Os limites do Quadrilátero de Ipanema são marcados, ao norte e ao sul, pelas águas de Ipanema e da Lagoa. A leste e a oeste, pela charmosa efervescência de um caldeirão que combina moda, estilo, cultura e paladar. Essas referências marcam também as imagens da infância, da adolescência, da vida acadêmica e comercial da empresária Cristiana Beltrão. O slogan do Bazzar, que batiza seu restaurante e a linha de produtos gourmets, que criou ao lado do marido André Paraizo, leva a assinatura “Nascido e criado em Ipanema”, um slogan que, mais do que autobiográfico, é o reflexo da influência que o bairro sempre exerceu na sua visão executiva, na sua ética profissional e, principalmente, na sua memória afetiva. O resultado de tudo isso chega agora na forma de sua eleição como Restauratrice do Ano, pelo juri da revista VejaRio. Por aqui, sem surpresas, já que essa editoria sempre a teve como a pessoa mais importante da vanguarda gastronômica carioca.
Ipanema, com afeto?
No Rio, nunca fiz nada fora de Ipanema. É onde crio meus filhos e onde fui criada, onde fiz uma das minhas universidades, a Cândido Mendes. E onde abri minha casa, onde cuido do meus negócios e onde mantenho meus escritórios. E a praia era o meu quintal, era onde meu pai (o ex-ministro Hélio Beltrão) andava, era onde eu e meus irmãos brincávamos, onde meus filhos brincam hoje.
Quais as imagens que você resgata do passado no bairro?
A praia em frente ao meu prédio. Na época, era o mais alto de Ipanema e tínhamos uma visão panorâmica de toda a vizinhança. Quando era pequena, compunha músicas para as Cagarras, para o Cristo e até para a antiga roda-gigante do Tivoli Parque. O máximo da minha ambição gastronômica infantil era ir ao Bob’s, comer um burgão com sundae, na saída da praia. Já na adolescência, usávamos blondor e bronzeador, íamos à Padaria Ipanema e passeávamos por uma Praça Nossa Senhora da Paz ainda sem muros.
O que Ipanema tem de diferente?
Tem essa coisa bacana de sempre remeter ao Rio de Janeiro dos anos 60. É uma imagem que me acompanha desde sempre, pois moro até hoje no mesmo prédio em que nasci. Ipanema é, ao mesmo tempo, charmosa, despojada e cosmopolita. Adoro loja de rua e Ipanema tem um comércio bem bacana, com um estilo sem comparação. Todos esses atributos do bairro foram considerados para montar o DNA do meu próprio negócio, para que a nossa marca tivesse esse toque cultural e vanguardista, que, pra mim, é a tradução do bairro. Além disso, a própria luz de Ipanema é diferente.
Essa luz faz diferença?
Claro! A própria idéia da arquitetura do restaurante era de fazer com que a luz do bairro entrasse e integrasse o ambiente. Por isso temos uma varanda, uma relação com a rua. Muitas lojas fazem isso. E foi uma quebra, pois os antigos restaurantes eram cópias dos franceses, fechados, sem grandes relações com o lado de fora.
E a clientela responde?
Não só responde como temos um cardápio só para a varanda. Além disso, o nosso projeto de design, assinada pela Bel Lobo, acabou ganhando, sem que soubéssemos, uma destaque na exposição Encore Moderne, no Palais Royal, em Paris, que retratava o melhor do design contemporâneo no Rio. Quem me avisou foi a Vera Saboya, que me ligou no ato pra dizer que o design do Bazzar estava entre os relacionados.
Ipanema vende bem?
Mesmo fora do Rio, as pesquisas mostraram que os consumidores são simpáticos à remissão do produto a Ipanema. Na prática, não tivemos nenhum problema com a associação e o resultado está aí: 17 produtos em mais de 400 pontos de venda em todo o Brasil. Além disso, Ipanema é um excelente mercado-teste. Se o produto não funciona na casa, não faz sucesso na prateleira. E o que funciona em Ipanema funciona em outras praças.
Quem é esse ipanemense?
É um contestador, um ser que não aceita a moda pela moda. Por isso mesmo a região transformou-se em polo da elegância discreta. Em outros bairros, o modo de ser tem mais ostentação. Claro que há a orla, mas na alma do bairro, isso não influencia. Muito desse ipanemense está na cabeça do Ruy Castro, que desenhou o charme do bairro no livro Ela é carioca.
Qual o sabor de Ipanema?
O mar faz parte do DNA de Ipanema. Desde a abertura do Bazzar, o prato mais pedido é o peixe, o que quebra a idéia da demanda global de carne com um carboidrato. Outro ícone é o suco. A questão da saúde advém da boa forma. Fruta, suco e peixe são coisas bem do bairro. Em outros bairros, já não se vê isso. E outra característica, e essa, seguimos à risca, é o do chamado “localismo”, com ingredientes produzidos a menos de 100 quilômetros do Rio.
A que lugar do mundo você compararia o bairro?
Fico com a comparação da jornalista Ana Cristina Reis. Certa vez, ela disse que a Rua Garcia d’Ávila é o Court Mirabeau de Ipanema, pois é chique como a rua de Aix-em-Provence, mas sem a ostentação das vizinhas Cannes, Nice e MonteCarlo. Por isso, entendo que marcas como a Louis Vuitton tenha escolhido Ipanema, não o Leblon como plataforma para a cidade. E você vê que a comparação não é gratuita com a quantidade de franceses que frequentam Ipanema.
Por que o investimento em arte, no restaurante?
Olha só quantas galerias de arte nós temos em Ipanema. É um bairro que, embora não tenha nenhum dos principais museus, sempre foi associado à arte. Nossa idéia é dar apoio aos artistas cariocas que brigam para mostrar a sua manifestação. Mas não é uma exposição de quadros pura e simples. Temos um painel principal, uma série de monitores na mesa, que mostra o processo de criação, e, para essa próxima, estamos prevendo também a exposição em iPads. Queremos integrar mais o trabalho ao ambiente, a partir de 2012. É o primeiro passo para nos colocar nesse rol de galerias.