Foram duas visitas. Na primeira, em 2007, o mundo ainda estava mergulhado na Idade da Pedra Lascada. Concordará comigo quem se lembrar de que não existia ainda a câmera digital. Wi-fi era um golpe de sorte; o laptop, então pesado e grotesco, um luxo; o iPhone, ainda uma ficção; o Facebook, um embrião. São 5 anos até hoje e o mundo mudou. Será que o Atelier de Joel Robuchon mudou junto?
O conceito dele é de vanguarda, é o que eu sempre soube; é o que o primeiro cardápio me pareceu; é o que se nota desde a entrada. Mas as idéias parecem paradas no tempo. Seria uma estratégia para atrair mais turistas e poucos franceses, com uma fórmula estática? Ou uma consistência tática que lhe valeu a inacreditável indicação como melhor restaurante francês na desastrada lista da revista Restaurant? Não me lembro exatamente do quanto paguei na época. Foi uma fortuna, algo em torno de 350 euros. Primeiro porque, além do meu menu degustation, ainda pedi dois pratos extras e copos (me recuso a chamar de taça, exclusividade de martinis e champanhes) não incluídos de Haut-Brion, uma estravagância, na época. Segundo que a impaciência dos atendentes é curtíssima.
Fato é que, da verrine de flan de foie gras da entrada até o dessert tropical, passando pela experiência da gema caipira, pelo peixe defumado e pelo moscato d’asti do café, pouca coisa mudou da primeira visita à que realizei recentemente. E nesse meio tempo, passamos por todas as nuances e evoluções mais recentes de Kellers, Adriás, Andurizes, Hestons, Daniels, Ducasses e quetais – e Blumenthais, para a rima infeliz.
Assim foi da primeira vez: o flan de foie gras com emulsão de melão, com doçura que remete ao caramelo. Foi a primeira das experiências que francês contemporâneo adora: a de começar pelo fundo. Pra isso, veio a colher longa, como a bailarina, elegante e eficiente para mexer coquetéis. Em seguida, um gaspacho sem exagero, sabores bem crus de tomate e pepino e das gostas de azeite de pesto.
A lagosta veio em duo, com carpaccio montado sobre tartare, com aromas e servido em algo que eu chamaria de pires. As palourdes chegaram com molho de alho violeta e champanhe. Ambos agradáveis no frescor (era época) e na intensidade. A gema caipira veio em taça de martini, com emulsão de girolles. Legères – leves – segundo o cardápio. Talvez um pouco demais. Chablis Laurent Tribut 2004 era a sugestão.
Melhor estava o salmão mi-fumé grelhado, em filé, sutilíssimo (não confundir com esse exemplar triste que as fazendas marinhas do Cone Sul nos impõem), com tortillons de pepino crocante e rastro de sal de páprica. Antes que eu matasse alguém de fome, veio a paleta de cordeiro de leite confit no cominho com semoule (cuscuz) de damascos. Macio, instigante, bem temperadérrimo, matou a fome física e espiritual. E a sede, com o Château Lagune e o Château Sergnac, um Bordeaux e um Languedoc.
Nas duas vezes, minha irritação ficou na sobremesa. Era a mesma: o chocolat sensation (assim mesmo, indefinido entre o francês e o inglês), com ganache au coulis, boule souflée, mousse e algo que não entendi nas notas, dado o avançado do álcool. E a saladinha meio confusa do que eles chamam de fruits exotiques: abacaxi, manga, maracujá, romã, laranja vermelha e – farsa maior – a lichia. Mais interessante era a guarnição de sorvete de alecrim.
A sobremesa de verdade, como eu gosto, prato salgado, veio no pedido à parte: Um ris de veau delicadíssimo e um foie gras em escalope, que eu não sou idiota. Aliás, sou sim: podia ter pedido só os dois.
Na sobremesa da segunda visita, a tal saladinha de frutas veio rebatizada: Parfum des Îles. Quase vibrei de tanto tédio. Depois, outra cafonalha, um mont-blanc igualmente desinteressante. E decepcionante, pelo preço cobrado. Mas o pior já viera logo na entrada, de uma forma que revoltaria um brasileiro: com uma coxinha de galinha sobre abacaxi. Banal para quem se acostumou ao sanduíche do Cervantes. Seria uma fusão da cozinha brasileira de botequim?
Mas a salvação da tarde viria em uma boa seqüência: o caviar, em que brilhou muito mais a base de enguia defumada com creme de raiz forte; a espuma de castanhas com lardons (toucinhos) defumados; o foie gras como deve ser, sem exageros adocicados, mas sobre feijões pimpol; a bochecha de vitela ao vinho, intensa, desmanchando, dispensando a faca.
Menos inspiradores eram a gema com sopa de salsa, muito persistente; e o turbot com um molho de tomates à grenoblaise, que, de tão ácido, arruinou com a sutileza daquele que é o mais nobre de todos os linguados e um dos melhores peixes do Atlântico Norte.
A seleção de vinhos, a cargo do chef sommelier Julien Mopineau, abriu com um Pouilly-Fumé de Pascal Jolibet, para a galinha e o caviar; prosseguiu com o Marsanne de Louis Cheze 2009, para o creme de castanhas, o foie-gras e a gema; emendou com Chassagne-Montrachet, Domaine Fontaine Gagnard, para o tourbot; completou com o Château Certan-Marzelle, com a carne. E arrematou com o Moscato d’Asti Vignatoli di San Stefano, a salvação das sobremesas.
Mas há outras coisas que não mudaram nos 5 anos de intervalo entre as visitas, além da estrutura do menu degustation: continuam inalterados a paciência curtíssima dos atendentes, a rispidez crônica dos maitres, o movimento feérico da cozinha atrás do vidro e a bela decoração do interior do balcão (nunca sentei na mesa), com arranjos de frutas e legumes escolhidos à lupa. Me juraram que não eram de cera, mas também não me deixaram ver de perto. Devia ter exigido – prerrogativa de quem larga 400 euros em uma refeição. E direito (ou seria punição?) de quem faz isso duas vezes.