“O vinho é a poesia da terra”, dizem os versos de uma antiga trova siciliana. A ternura das palavras reflete o amor com que aquele país (as regiões italianas denominam-se paese) dedica aos seus vinhedos e às suas regiões, que, conta a história, cultivaram as primeiras uvas de qualidade que viriam, no futuro, a se espalhar pela Itália continental. Mas a tradição não se traduz em facilidade: a história do vinho da Sicília foi dura e, se conquistou o zelo dos gregos, os primeiros a levar as técnicas da vinicultura para a região, enfrentou também a hostilidade de outras invasões, os rigores do clima, do solo e de seus vulcões e, internamente, até das antigas políticas agrícolas.
A história do vinho da Sicília é rica. Contá-la é fácil. Mas para fazê-la real e perpetuá-la exige técnica, talento e, sobretudo, dedicação e insistência. E recontá-la, sem que se fale apenas nos vinhos de sobremesa, pelos quais a região foi conhecida por mais de um século, é a tarefa do Conde Lucio Tasca e de seus filhos Giuseppe e Alberto. Parte dessa jornada já está na página de livros como a do crítico Oz Clarke, que tem a marca como a mais importante dos vinhos do sul da Itália.
Da bela propriedade, na região central da ilha, a família administra cinco regiões distintas, que mostram a diversificação que a ilha proporciona a seus rótulos. O mais importante deles é o Tenuta Regaleali, produzido a partir dos vinhedos espalhados em mais de 500 hectares em torno da sede. Do extremo leste da Sicilia vêm os vinhos da Tenuta Tascante. De Camporeale, no norte, próximo a Palermo, estão os vinhos da Sellier de La Tour, enquanto, a oeste, está a ilha de Mozia, onde são produzidos os brancos a partir da casta grillo. Seus vinhos generosos vêm da área de Capofaro, um arquipélago ao largo de Messina, entre a ilha e o continente, área da esplêndida uva malvasia.
O ambiente das vinhas no sopé do Etna é de uma beleza quase sinistra. A terra negra, que batiza alguns dos rótulos, é densa e escura como um pó de chocolate amargo. Mas suave, que cede ao passo do homem. E do tempo. Algumas ruínas pontuam a paisagem e dão o testemunho de uma atividade mais devastadora do que qualquer das erupções do belíssimo vulcão siciliano: a legislação.
Foi nos anos 40, quando o governo italiano taxou a produção de bebidas alcoólicas na Sicília. O resultado foi o abandono progressivo das uvas que geram o vinho rico e capitoso daquele terreno vulcânico. “É um solo rico e de uma estrutura ideal, em três camadas. A última delas retém a água necessária e faz com que as vinhas ganhem raízes longas e robustas”, comenta o engenheiro agrônomo Domenico Dantoni, engenheiro agrônomo, responsável pela Tenuta Tascante, um dos rótulos da grife Tasca D’Almerita.
No caminho entre as diferentes parcelas da propriedade, onde predomina o cultivo da casta nerello mascalese, Domenico ia mostrando, entre os terraços que esculpem a paisagem, algumas marcas recentes da atividade do Etna. Em uma delas, uma língua de 50 metros de largura de uma lava já esfriada, que devastou vinhedos na vizinhança imediata. “Não há como conter. As populações nos vilarejos apelam para os santos – e cada local tem o seu”, diz o engenheiro.
Mas no passo da tragédia está, ironicamente, o caminho para a personalidade dos vinhos do Etna (os IGT Etna Rosso), em uma área que, vista de cima, toma toda uma meia-lua em torno da cratera, descendo de norte ao sul pela vertente leste. Há vinhas plantadas em terrenos mais altos, mas a área da Tascante está em torno dos 400 metros, que garantem os graus de maturação das uvas e as suas expressões de mostos e terrenos: frutas vermelhas, couros e um quê de mineral. São essas características que marcam a prova do Tascante 2009, sua segunda safra e uma das levas de vinhos mais recentes dos pés do Etna.
As uvas sicilianas:
Catarrato – Uma das castas que se desenvolvem na Sicilia, proporciona vinhos de bom corpo e ricos em especiarias. Apesar de pouco conhecida, já foi a segunda uva mais plantada da Itália.
Grillo – Branca, já foi muito associada à produção do marsala. Segundo Nicola Massa, que já foi crítico do Gambero Rosso, a bíblia dos vinhos italianos, é uma uva que traz flores e vegetais ao paladar de vinhos brancos de mesa.
Inzolia – Matriz de vinhos leves e perfumados, é outra uva usada na produção do vinho de marsala, mas que vem ganhando fama pelos seus brancos de mesa, quase sempre associada a outra uva local, a catarrato. É a casta que dá origem a um dos vinhos mais sentimentais da Sicilia, o Nozze d’Oro.
Nero d’Avola – Riqueza, textura e longevidade são os adjetivos usados por Jancis Robonson para definir os vinhos produzidos com essa uva, temperada pelo calor da Sicília. Pode gerar vinhos de impacto, como os da parte ocidental da ilha. Ou mais elegantes – sublimes, no entusiasmo de Hugh Johnson -, como os da parte oriental. “É uma uva que tem que ser colhida no momento preciso, pois o sol siciliano pode passa-la de verde a madura de um dia para o outro”, conta, novamente, Nicola Massa.
Nerello mascalese – Nas palavras do crítico Hugh Johnson, é uma uva que gera vinhos de considerável elegância e de grande caráter e personalidade. Seu balanço de acidez é obtido nas frequentes combinações com o nero d’avola