Em plena época de cozinhas moleculares, alimentos crus abrem novas frentes de paladar
Pedro Mello e Souza, especial para Magazine CasaShopping
Um retorno às origens da alimentação? Uma forma saudável de cozinhar? Uma nova onda de paladar? Ou uma tendência que chegou para ficar? É a cozinha dos alimentos crus – carnes, peixes, crustáceos, ovos, raízes – que passaram à pauta dos grandes chefes internacionais com seus sabores essenciais. “Antes da cozinha há a natureza”, resume Alain Ducasse, um dos chefs mais atuantes nesse segmento. “Antes mesmo que se pense em cozinhar, misturar e degustar, a natureza mostra seus segredos”, diz.
Os exemplos não estão somente nas mesas de Ducasse, que elege pessoalmente seus fornecedores. Está também nas criações de outros chefs franceses – sempre eles! – como Alain Passard, do Arpège, em Paris. Além de uma cozinha em que praticamente se identifica como vegetariana, ele lançou um serviço de entrega em domicílio, sob demanda, dos legumes que cultiva nos arredores de Paris.
Outros como Michel Bras, e sua cozinha floral, e Claude Colliot, que investe no resgate de legumes esquecidos, no melhor estilo vintage, e na valorização do paladar nu e cru de ingredientes esquecidos. Assim, ele combina fatias finas de pastinaca (da família da cenoura) com camarões azuis. Sim, azuis, chegando à mesa tal como foram pescados.
Mas a consciência é internacional e, se não houve influência dos franceses, os ares da cozinha natural contribuíram com isso. Exemplo vivo é o restaurante Noma, mais uma vez o mais votado do mundo pelo júri de uma revista inglesa. “A cor verde predomina em nossos pratos mais do que em qualquer outro restaurante”, explica o chef do restaurante, Rene Redzepi. “Quando chega a estação, legumes frescos, ervas e plantas selvagens ganham papel predominante em nossos pratos”, diz o campeão.
Em Portugal, a valorização dos alimentos crus não vem só das hortas, mas também das redes dos pescadores. Alexandre Silva, responsável pela mística do saudoso Bocca, de Lisboa, e, hoje, no moderníssimo Hotel Marmòris, no Alentejo, aposta no frescor da sardinha e de carnes como a barrosã, protegida com denominação própria pela União Européia. Seu colega, José Avillez, tem nas vieiras cruas uma forma de mostrar o paladar sedoso da iguaria em seu novo restaurante, no bairro do Chiado.
Na Itália, a coisa vai mais além. O estrelado Alessandro Pipero aposta na criatividade e lança um encantador tartare de ganso, de paladar superior ao do mais fino magret de pato – o clássico de bistrô, cru por definição. No sul da Sicilia, o chef Pino Cuttaia, do La Madia, na pequena cidade litorânea de Licata, mostra, com peixes e crustáceos frescos, alguns dos pratos mais importantes do momento: carpaccio de camarões vermelhos, anchovas em água do mar, massas com ovas de ouriço.

Anchovas em gelatina de água marinha com polpa de tomate ragusano, especialidade do La Madia, de Pino Cuttaia, em Licata, Sicilia (FOTO Cristiana Beltrao)
UM LONGO CAMINHO
O percurso do espírito do raw food até as mesas brasileiras, especialmente as cariocas, foi tortuoso. Se as carnes cruas já eram apreciadas no Rio, na forma dos steaks tartare, não eram uma tendência e, muito menos, um hábito. Como uma das portas de entrada dos hábitos do Brasil Colônia. Mas não como uma tendência. As comidas grelhadas, fritas, ensopadas e cozidas fazem parte da cultura do brasileiro.
Com exceção das frutas e de algumas poucas saladas – incômodas guarnições para a refeição de muitos, os ingredientes crus passaram a marcar suas presenças na mesa do brasileiro a partir do fim dos anos 80. Primeiro, com o carpaccio, refinada primazia de restaurantes italianos de chefs modernos como Dânio Braga. Depois, foi a onda dos sashimis, com a tsunami dos restaurantes japoneses, primeiro em São Paulo, depois no Rio. Inicialmente, todos eram caríssimos.
A moda mais recente é a dos ceviches, que chegaram ao Brasil pelos cardápios de chefs andinos, como o peruano Gastón Acurio, dono do medalhado La Mar, em São Paulo, e do boliviano Checho Gonzalez, que fez a fama de casas como o Zazá Bistrô, no Rio. Mas sempre com a cura do limão ou da pimenta a encobrir aquele paladar tão estranho à nossa cultura. Ou o da mostarda e do molho inglês, que, em excesso, arruinam o frescor do steak tartare.