes e fumeiros como o paio, carne-seca, costela de porco, toucinho, língua e orelha defumadas e, às vezes, carne verde, de vaca. Acompanham obrigatoriamente o arroz branco, a couve mineira cortada em tiras muito finas e levemente refogada com alho, farofa simples ou de alho, torresmo e laranja-baía, que vai aplacar o ataque do último consorte, a pimenta malagueta.
A batida de limão é a sua bebida oficial, embora a caninha, a caipirinha e a cerveja façam uma corte mui digna. É um prato social, contemplativo (e estarrecedor, como bem descreve Câmara Cascudo) e que exige tempo hábil para convalescença dessa alegre penitência que, como todo o ritual religioso, tem dia certo para a sua liturgia: o sábado. Outras feijoadas acompanham esse modelo básico, embora variações do tipo de feijão admitam o manteiga ou o mulatinho na feijoada mineira e legumes e raízes na feijoada pernambucana.
Mas nada como a fórmula carioca, que mereceu tanto de Vinícius de Moraes, quanto de Chico Buarque e Carlos Drummond de Andrade versos tão saborosos e generosos quanto a própria receita. As origens da feijoada são cercadas de lendas, principalmente a que atribui sua origem às senzalas que a criaram a partir das “sobras” de porco da casa grande. Aceita passivamente por algumas décadas, essa tese não é mais levada em conta por qualquer bibliografia séria.
Primeiro pelos contrasensos básicos: o primeiro, a cozinha da casa grande não era farta e não admitia sobras – os desinformados falam nas aparas de porco, que a cultura lusitana jamais dispensou; o segundo, mesmo supondo as sobras de uma dezena ou pouco mais de pessoas, jamais enriqueceriam qualquer preparado para um contingente de pelo menos cem escravos, considerando-se um engenho menor.
Mais além, derrubando de vez a bela mas insensata versão, não há registro sólido de que o feijão – e, muito menos, o arroz – integrou a dieta dos escravos, composta, isso sim, por milho, mandioca e, principalmente suas farinhas com água, além de frutas do pomar especialmente liberado para prevenir as já então detectadas deficiências vitamínicas que expunham a força de trabalho a fraquezas e doenças. Há casos de inventários em que o rancho dos trabalhadores ganhava o feijão-fradinho, mas que não dava caldo.
Ainda além, os primeiros registros dos rudimentos da feijoada datam do fim do século 19, com a escravidão já extinta. Longe dos engenhos, nas cidades, estaria a origem do prato, na pobre alimentação dos trabalhadores e mascates, que tinham o feijão, a farinha e, eventualmente, o charque ou o toucinho como desjejum. Um dos testemunhos é de ninguém menos do que Charles Darwin, que guardou em seu diária da viagem do Beagle a atenção aos presos: “Morreriam à míngua, se seus familiares não levassem a sua ração diária de feijão preto, farinha e toucinho”.
mas que?algum local ca em portugal que se como disto assim? 😀